Numa leitura de 2020, deparei-me com a história da norte-americana Tara Westover. A sua autobiografia “Educated”, para além de relatar um percurso em tudo diferente do tradicional, levou-me a refletir sobre questões que nos são muito próximas: educação, comunicação e qual o poder que uma exerce sobre a outra.
Nascida em 1986, no estado do Idaho, Tara – a mais nova de sete irmãos – cresceu no seio de uma família mórmon sobrevivencialista. Os seus pais não acreditavam, portanto, em qualquer instituição pública ou governamental, tais como escolas e hospitais. Por outro lado, acreditavam ser necessária uma constante preparação para o “fim do mundo”, que haveria de chegar. Consequentemente, a sua infância e adolescência são marcadas por um grande isolamento social e falhas em serviços básicos, tanto ao nível da saúde como da educação. Não existiam visitas a médicos ou hospitais, apesar dos acidentes frequentes ocorridos na sucata do pai, onde todos trabalhavam. Os (poucos) estudos, feitos em casa, eram apenas os suficientes para conseguirem ler e ajudar os pais.
Porém, enquanto adolescente, há algo que faz despertar, em Tara, a vontade de saber e querer mais. Um irmão, que tinha saído de casa para estudar, mostra-lhe uma ópera e diz-lhe que é possível estudar música. Apaixonada por este novo mundo recém-descoberto, Tara decide que quer estudar e, a partir desse momento, contra a vontade do pai, põe todo o seu empenho para o conseguir concretizar. Estuda gramática e álgebra para o exame de admissão à faculdade – praticamente sem ajuda – e consegue, por pouco, uma nota positiva para admissão (na qual tem de mentir, dizendo que recebeu uma educação completa em casa).
Tara achava que a parte difícil seria entrar na faculdade. No entanto, as lacunas graves que a sua educação tinha (ou a falta dela), ficam apenas mais visíveis, mais óbvias, quando, aos 17 anos, entra pela primeira vez numa sala de aula. Há vários episódios sobre esta difícil adaptação, sendo que o mais marcante é o momento, na sua primeira semana de aulas, em que não consegue compreender uma palavra escrita nas notas do professor. Levanta o braço, tal como tinha visto os colegas fazer, e questiona o significado da palavra. O silêncio na sala e a descompostura dada pelo professor, fá-la perceber que deveria saber o significado daquela palavra misteriosa. A palavra era “holocausto”.
Esta foi a primeira vez que Tara percebeu o quão incompleta era a sua educação e o quanto a sua visão do mundo estava condicionada pela maneira como tinha sido criada. Isto traz uma completa mudança no seu percurso universitário – acaba por se licenciar, em 2008, como uma das melhores alunas da turma, estudando história, filosofia e sociologia – e nenhuma disciplina de música. A excelência dos seus estudos levam-na até Cambridge, onde tira um mestrado. Ganha uma bolsa e é convidada a passar um ano a estudar em Harvard. Quando regressa a Cambridge, tira um doutoramento em História Intelectual – é, portanto, doutorada sem nunca ter obtido um diploma do ensino secundário.
Para além do quão impressionante é a sua perseverança e o quão surpreendente é o seu percurso escolar – e as circunstâncias da sua vida –, o que dá a esta biografia uma singularidade tão grande é a sua perspetiva única e a clareza com que Tara fala sobre a questão da educação:
“Uma pessoa com uma educação não é alguém que consegue debitar um conjunto de factos e que sabe muitas coisas. É, em vez disso, alguém que tem flexibilidade de pensamento. Alguém que consegue examinar os seus próprios preconceitos, e que adquiriu um conhecimento suficientemente profundo que lhe permite ver o mundo através de outro ponto de vista (…) não é um estado de certeza, mas um processo de interrogação (…), educação não é saber mais do que alguém, mas saber mais sobre alguém, e alguém diferente de nós.”
Tara Westover
Enquanto comunicadores e/ou profissionais na área da comunicação, a questão da educação é-nos muito próxima. A comunicação, a transmissão de conhecimentos, de factos, é a base de todo o processo de educação, assim como toda a comunicação é fruto das nossas experiências, do nosso meio e, naturalmente, da forma como fomos e somos educados.
Qual é, então, o poder da comunicação na educação? Penso que podemos concluir que uma não existe sem a outra e, usando Tara Westover como exemplo, a qualidade e quantidade da educação vai sempre ser dependente da qualidade e quantidade da comunicação e informação que nos é dada, e vice-versa. É um processo conjunto, que não termina na sala de aula, mas que se prolonga em todas as nossas relações interpessoais, em todas as interações com o que nos rodeia. É essa capacidade de absorver informação, de a comunicar, que nos permite ver o mundo através de novos pontos de vista, mesmo sendo estes diferentes do nosso.