Jangadas apetrechadas no mar da incerteza

Responder à solicitação de escrever sobre os desafios do presente e objetivos/metas para o futuro das escolas salesianas é, desde logo, deixar claro que o futuro não é um estado que virá como algo caído do céu, que chega e que o vemos como uma aparição que se gera ex novo. Lembrar-nos-ia o escritor francês, Anatole France, que o futuro está oculto atrás dos homens que o fazem.

Como se fossem jangadas apetrechadas a navegar no mar da incerteza, as escolas salesianas trabalharam na construção de uma normalidade e estabilidade que, nos últimos meses, continuaram a ser abaladas pela conjuntura pandémica e que exigiu de todos muita flexibilidade mental e o consumo das nossas reservas de equilíbrio emocional. Tivemos que abrir mão de coisas que conhecíamos bem e a familiarizarmo-nos com o desconhecido, que tem vindo a normalizar-se, o que leva a que as nossas experiências passadas estejam a tornar-se referências menos fiáveis. Yuval Noah Harari, no seu livro “21 Lições para o Século XXI”, questiona “como viver num mundo em que a incerteza profunda não é um defeito do sistema, mas uma característica do próprio sistema?”

Contudo, este cenário permitiu confirmar que os desafios não nos tornam mais fracos, que as mudanças não nos destroem e que somos sempre capazes de nos reinventar. Permitiu colher evidências de que não mudamos quando todos nos sentimos preparados, mas sim quando somos desafiados para tal, quando o nosso instinto de sobrevivência fica aguçado e quando não encontramos possibilidade de nos mantermos na nossa zona de conforto, seguros e inocentemente confortáveis.

Nestes três primeiros meses do ano letivo 20/21, as nossas escolas experimentaram cenários mistos, continuando a recorrer às tecnologias e ferramentas digitais e a procurar questionarem-se sobre a qualidade e a profundidade das transformações que, entretanto, implementámos.

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Este cenário pandémico fez eclodir a corrida às tecnologias e ferramentas digitais; fez-nos confrontar com o impacto das relações humanas de proximidade e do fator emocional nos processos de ensino e de aprendizagem; e, inevitavelmente, voltou a iluminar algumas questões universais em educação: qual é o papel dos educadores?; qual o papel dos alunos como protagonistas da sua aprendizagem?; qual o papel das famílias no apoio ao desenvolvimento; qual o papel das instituições educativas no processo de desenvolvimento integral das crianças e jovens?

Mas o que temos aprendido com esta situação?

  • Que para aprender necessitamos de estabelecer e manter vínculos emocionais;
  • Que acompanhar os alunos significa ocupar o seu espaço como referências de vida;
  • Que há necessidade de aprofundar aprendizagens essenciais em detrimento do cumprimento obsessivo dos programas curriculares;
  • Que avaliar é muito mais que classificar;
  • Que o desafio do educador é despertar curiosidade, despertar o interesse e orientar a descoberta do saber;
  • Que para aprender, o aluno precisa de ver um sentido e entender como aprende o que aprende; que deve retificar e melhorar o que aprendeu;
  • Que, em situações complexas atuar em equipa é mais eficaz que trabalhar isolado.

É aqui que entra a Proposta Educativa da Escola Salesiana. A Proposta Educativa tem de servir para antecipar o que poderão ser a nova normalidade e a nova presencialidade. Este documento pretende ser orientador, de pensamento pastoral convergente, que inspire a escola salesiana a ser capaz de se sintonizar plenamente com os adolescentes e os jovens de hoje e com o seu mundo, para os educar e evangelizar.

E onde estamos agora? Onde cabe agora a Proposta Educativa da Escola Salesiana?

A pandemia já trouxe a desejada “revolução educativa-pedagógica”?

O ensino a distância é o lugar onde queremos ficar? Onde queremos estar dentro de uns meses, ou um ano ou dois, cinco, dez?

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Teremos de observar e tomar consciência do momento presente, pois não podemos responder apenas com ativismo. Não silenciemos a razão e o coração. É hora de transformar!

Mas como podemos aproveitar o caminho que estamos a fazer agora para avançar na transformação futura? E para onde podemos avançar?

É aqui que temos de mergulhar. A mudança não é um tema técnico, mas de projeto.

Há muito caminho a calcorrear e a estudar! Devemos avançar para não voltar para trás!

* Diretor Pedagógico dos Salesianos do Porto

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