O novo Conselheiro para a Pastoral Juvenil tem um currículo preenchido pela dimensão pastoral. Tem um mestrado em Acompanhamento Pessoal e Discernimento Vocacional, e um master em Direção de Escolas Católicas. Foi docente, Delegado de Pastoral Juvenil em Madrid e membro da equipa do Dicastério da Pastoral Juvenil em Roma. Acredita que o acompanhamento pessoal e direto, a partilha da fé, do testemunho, da celebração e do compromisso são essenciais na ação pastoral.
Entrevistar o novo Conselheiro Geral da Pastoral Juvenil é um privilégio. O seu currículo é preenchido pela dimensão pastoral. É uma vantagem para o novo ministério?
Creio que assim é. Sempre trabalhei nos diferentes âmbitos da pastoral juvenil e isso leva a adquirir certas competências. Por exemplo, convenci-me de algumas questões: o hábito da reflexão para dar qualidade à proposta educativo-pastoral; a urgência da animação e acompanhamento dos agentes de pastoral; o trabalho em equipa e o compromisso pessoal na missão entre os jovens.
Para os leitores é importante conhecer as suas raízes, trajeto de vida, família, estudos e hobbies.
Tenho conciliado na minha vida salesiana a ação pastoral e a formação das novas gerações de salesianos. Depois dos meus estudos de filosofia em Salamanca e em Roma, pediram-me que me especializasse com os jesuítas no acompanhamento pessoal e discernimento vocacional. Neste campo orientei numerosos workshops e estive no lançamento de algumas iniciativas nacionais. Fui diretor da Casa de Santander e fiz o curso de Perito em Direção de Escolas Católicas. Docente no Instituto Superior de Filosofia de Burgos e em colégios salesianos de Espanha. Publiquei alguns livros sobre a tutoria na escola salesiana, o modelo educativo-pastoral salesiano; desenhei dois cursos online para a Escola Salesiana América. Fui Delegado de Pastoral Juvenil da Província Salesiana em Madrid e fundador de um Centro de Intervenção Social intercongregacional em Espanha: Asociación “Lumbre”. Fui membro do Dicastério da Pastoral Juvenil (2010-2017) e, desde março de 2020, Conselheiro Geral da Pastoral Juvenil.
Conhecendo-o agora melhor, pergunto: o que leva um jovem, com um futuro brilhante, a atravessar os umbrais da vida religiosa?
Creio que o primeiro motivo é sentir o desejo profundo de Deus e pôr a vida ao serviço dos outros. A Deus não se vê, mas escuta-se. Através do acompanhamento pessoal, da presença afetiva entre os rapazes e da vida comunitária vai-se escutando gradualmente essa tranquila voz interior; e, com a graça de Deus, vai-se confirmando que estes profundos desejos interiores vinham realmente de Deus. Jesus não se cansa de chamar: chamar é para Ele uma forma do verbo amar.
A propósito do que afirmou, recordo o que um físico português disse: “Deus não morreu porque a humanidade precisa dele”. Este conceito serve para motivar a evangelização dos jovens?
Certamente. A humanidade precisa de Deus. A nós compete-nos “educar o olhar dos jovens”, educar os seus olhos para ver não só o que é negativo, mas sobretudo as potencialidades inéditas deste mundo. É essencial acompanhá-los a ver com os olhos de Deus o mundo dos pobres, de forma amável, solidária e crítica sobre a realidade dos mais pobres. Juntar a este olhar a ética do cuidado, a hospitalidade, com as exigências de respeito pelos vulneráveis e as de uma justiça sem descontos. Um olhar que tenha em conta o sofrimento do próximo, mas também indignado (por sentir revolta perante a injustiça evitável).
O Pe. Juan Carlos Godoy, que entrevistámos anteriormente, reconheceu que “a secularização e a indiferença religiosa avançou muito”. As novas gerações são permeáveis à ideia de que “Deus não morreu porque a humanidade precisa dele”, ou nem isso?
Os relatórios de juventude mostram-nos que os jovens vão fazendo o seu caminho de fé a diferentes velocidades: os que “estão em casa”; os que “estão a sair de casa” e os que “não conhecem a casa”. Antes de tudo, devemos esforçar-nos por chegar a todos: aos do primeiro cenário devemos acompanhá-los no seu crescimento de vida de fé. Aos do terceiro cenário temos de continuar a anunciar-lhes o Evangelho e mostrar-lhes a alegria da nossa fé, bem como que as portas de “casa” estão sempre abertas. Com os do segundo cenário, devemos atuar como em Emaús: ir ao seu encontro, caminhar com eles, escutá-los e mostrar-lhes a Palavra de Deus, até ao lugar onde por si mesmos reconheçam Cristo ao partir o pão.
Os agentes pastorais, preocupados com este fenómeno sociológico, ficaram seduzidos com a ideia de que estar presente no continente digital é já um meio evangelizador. É assim?
Se queremos evangelizar esta nova civilização em que vivemos, devemos apresentar-nos nos âmbitos em que os jovens se formam e informam, e um meio privilegiado é a Internet. Para que a evangelização tenha viabilidade, torna-se essencial conectar “inteligentemente” com eles, identificar as suas necessidades e os seus anseios de felicidade. No entanto, a “sabedoria pastoral” diz-nos que isso não basta. O cenário virtual é só uma opção pedagógica para suscitar um modo renovado de pensar a fé, de a expressar e de a viver. Mas não fiquemos por aí.
Formulando a pergunta de outra maneira: a pastoral precisa ou não de “espaços de experiência de fé”? Aprofundando mais: não será arriscado isso da “virtualização da catequese”?
Certamente, se queremos recuperar “a frescura original do Evangelho”, como diz o Papa, temos de encontrar novos caminhos e métodos criativos. Pois bem, os processos de crescimento na fé não podem carecer de um encontro com as mediações. É indispensável o acompanhamento pessoal e direto, em que as pessoas partilham a fé, o testemunho, a celebração e o compromisso.
Avançando um pouco mais: a educação/evangelização pode ser feita online sem assistência presencial?
É muito empobrecedor, embora neste tempo de pandemia seja a melhor resposta. Um agente de pastoral há de entender que acompanhar é um apostolado de proximidade. O Sistema Preventivo confia a sua eficácia educativa principalmente ao encontro direto, presencial. E é um encontro de confiança, de amizade.
Nas condições atuais, como realizar o processo educativo salesiano baseado na relação pessoal?
O cuidado pastoral não é uma “práxis pastoral” mais, mas a prática de acompanhamento mais idónea para estes tempos. A nossa pastoral passa necessariamente por cuidarmos da realidade do outro, o que exige de nós, e muito especialmente agora, capacidade de sintonizar com o oceano de sentimentos dos jovens. O cuidado salesiano não deixa de fora ninguém. Nenhuma tecnologia pode substituí-lo, porque exige um rosto, um olhar, um encontro, um saber acompanhar. E o primeiro passo para isso implica mergulhar, com o coração do Bom Pastor, na realidade das pessoas. Amamos o que cuidamos e cuidamos o que amamos.
O Capítulo Geral 28 aborda com clareza esta problemática?
O Capítulo recordou-nos que o nosso futuro passa por uma pastoral juvenil salesiana que cuida a presença efetiva e afetiva entre e com os jovens. Insiste-se em dar centralidade ao anúncio de Jesus Cristo, atentos aos novos desafios que este aspeto nos apresenta em “estilo, conteúdos e modos”. Uma pastoral juvenil que proponha e proporcione experiências aos jovens, “portadores do fogo vivo do carisma salesiano”.
Mudando de assunto: a pandemia atingiu a humanidade. Que respostas pastorais salesianas têm sido dadas a nível mundial?
Todas as respostas têm sido experiências de proximidade, iniciativas práticas de incidência real, envolvendo as Comunidades Educativo-Pastorais: voluntariado; doações; programas de atenção a crianças vulneráveis, dando-lhes acesso a uma alimentação básica, atenção psicológica e a possibilidade de continuar a sua educação; liturgias e catequeses online; relações quotidianas gratuitas… e muitas micro-histórias de ajuda e apoio ao próximo. Estratégias eficazes sim, mas afetivas que permitam uma aproximação consciente e solidária.
A perda de ritmo litúrgico e catequético pode provocar danos irreparáveis na formação dos jovens?
Temos de saber combinar as nossas propostas com a flexibilidade, a adaptação e a paciência que se requer neste novo contexto que estamos a atravessar. Temos de criar processos abertos com diversas “entradas e saídas”, com experiências-ponte e com capacidade de acolher a realidade que vive em cada jovem. A evangelização dos jovens revela a paixão com que vivemos o Evangelho; não é mais difícil do que noutra época, é diferente e requer testemunhas místicas e capacitadas para gerar propostas corajosas e ousadas.
As Jornadas Mundiais da Juventude 2023 são uma marca na vida da Igreja e dos salesianos em Portugal. Que lhe parece?
As JMJ continuam a ser uma oportunidade, na medida em que deixam abertos muitos caminhos pelos quais hoje podemos continuar a transitar: muitas aprendizagens de que podemos continuar a aproveitar e alguma que outra luz sobre como trabalhar juntos, nesta Igreja plural, para continuar a ajudar os jovens a mergulhar no Evangelho de Cristo. Isto supõe para muitos a busca de espiritualidade e profundidade, tornando visível ao mundo que crer no Deus de Jesus Cristo vale a pena. Nas JMJ descobrimos nos jovens a capacidade de desfrutar, de se emocionar, de rezar, de rir, de se relacionar na diferença, de se maravilhar, de viver em paz com gente tão diferente, de escutar o chamamento de Deus.
Em jeito de mensagem aos jovens do MJS em Portugal, que desafios gostaria de lhes fazer? Aos jovens do MJS tem de nos “mover a esperança”, em palavras do Lema do Reitor-Mor. Ser pessoas que cuidam quatro colunas: os reencontros, isto é, a “amorevolezza” (amabilidade) salesiana; a hospitalidade, quero dizer, aprender a viver e escutar histórias dos outros; a esperança do salvador, o Senhor, em quem convergem todas as promessas; e a santidade quotidiana, simples, alegre e concreta.
Pe. Miguel Ángel García
Nasceu em Madrid no dia 29 de setembro de 1967. Foi ordenado sacerdote a 5 de abril de 1997. Entre 2010 e 2017 foi o responsável pelo Departamento de Escolas e Formação Profissional do Dicastério da Pastoral Juvenil. Foi docente, diretor, delegado da Pastoral Juvenil. É licenciado em Filosofia e mestre em “Acompanhamento pessoal e discernimento vocacional”. Fundou o Centro de Intervenção Social “Associação “Lumbre”.
Publicado no Boletim Salesiano n.º 585 de Março/Abril de 2021