No próximo dia 8 de agosto, tomará posse o novo Provincial dos Salesianos de Portugal e Cabo Verde, Pe. Tarcízio António de Castro Morais. A tomada de posse será presidida pelo Reitor-Mor dos Salesianos, Pe. Ángel Fernández Artime, aproveitando a sua presença em Portugal por ocasião da JMJ. A nomeação, para o sexénio 2023/2029, foi feita em janeiro deste ano. Nesta entrevista, o Pe. Tarcízio perspetiva os próximos anos da vida da Província nos vários setores e ambientes.
Não foi de todo surpresa para a Província a sua nomeação. Há muito que se falava como sendo o mais provável. E para si?
Quando não procuramos estas coisas, somos sempre surpreendidos. Estava muito tranquilo até ao dia em que recebi o telefonema do nosso Regional dizendo que o Reitor-Mor queria falar comigo. Imaginei que era este o assunto. E coloquei-me nas mãos de Deus, que nos surpreende todos os dias, procurando a Sua vontade e não a minha. A minha seria dizer que não, imediatamente. Mas no diálogo de discernimento com alguns irmãos, na oração, no fim, achei que poderia dizer que sim. Agora não me canso de repetir que rezem por mim, pela nossa Província, pelos irmãos e todos os leigos e jovens com quem partilhamos vida diariamente na nossa missão educativo-pastoral.
O seu currículo é rico de estudos académicos na linha da pedagogia escolar. É isso que vai enfatizar ou irá prosseguir na pastoral paroquial?
A nossa pastoral juvenil é feita de um amplo conjunto de ambientes e setores. Há muito tempo que a escola, na nossa Província, tem uma dimensão de grande relevo. Mas também as obras e serviços sociais, as paróquias, os oratórios-centros juvenis, a editora, e, noutros tempos, a formação profissional. O importante é entendermos a nossa presença educativa e evangelizadora entre os jovens, especialmente os que mais precisam de nós. São os jovens, que nos motivam a realizar a nossa missão, seja qual for o campo específico do trabalho educativo e pastoral salesiano. Continuamos a acreditar nas possibilidades evangelizadoras e educativas da escola, mas também de outros ambientes significativos para o desenvolvimento humano integral dos jovens de hoje, preparando-os para o mundo de amanhã.
As Escolas, que a Província gere, estão guarnecidas de defesas no futuro próximo?
A nossa missão na escola não é exclusiva dos salesianos consagrados. Connosco há um conjunto de corresponsáveis leigos que, de uma forma muito profissional, enriquecidos e identificados com a pedagogia e a espiritualidade salesiana, colaboram na missão. À volta da escola, nos últimos tempos, têm surgido diferentes situações a merecer acompanhamento e compromisso permanente com os alunos e alunas e as suas famílias para garantir qualidade educativa, formação integral, acompanhamento e possibilidade de futuro. Assim nos inspira a nossa “Proposta Educativa”. Como todos os campos de ação, os desafios que as escolas oferecem ajudam-nos a inovar, a renovar, a tornar significativa a nossa ação educativa e pastoral. Encarado com otimismo, há sempre possibilidade para o que de melhor podemos oferecer à humanidade: a educação. Especialmente a educação de acordo com a nossa herança educativa que recebemos de S. João Bosco.
Apostar nas vocações consagradas é suficiente para desenhar projetos de futuro para a Província?
Como dizia, nas nossas obras contamos com um conjunto qualificado de corresponsáveis leigos que partilham connosco a missão de educar e evangelizar. Os projetos de futuro para a Província desenham-se na certeza da identidade salesiana que nos une. Esta identidade salesiana é feita do testemunho e da presença dos salesianos consagrados e com a ação dos leigos corresponsáveis. Juntos construímos os futuros de esperança que, salesianamente, os jovens precisam. Para esta missão com os jovens, contamos com todos! Eles precisam de todos. Por isso, há que apostar nas vocações educativas e evangelizadoras, consagradas e dos leigos, para o futuro da nossa Província. Particularmente, a cultura vocacional necessária para a descoberta da vontade de Deus como salesianos consagrados não é nunca suficiente. Os salesianos consagrados cada vez somos menos, mais idosos e por isso é fundamental uma pastoral juvenil capaz de gerar uma pastoral vocacional como cultura, ação e processo.
A dimensão laical proclamada pelo Reitor-Mor, no Lema 2023, vai ser a sua linha de ação?
Tenho a sorte de ter vivido sempre a minha experiência salesiana com leigos e leigas de grandíssima qualidade humana, salesiana e espiritual. Leigos que “nos fazem muito bem”. Que nos ajudam a realizar a nossa missão em fidelidade ao nosso carisma. Se pensarmos bem, D. Bosco não esteve só na sua missão: contou com muitos colaboradores e colaboradoras que o ajudaram na tarefa de educar os jovens necessitados que acompanhava e isto no século XIX quando ainda tudo isto tinha cores de novidade. Para nós Salesianos, desde o CG24 (1996) que damos grande importância à presença dos leigos, à sua formação e ao seu acompanhamento. Por isso, e também de acordo com a realidade e os desafios que vivemos, penso que é uma das linhas de ação a termos em conta nos próximos anos.
O departamento “Formação de Leigos” da Província deixou de funcionar. Há perspetivas de um novo fôlego?
Sim, sem dúvida. A realidade dos leigos e a sua formação são um desafio na nossa Província. O “Centro de Formação” está a dar os seus passos com uma nova dinâmica. Mas o importante, é a consciência de “fermento” que também os leigos são nas nossas comunidades educativo-pastorais. Hoje não se fala apenas de “formação de leigos”, a se, mas de responsabilidade pela formação conjunta de salesianos e leigos, para o carisma salesiano que nos une. É nesta formação, e no testemunho dos salesianos consagrados, que encontramos um caminho para a continuidade da identidade carismática das nossas obras. O nosso “Quadro de Referência para a Pastoral Juvenil” diz-nos que a formação é: “a disponibilidade da mente e do coração para se deixar educar pela vida e ao longo da vida… Esta disponibilidade não surge do nada: ela surge da nossa vocação educativa” (p. 125). Não podemos por isso perder esta dimensão importante na responsabilidade que temos de dar continuidade ao projeto educativo pastoral e social que Dom Bosco nos deixou.
A Igreja na Europa passa pelo chamado “inverno” vocacional. A “primavera” pode chegar depois da JMJ?
Há “primavera vocacional” quando o nosso viver é manifestação da nossa alegria, da nossa entrega aos mais pobres, da nossa fidelidade ao carisma. As circunstâncias e contexto da nossa “velha Europa”, com tantos desafios, com tanto nevoeiro de fé, com a “privatização da religião”, onde a religião e a fé se tornaram supérfluas, a Europa torna-se um “laboratório” pastoral para o mundo. Na Europa têm-se antecipado processos e dinâmicas que depois se reproduzem no mundo. Hoje, a nossa Europa, é terra de missão e de primeiro anúncio como noutras geografias. A secularização, a descristianização, a perda do sentido e a necessidade de tornar visíveis e relevantes os valores da fé e os valores religiosos é onde a Igreja tem de encontrar e descobrir o caminho de uma nova evangelização onde surge o lugar para as novas vocações. Todos os contributos para uma experiência de fé significativa com os jovens são uma oportunidade para viver o projeto de Jesus para cada um. E porque a vocação é um encontro com Jesus que transforma a própria vida, oxalá a JMJ seja uma oportunidade desse encontro que renova e faz viver de uma outra maneira a “pressa” de partir para levar Jesus a toda a humanidade.
Tendo visitado inúmeros países, devido ao cargo que exerceu em Roma, qual foi aquele que o deixou mais esperançoso no campo vocacional e pode ser tomado como modelo?
No campo vocacional há muito trabalho bem feito. A base é o acompanhamento pessoal e a partilha de vida com os jovens. Não há fórmulas mágicas. Quando menos esperamos, o Espírito do Senhor desperta nos jovens um coração generoso para O amar intensamente, entregando a própria vida. Importante é ajudar cada jovem a descobrir a sua vocação. E não podemos esquecer que 90% dos jovens ou mais, têm uma vocação para a família e para o matrimónio, jovens estes que precisam de ser acompanhados e formados como todos os outros que sentem um especial chamamento à vida consagrada e religiosa ou sacerdotal. Tanto no mundo ocidental e desenvolvido, como nos países em desenvolvimento, há muitos bons exemplos. Importante é não desistir! E confiar na graça do Senhor que continua hoje a chamar os jovens a segui-l’o!
O Reitor-Mor tem pedido nos últimos anos uma atenção especial aos mais carenciados, base do carisma salesiano. Quais as linhas de ação que tem pensadas para este campo da ação salesiana?
Na última carta sobre as obras e serviços sociais, o Reitor-Mor é muito claro e desafia-nos a viver a dimensão social da nossa opção preferencial pelos mais pobres e que mais precisam de nós. Também os salesianos da nossa Província estão sensíveis a este tema e pedem mais ação, mais compromisso e mais presença educativa e evangelizadora com os mais necessitados. Se queremos ser “sinais e portadores do amor de Deus aos jovens” (C2), especialmente os mais pobres, como nos dizem as nossas Constituições, temos de ser empreendedores e ser capazes de inovar no âmbito social com os mais jovens, especialmente. Num Capítulo Provincial há não muitos anos, decidimos que cada obra deveria ter uma resposta social qualificada e de qualidade. Devemos começar por aí. E dar mais consistência a esta nossa opção de vida e de ação. Ajudando os jovens, as suas famílias, e todos aqueles que precisam de nós.
A Comunicação social é hoje um espaço decisivo para a ação evangelizadora salesiana. Tem sonhos que espera ver concretizados? Um estúdio de gravações? Uma rádio? Novos suportes?
A comunicação social evoluiu muito nos últimos anos com a dinâmica proporcionada pelos new media. No campo da evangelização e da educação, especialmente dos jovens, a comunicação da “boa mensagem” do Evangelho é fundamental. Isto cria sonhos e perspetivas que nos devem ajudar a todos a comunicar Jesus, especialmente a quem nunca ouviu falar d’Ele. Já temos algumas estruturas de comunicação de grande qualidade. Temos de lhes dar relevância e significatividade para chegar mais longe. Temos um excelente “BS”, uma editora de referência no âmbito da evangelização, catequese e educação de crianças, adolescentes e jovens, publicações, sites, duas rádios, enfim, todo um conjunto de propostas que podem crescer e desenvolver-se.
Olhando para a Província que aspeto lhe dá mais esperança e regozijo?
A maior esperança são os jovens. Os jovens são a esperança da humanidade. E nós trabalhamos todos os dias com eles. E daí eles serem a nossa grande esperança. Regozijo-me com o testemunho, a presença amável e o esforço de tantos salesianos consagrados e leigos que trabalham cada dia pelo bem destes jovens. Confio que podemos, com as nossas limitações, continuar a ajudar tantos jovens e famílias na missão de realizarmos o sonho de Dom Bosco para o bem de todos, na procura de construir uma civilização de amor onde “bons cristãos e honestos cidadãos” possam ser educados, acompanhados e evangelizados para um mundo melhor, mais solidário, com mais dignidade para todos.