“Dedicação” e “amor” aos Salesianos, Dom Bosco e Maria Auxiliadora. Pai, irmãos, filhos e sobrinhos todos partilham o mesmo sentimento. Na entrada do local de trabalho, uma empresa da família, o busto de Dom Bosco testemunha isso mesmo.
Entrevistar uma antiga aluna dos Salesianos de Évora, pertencente à distinta família Noites, cujos membros das três últimas gerações passaram pelos salesianos, é uma honra e um gosto. Que significado tem para si fazer parte deste percurso?
É uma honra ser um dos treze elementos da família que passou pelas carteiras dos Salesianos de Évora, a que acrescem duas sobrinhas que frequentam o ArtiSport. Desde pequena que me recordo de frequentar o pátio e a igreja, que era a nossa paróquia. Frequentei o antigo Oratório de São José do 1.º ao 6.º ano. Guardo várias recordações desses tempos, fundamentalmente da vivência fora das aulas, das festas da escola, dos teatros em que participei, das brincadeiras no pátio, dos campeonatos desportivos, do grupo de Amigos de Domingos Sávio dinamizado pelo Pe. Armando Monteiro, das idas espontâneas à igreja durante os intervalos, das eucaristias semanais, dos “bons dias”, das visitas de estudo. Criei boas amizades, algumas que se perderam no tempo e que voltei a retomar com a entrada dos nossos filhos nos Salesianos. Por terem sido vivências tão ricas, pareceu-me natural que os meus filhos também fizessem esse percurso na Escola Salesiana.
Antes de entrar para a escola, frequentei o Colégio das Filhas de Maria Auxiliadora. Recordo com saudade as Irmãs Brígida, Conceição e Gorete.
O seu pai pertenceu às primeiras gerações de alunos e hoje os seus filhos continuam essa presença. Esta realidade facilita a educação?
O meu pai tem um carinho especial pela obra salesiana, sente-se muito agradecido pelo apoio prestado à família durante a sua infância. O meu avô ficou cego quando o meu pai tinha apenas 10 anos e os Salesianos incentivaram a sua permanência na escola e permitiram que continuasse a estudar. Foram tempos de grandes dificuldades…
“Guardo recordações fundamentalmente da vivência fora das aulas, das festas, dos teatros, do pátio, do grupo de ADS, das idas espontâneas à igreja durante os intervalos, das eucaristias semanais, dos bons dias, das visitas de estudo”
Essa dedicação aos Salesianos, e o amor por Dom Bosco e Maria Auxiliadora, têm-lhes sido transmitidos pelos avós e por nós, pais e tios, sendo o marco mais visível dessa devoção o busto de Dom Bosco que foi fundido na Somefe, a empresa da família, e que está à entrada das nossas instalações. Também no pátio da escola e à entrada da Igreja de Maria Auxiliadora há bustos de Dom Bosco e placas comemorativas fundidas na Somefe, que refletem a relação da nossa família com a obra salesiana.
Aquilo que ouvia em casa acerca do “Oratório”, como então se chamava, e aquilo que veio a experienciar na Escola era semelhante? E atualmente, como é?
Creio que tem vindo a mudar… A ideia que tenho da antiga “Escola dos Padres”, do tempo dos primeiros alunos, é de que os professores eram os próprios salesianos. O carisma salesiano era-lhes transmitido a todo o momento.
O que lá aprendeu serviu-lhe de inspiração para o seu projeto de vida?
Tive uma professora na 3.ª e 4.ª classe que foi muito especial, Antónia Rodrigues, e que nos fazia sentir especiais. Uma professora muito dedicada, empenhada, que não deixava ficar ninguém para trás e que nos orientava para “fazer bem feito”, ou não fosse ela antiga aluna das Filhas de Maria Auxiliadora.
Alguns senhores padres foram para mim exemplo de dedicação aos jovens, estavam muito presentes nos pátios, quer a jogar quer a dar uma palavra amiga. Recordo-me do Pe. Soares, Pe. Armando Monteiro, Pe. Agostinho, Pe. Gaspar, Pe. Neto… alguns mais “disciplinadores”, outros mais companheiros e amigos. E não me esqueço do Sr. Eduíno.
Tenho presente na minha vida diária o lema de Dom Bosco “Bons Cristãos e Honestos Cidadãos”. Penso que se formos cidadãos empenhados, conscienciosos, preocupados com os outros e com o ambiente que nos rodeia, daremos testemunho da mensagem de Cristo, seremos os missionários dos nossos dias.
“Tenho presente na minha vida o lema de Dom Bosco Bons Cristãos e Honestos Cidadãos. Penso que se formos cidadãos empenhados, conscienciosos, preocupados com os outros e com o ambiente que nos rodeia, daremos testemunho da mensagem de Cristo, seremos os missionários dos nossos dias”
Os Salesianos de Évora continuam a fazer a diferença e o cognome “Escola dos Padres” ainda lhes assenta bem?
Já é uma expressão que na geração dos meus filhos não se ouve. São uma escola de referência na cidade de Évora. Os pais procuram a escola pelo seu projeto educativo, pelos valores transmitidos, pelos seus recursos, humanos e físicos. A escola melhorou muitíssimo as suas infraestruturas nestes últimos 30 anos. Penso que o pavilhão desportivo será o melhor da nossa cidade! Mas este crescimento a nível de alunos infelizmente não foi acompanhado na mesma proporção por vocações salesianas… Penso que os professores fazem um trabalho fantástico na transmissão e promoção da identidade e pedagogia salesiana, mas quando entro na escola e me recordo do meu tempo, é notória a ausência de salesianos a brincar e a jogar nos pátios.
Quer falar-nos da sua família: marido e filhos?
Conheci o meu marido, Manel, nesta Casa Salesiana, no Agrupamento 320 dos escuteiros. Apesar de não ter sido aluno salesiano, viveu o sonho de Dom Bosco através do “escutismo salesiano”. E apesar de ter vivido em Lisboa até aos 13 anos, considera-se tão alentejano quanto os nossos quatro filhos: Isabel, Manel, Margarida e Zé. Os dois primeiros são antigos alunos, os mais novos ainda frequentam os Salesianos. São também todos escuteiros e frequentam o Musicentro e o Artisport.
Faz parte da comunidade cristã da paróquia de Nossa Senhora Auxiliadora e continua ligada ao Agrupamento 320.
Sou escuteira desde os oito anos, fui “lobita”, “exploradora”, “pioneira”, “caminheira” e continuo a ser dirigente. Dá-me uma enorme satisfação poder retribuir o que aprendi e vivi enquanto escuteira. Os agrupamentos sediados em escolas salesianas têm tentado manter a ligação, pelo carisma de Dom Bosco que nos une. Realizamos periodicamente o “Acampamento Dom Bosco, mas não tão regularmente quanto gostaríamos, por dificuldades logísticas de mobilizar tantos elementos. É uma forma diferente de viver o escutismo, é a mensagem de Dom Bosco que nos une…
“É uma forma diferente de viver o escutismo, é a mensagem de Dom Bosco que nos une…”
Das atividades que vivi a nível de escutismo salesiano as mais marcantes foram as peregrinações da Família Salesiana a Fátima, onde estamos presentes todos os anos. Recordo o “II Acampamento Dom Bosco”, em Santa Margarida, era “lobita”. A nossa Alcateia ganhou o 3.º prémio, que ainda se encontra no nosso covil. Recordo a participação no “FlashBosco”, as pernoitas no agrupamento dos Prazeres, quando realizávamos atividades em Lisboa… Tive também a sorte de participar numa atividade de voluntariado em Cabo Verde, Mindelo, onde já como dirigentes demos colaboração na formação de dirigentes do agrupamento de escuteiros sediado na Paróquia dos Salesianos e realizámos atividades escutistas com crianças e jovens. Fomos muito bem acolhidos pela comunidade salesiana, que nos recebeu de braços abertos.
Atualmente desenvolve alguma atividade na paróquia ou em qualquer movimento católico?
Também dou pontualmente colaboração na Equipa Regional, na formação de futuros dirigentes, e pertenço a um grupo de CVX – Comunidade de Vida Cristã, dinamizado pela Comunidade Jesuíta de Évora.
Formou-se em Engenharia Química. Porquê esta formação académica?
A minha mãe também é engenheira química. Na empresa dos meus pais, Somefe, havia um laboratório para analisar as matérias-primas da fundição, onde eu gostava de ir ver os reagentes, os equipamentos, os tubos de ensaio… pelo que sempre tive curiosidade por essa área.
Mais tarde descobri o gosto pelo estudo da química, física e matemática. Ao concorrer para Engenharia Química, no Instituto Superior Técnico, fi-lo na perspetiva de seguir o ramo de Biotecnologia, com enfoque na vertente de tratamento de águas e resíduos. Posteriormente fiz uma Pós-Graduação em Engenharia Sanitária, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, para desenvolver conhecimentos nestas áreas.
É nessa área que desenvolve o seu trabalho profissional?
Trabalho numa empresa da família, “Noites Reciclagem, Lda.”, que se dedica à gestão de resíduos industriais, fundamentalmente metálicos, dado o historial da fundição de ferrosos, que entretanto foi desativada. Fazemos a recolha, triagem, enfardamento e acondicionamento dos resíduos (metais, cartão, plástico, madeira, resíduos eléctricos e electrónicos) e enviamos posteriormente para empresas que fazem a reciclagem desses materiais, quer a nível nacional quer para exportação. Desenvolvemos também a atividade de transporte de mercadorias e aluguer de equipamentos.
Não é muito comum ver mulheres em postos de chefia onde a maioria dos trabalhadores são homens. Os valores que lhe foram transmitidos ajudam a esbater ideias preconceituosas?
Penso que se tratarmos todos os colaboradores com respeito, dignidade e assertividade, a questão do género não se torna relevante.
Tenho uma máxima, que gosto de reforçar com frequência aos meus filhos: “Não faças aos outros o que não gostas que façam a ti”. Isto aplica-se a todos os níveis da nossa vida: profissional, familiar ou pessoal. Se respeitarmos o outro, seremos tratados da mesma forma.
Talvez por ser mulher e mãe tenha o cuidado de perguntar aos nossos colaboradores pelos filhos, pela saúde, pela família e de lhes dar abertura para falarem sempre que têm algum problema a esse nível e, caso esteja ao nosso alcance, poder ajudar.
“Penso que se tratarmos todos os colaboradores com respeito, dignidade e assertividade, a questão do género não se torna relevante”
Desafios para o futuro?
A nível profissional pretendo continuar a dinamizar a empresa familiar onde trabalho. A nível pessoal, quando as exigências familiares abrandarem um pouco, já que passo o meus finais de dia a exercer a atividade de “taxista” a ir buscar e levar quatro filhos às suas inúmeras atividades, gostaria de me dedicar a outros projectos de voluntariado de cariz social, para além do escutismo.
O Papa Francisco pede aos cristãos para que estejam “em saída”. A “Noites Reciclagem”, que dirige, tem dezenas de trabalhadores. É possível chegar a muitos deles pela palavra e pela ação?
Fundamentalmente pela ação. Como referi anteriormente, os cristãos têm uma enorme responsabilidade. Temos que ser exemplo e veículo da mensagem de Cristo, mesmo que silenciosamente. Esse exemplo tem que se ver refletido na forma como respeitamos os colegas de trabalho, como apoiamos os colaboradores que necessitem, como gerimos a empresa, como tornamos parceiros os fornecedores e clientes, como apoiamos instituições de solidariedade social.
Se fosse convidada a falar aos alunos e professores da sua antiga escola, que testemunho gostaria de lhes deixar?
São João Bosco dizia: “Os jovens não só devem ser amados, mas devem saber que são amados. A primeira felicidade de um menino é saber-se amado”. Aos professores gostaria de agradecer esse amor, carinho e empenho com que diariamente se entregam pela educação e transmissão de valores aos alunos dos Salesianos de Évora. São os professores um dos veículos da mensagem de Dom Bosco, da identidade Salesiana que carateriza esta escola. Aos alunos gostaria de transmitir uma mensagem de que é essencial saber gerir o tempo. O tempo para além das aulas deve ser aproveitado para estudar, brincar, estar com os amigos, mas fundamentalmente para potenciar outros talentos: música, desporto, teatro, dança, crescimento na fé, etc. É agora que têm oportunidade de se tornar bons desportistas, bons músicos, bons bailarinos, bons cristãos, mas para isso é necessário vontade, trabalho, dedicação e mais trabalho. Se o tempo for desperdiçado em frente de um ecrã, deixaram passar a oportunidade… Essa aprendizagem da gestão do tempo será muito útil para, com responsabilidade, ser capaz de harmonizar as várias facetas da nossa vida profissional, familiar e pessoal.
Sofia Noites
Idade: 44 Anos
Família: Casada, quatro filhos
Antiga Aluna: Salesianos de Évora 1981 – 1987
Formação: Licenciada em Engenharia Química pelo Instituto Superior Técnico, Pós-Graduada em Engenharia Sanitária pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa
Publicado no Boletim Salesiano n.º 583 de Novembro/Dezembro de 2020