Rosto de Cristo, rosto de esplendor e glória

Um dos riscos que ameaçam o cristianismo vivido por não poucos crentes é o de se centrar excessivamente na cruz sem desembocar na ressurreição. É a herança de uma certa maneira de entender a fé no passado.
Graças ao Concílio Vaticano II e às suas diretrizes de renovação, este risco é agora mais facilmente ultrapassado. A liturgia voltou a colocar a Páscoa no centro das suas celebrações, tanto a anual como a semanal de cada domingo, e a teologia e os próprios catecismos deram maior relevo ao acontecimento pascal. Resta saber, no entanto, se isso se tornou parte da experiência de fé das pessoas.
Concluindo a nossa contemplação de algumas das muitas facetas do diamante precioso que é o rosto de Jesus Cristo, consideramos importante fixar o nosso olhar no esplendor luminoso com que a ressurreição o cobre e preenche.

O epílogo do acontecimento histórico de Jesus

Como sabemos, o acontecimento histórico de Jesus, inteiramente centrado no anúncio jubiloso da vinda iminente do reino de Deus, terminou no mais humilhante fracasso. Não o triunfo, mas o suplício da cruz veio coroar todos os seus esforços. Morreu, segundo os testemunhos evangélicos, no abandono mais doloroso de todos (Mt 26,56; Mc 14,50). Até, em certo sentido, do próprio Deus (Mt 27,46; Mc 15,34).
Mas a fé sabe que o verdadeiro desfecho da sua história foi a ressurreição. Os discípulos, que se tinham dispersado com medo no momento da sua morte, voltaram a reunir-se pouco depois, como se acordassem de um pesadelo. Fizeram uma experiência absolutamente singular: aquele Jesus que tinham abandonado apressadamente no Jardim das Oliveiras e de cuja morte atroz tinham a certeza, “a eles também apareceu vivo depois da sua paixão e deu-lhes disso numerosas provas com as suas aparições, durante quarenta dias, e falando-lhes também a respeito do Reino de Deus” (Act 1,3). E eles ficaram “cheios de alegria” (Lc 24,41.52).
É claro que a sua ressurreição não foi como aquelas a que assistiram durante a atividade de Jesus, graças às quais a filha de Jairo (Mc 5,36-42), o filho da viúva de Naim (Lc 7,12-15) e o seu amigo Lázaro (Jo 11,32-44) voltaram a “esta” vida, para depois caírem de novo, mais tarde, na morte. A sua ressurreição foi uma saída desta vida, mas para entrar naquela de Deus, para sempre. Como diz São Paulo, a partir de então “a morte não tem mais domínio sobre Ele” (Rm 6,9).
Desde aquele misterioso “hoje” em que foi gerado pelo Pai para uma vida nova (Act 13,33), e constituído por Ele “Filho de Deus em poder, segundo o Espírito santificador” (Rm 1,4), a própria glória de Deus reflete-se no seu rosto (2 Cor 4,6; Ap 1,6). Ele é, por conseguinte, “o Senhor da glória” (Rm 1,4; 1Cor 2,8).
Tudo isto significa que ele tem agora o rosto de quem está na plenitude da vida, aquela plenitude a que todo o ser humano aspira profundamente, mesmo que não saiba concretamente em que ela consiste. Com efeito, Ele é “o Vivente” (Ap 1,18), “o Primogénito entre os que ressuscitam dos mortos” (Cl 1,18). No seu rosto cheio de luz não há agora a mais pequena sombra de morte.

A glória de Jesus é a glória do Crucificado Ressuscitado

O capítulo quinto do Apocalipse abre-se com uma cena solene: diante do trono do Deus que conduz a história aparece “no meio do trono e dos quatro seres viventes e no meio dos anciãos, um Cordeiro. Estava de pé, mas parecia ter sido imolado.” (Ap 5,6). A ele é entregue o livro que ninguém no céu, na terra ou debaixo da terra foi capaz de abrir e ler. Os símbolos são eloquentes: só ao Cordeiro são revelados os destinos da história e só ele os pode levar a cumprimento. O Cordeiro, como sabemos por outros textos do Novo Testamento, é Jesus (Jo 1,29.36; 1Pd 1,19; etc.).
Duas outras características simbólicas com que o Cordeiro é apresentado não podem passar despercebidas: ele está “de pé… parecia ter sido imolado”. De pé, porque ressuscitado, triunfante sobre a morte; imolado, porque traz em si as marcas da sua paixão.
É uma maneira de dizer que Aquele que é agora o Senhor da história, porque é o vencedor da morte e de todas as forças que a sustentam, é o mesmo que sofreu o suplício da cruz. O ressuscitado é o crucificado, e ressuscitou precisamente porque foi crucificado. Como o hino cristológico de Fl 2,6-11 deixa claro, ele foi “obediente até à morte e morte de cruz. Por isso mesmo é que Deus o elevou acima de tudo e lhe concedeu o nome que está acima de todo o nome”.
A esta luz, pode dizer-se que ele conquistou a glória cumprindo plenamente a vontade do Pai. Um compromisso que, devido à resistência e à oposição dos homens, o levou à morte violenta na cruz. A glória que agora ilumina o seu rosto é, poder-se-ia dizer, “o dom de uma conquista”.

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Onde podemos contemplar hoje a glória de Cristo ressuscitado?

No Antigo Testamento, diz-se muitas vezes que a glória de Deus se faz presente e se manifesta no mundo. Os lugares da sua manifestação luminosa são certamente, antes de mais, as obras da criação (Sl 18,2; 28,3; etc.), mas são sobretudo as suas intervenções na história, como se lê em inúmeros textos históricos e proféticos. O povo de Deus está convencido de que os grandes feitos da sua história, a começar pelo primeiro, a libertação da escravidão do Egipto, são sinais evidentes da sua glória. E está também convencido de que haverá uma manifestação extraordinária dela no futuro: “manifestarei a minha glória entre as nações”, promete solenemente o próprio Deus pela boca do profeta Ezequiel (Ez 39,21).
Os crentes em Jesus sabem que esta promessa já se cumpriu, e cumpriu-se precisamente na sua ressurreição, maravilha por excelência realizada por Deus, na qual se cobriu de glória triunfando definitivamente sobre a morte nele. Ao fazer morrer a morte no seu Filho, que morreu uma morte fecunda porque plena de fraternidade (Jo 15,13), triunfou sobre o último e mais radical dos inimigos dos seus projetos (1 Cor 15,26; Ap 21,4).
Mas perguntamo-nos: onde se manifesta hoje a glória de Cristo ressuscitado, onde pode ser vista e contemplada?
A resposta mais lógica parece ser esta: manifesta-se lá onde, através de uma morte fecunda como a sua, se floresce para a vida. Ali onde o Deus vivo dá a conhecer atualmente “o poder da sua ressurreição”, como diz São Paulo (Fl 3,10).
Isto acontece concretamente na vida pessoal, quando o egoísmo é superado pelo amor, o ressentimento pelo perdão, a agressividade pelo acolhimento… De facto, vencer o egoísmo, o ressentimento, a agressividade, equivale a deixar morrer no coração aquilo que produz a morte. É a aplicação da palavra de Jesus que diz: “se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto” (Jo 12,24).
E isto tanto na vida dos crentes como na dos que não são crentes. De facto, “o Espírito Santo a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal por um modo só de Deus conhecido” (Gaudium et Spes 22e).
Acontece também na vida social, a curto ou a longo prazo, sempre que o açambarcamento egoísta, seja ele económico, social, político ou cultural, é superado pela partilha, ou a violência pelo diálogo, ou a indiferença pelo envolvimento ativo e laborioso… A partilha, o diálogo, o interesse por outros grupos e outros povos são formas de fecundidade que geram vida e, portanto, estão na direção da lógica pascal que faz aparecer no mundo a glória de Deus e de Cristo.

A missão do cristão: fazer resplandecer o rosto glorioso de Jesus Cristo

Quando Pedro se encontra no monte da transfiguração e tem a sorte de contemplar o rosto do seu amado Senhor a brilhar “como o sol” (Mt 17,2), deseja ficar ali para sempre a gozar daquela visão. Com efeito, num excesso de entusiasmo, disse a Jesus: “Senhor, é bom estarmos aqui; se quiseres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias” (Mt 17,4; Mc 9,5; Lc 9,33).
É interessante notar o diálogo que Santo Agostinho, alguns séculos mais tarde, imagina ter travado com Pedro depois de o ter ouvido fazer tal pedido: “Pedro, desce, não fiques aí em cima”, diz-lhe com seriedade; “olha, aqui em baixo os teus irmãos estão à tua espera e precisam de ti”. E, de facto, Pedro teve de descer. E desceu para voltar a seguir Jesus durante o resto da sua vida, até à cruz e à ressurreição, e mais além. Podemos supor que a doce recordação da sua experiência na montanha o acompanhou durante toda a sua vida, dando sentido e força ao seu compromisso de testemunha do Ressuscitado (Act 2,32).
Também nós estivemos na montanha, contemplando o rosto de Jesus Cristo durante muito tempo e com amor. Gostámos de fixar intensamente os olhos do nosso coração e da nossa mente nas suas várias facetas. Trata-se agora de descer da contemplação à ação quotidiana. Esta deve alimentar-se do que retirámos da visão dessa luz resplandecente. Sobretudo a da ressurreição.
É muito conhecido o lema que orientou toda a vida e atividade de Santo Inácio de Loyola, uma vez convertido a Cristo: “Ad maiorem Dei gloriam!”. Tudo deve ser feito tendo em vista a glória de Deus. É claro que isto se aplica a todos os cristãos, sem distinção, como São Paulo já assinalava no seu tempo: “Portanto, quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1 Cor 10,31).
Alguém propôs completar este lema especificando o seu significado com uma outra frase de um Padre da Igreja, que foi muitas vezes retomada e relançada nestes últimos anos. Trata-se de uma frase de Santo Ireneu de Lyon que condensa de forma bela todo o Evangelho: “A glória de Deus é o homem vivente”. Traduz bem a “definição” de Deus dada, no ponto mais alto da revelação, pela primeira carta de João: “Deus é amor” (1 Jo 4,8.16). Amor, segundo o termo original utilizado, de gratuidade e benevolência, que não se centra em si mesmo, mas na pessoa amada e no seu bem.
Se, portanto, o fim último da ação cristã é dar glória a Deus, e a glória de Deus-Amor é a plenitude de vida do ser humano, compreendemos que, em última análise, este fim último se traduz no esforço de fazer brilhar a luz da ressurreição no rosto de cada homem e de cada mulher. É fazer com que eles, em vez de terem um rosto ensombrado pela morte, tenham um rosto resplandecente de vida, como o de Jesus ressuscitado.
O bispo mártir de El Salvador, Óscar Romero, que tinha consagrado a sua vida ao serviço dos pobres da sua terra, gostava de fazer um acrescento à frase de Santo Ireneu: “A glória de Deus é o pobre vivente”. Porque ele sabia, por experiência, que era no rosto dos pobres e dos pequenos deste mundo que as sombras da morte se projetavam de mil maneiras diferentes. Eles são “os novos crucificados da história”. Era necessário “descê-los da cruz” e levá-los à glória.
Só assumindo ativamente tal compromisso é que se pode dar um sentido autêntico à contemplação do rosto d’Aquele que, na parábola de Mt 25,31-46, disse: “Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (v. 40).

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(NPG 2005-04-24)

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