Pedro e Afonso cresceram juntos na família, no ambiente da escola salesiana e na Igreja. Foram ambos ordenados sacerdotes a 3 de julho de 2022 pelo Cardeal Patriarca, D. Manuel Clemente, no Mosteiro dos Jerónimos. Párocos em Lisboa e em Loures, Padre Pedro Sousa e Padre Afonso Sousa viveram por dentro a Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023.
É emocionante entrevistar, em simultâneo, dois padres que são irmãos gémeos. Percebem esta trepidação interior?
Padre Pedro Sousa: É sem dúvida maravilhoso pensar como Deus quis chamar os dois à vocação ao sacerdócio. Entrevistar dois padres irmãos, é já algo extraordinário, mas torna-se ainda mais extraordinário quando são gémeos. O que fomos aprendendo ao longo destes quase dois anos de padre é que o facto de termos abraçado juntos o sacerdócio permite-nos compreender ainda mais e melhor, um ao outro. Por isso quando conversamos, vamo-nos completando, muitas vezes, um ao outro.
Quem é o mais velho?
Padre Afonso Sousa: Não é uma pergunta fácil, começa a entrevista com uma pergunta difícil. [Risos] Estou a brincar, está tudo resolvido entre nós, mas não temos uma resposta científica objetiva. Pois nascemos de duas bolsas, e sendo cesariana, o médico tirou primeiro um, mas não quer dizer que tenha sido o último a ser formado, e, por isso, o mais novo. Mas pode começar pelo meu irmão que foi o primeiro a ir para o Seminário.
Começo, então, por si, Pe. Pedro. Pode fazer uma breve apresentação?
PP: Sou o Padre Pedro, tenho 26 anos de idade, venho de uma família católica, que me educou na fé, tenho além do meu irmão gémeo, mais duas irmãs. Com o meu irmão gémeo sou o irmão do meio. Do 5.º ao 9.º estudei na Escola Salesiana de Manique. Com 14 anos, quando ia fazer o 10.º ano de escolaridade, fui para o Seminário Menor da Diocese. Fui ordenando padre em 2022 e atualmente sou pároco das Paróquias de Santo Antão do Tojal, São Julião do Tojal e Fanhões no concelho de Loures, em Lisboa.
E, agora, por favor, Pe. Afonso.
PA: Sou o Padre Afonso, tenho também 26 anos, o resto é semelhante a nível familiar. Mas ambos únicos aos olhos de Deus! Pratiquei vários desportos, gosto de acompanhar o futebol e ouvir boa música. Não me esqueço do que Dom Bosco dizia: «uma casa sem música é como um corpo sem alma». Sempre esteve muito presente na nossa vida a rádio e o mundo da música. Fui chamado pelo Senhor aos 15 anos e deixei muita coisa e fui para o seminário fazer o 11.º ano da escola. Hoje sou padre, somos padres! Sou vigário paroquial da Paróquia do Parque das Nações, no sítio onde aconteceram os principais eventos da Jornada Mundial da Juventude.
A última entrevista do BOLETIM SALESIANO foi à Matilde Trocado, antiga aluna salesiana. Os dois são, também, curiosamente, antigos alunos. O ambiente da Escola influiu na vossa vocação?
PA: Sem dúvida. Existe uma marca de Dom Bosco em nós. A forma de construir honestos cidadãos e bons cristãos ainda hoje está visível em nós. Ser aluno salesiano é para a vida. Recordo com muito carinho tantos momentos que passámos nos salesianos, festas da escola, «bons-dias», atividades, aulas, os Jogos Nacionais Salesianos que foram em Manique em 2012 e em que tivemos a graça de os dois estarmos na organização, andávamos nós no 9.º ano. Que memórias! Mas acima de tudo, conhecer a vida de Dom Bosco, o “Pai e Mestre dos Jovens”, de nós, jovens sacerdotes! Palavras que deixou àqueles miúdos de Turim e nos deixa hoje a nós. Tivemos ainda a graça de fazer alguma experiência vocacional com os Salesianos, os chamados “Encontros com D. Bosco”, ainda antes do pré-seminário de Lisboa. Para mim, ainda chegou a estar no meu pensamento a vocação salesiana: será que o Senhor me chama a ser Salesiano? Depois acabei por descobrir a vocação sacerdotal na proposta de ser padre diocesano.
A educação familiar, como referem acima, foi decisiva na vossa vocação?
PA: A nossa vocação, penso que posso falar pelos dois, tem a marca da família. A nossa família sempre foi um marco, como para Dom Bosco a Mãe Margarida. Assim, as decisões de irmos para o seminário foram confrontadas no seio da família. Ainda hoje temos um momento familiar semanal, onde cada filho (dos quatro) partilha. A família fez-nos crescer, ensinou-nos o essencial e, como partilhava o Papa São João XXIII ao ser questionado sobre a sua infância, o amor a Deus aprendemo-lo no seio da família.
O Pe. Pedro pode referir algum aspeto?
PP: Uma marca evidente da educação que recebemos é a oração. Aprendermos a rezar juntos à mesa antes das refeições, foi o primeiro passo para estar sempre presente nas nossas vidas a pessoa de Jesus. Não começámos a rezar quando fomos para o seminário, foi antes, em casa, que demos os primeiros passos.
E o Pe. Afonso, além da família, sentiu-se motivado pelo exemplo do seu irmão?
PA: Não fui para o seminário porque o meu irmão estava lá. Não se trata de uma imitação. Agora, como temos vindo a escutar nas leituras diárias pascais, o testemunho marca e, sem dúvida, que ver o meu irmão alegre e feliz me marcou, me influenciou. Mas foi uma resposta livre e pessoal. Não andamos atrás um do outro, cada um responde por si. Eu fui chamado pelo nome para o seminário. Ainda me lembro como se tivesse sido esta manhã – um padre vem ter comigo e diz-me: Afonso, a Igreja chama-te ao seminário! Foi a mim! Impressionante como Deus nos chama.
Num mundo em mudança que expetativas tem para o futuro do sacerdócio, Pe. Pedro?
PP: Olhando para este mundo, vejo como a nossa missão de sacerdotes é tão necessária e importante. Se há guerra, é porque há falta da presença de Jesus. Se há violência, é porque Jesus não tem espaço no coração do Homem. Se há instabilidade, é porque os dons de Jesus não alimentam a vida dos nossos contemporâneos. E nós padres somos chamados a trazer Jesus para vida dos Homens. As expetativas para o futuro do sacerdócio são promissoras, pois não há falta de emprego. [Risos] Tal como antes, o mundo precisa de Jesus, precisa de homens que deixem tudo para seguir o Mestre e que sejam testemunhas da alegria que é viver o Evangelho. O sacerdócio é, por isso, sinal do Amor de Deus a cada pessoa, é expressão do coração amoroso de Jesus. Os padres são assim, não só necessários, como queridos por Deus para continuarem no mundo a experiência do Bom Pastor: que não se perca nenhuma das ovelhas. Por tudo isto, só posso concluir: as expetativas são muito altas.
Estamos perante dois jovens sacerdotes. Na vossa opinião esta vocação, no meio juvenil, está “fora de moda”?
PP: Não diria “fora de moda”, mas está menos difundida. Por isso é que queremos muito anunciar com a nossa vida, que a vocação ao sacerdócio é hoje, como foi há dois mil anos, um dom de Cristo à Igreja e um sinal claro de que podemos entregar a vida como Jesus, como podemos ser à imagem de Jesus.
PA: Sim podemos ser de Jesus. Que eu aprenda a dizer yes ao plano de Deus. E isto foi ontem, é hoje e será amanhã… em todos os anos devemos aprender a dizer sim. Sim a Deus! E responder não é de modas, mas de boas maneiras… [Risos] Claro que ser Padre hoje, num contexto em que infelizmente alguns irmãos padres cometeram alguns despropósitos graves, em que o sacerdócio já não é o caminho necessário para se ir estudar e ser literato, é seguramente resposta a um chamamento. Também isso faz purificar o sentido que leva um rapaz a ir para o seminário.
O Pe. Afonso é coadjutor na paróquia de Nossa Senhora dos Navegantes, Parque das Nações. Como é pastorear uma paróquia urbana de alto padrão social?
PA: A paróquia de cidade e a paróquia de campo são comumente apontadas como opostas. Penso que erradamente. Sim, há diferenças, mas a essência é a mesma, anunciar o Mistério Pascal de Jesus, evidentemente com concretudes um pouco distintas. Na paróquia da cidade nota-se a mobilidade, facilmente se vai hoje a esta paróquia e amanhã a outra. Um grande desafio que noto, e que é decisivo para o futuro, é criar um espírito comunitário, quase militante – penso que se compreende o correto sentido da expressão – no meio da mobilidade. É preciso continuar a propor a todos, mesmo aos que possuem mais bens, o desprendimento, como os seguidores de Jesus bem demonstram nas primeiras comunidades cristãs. Por mais que acumule bens, estes não irão comigo para o céu. O lugar do céu não se compra, são graças de uma vida vivida diariamente com Jesus.
O Pe. Pedro é pároco no Concelho de Loures, com três comunidades a seu cargo. Como é gerir sozinho esse território espiritual?
PP: Ser pároco de três paróquias é um desafio e uma missão que Deus me dá. Em primeiro lugar, porque sou muito novo e estou a aprender a ser padre e a ser pároco especificamente. Em segundo lugar, porque sinto nas minhas paróquias a experiência de ser terra de missão. Sinto que Jesus ainda não é conhecido por todos, que muitos que vêm ter comigo nunca se encontraram com Jesus. No fim de contas, sinto a missão de mostrar que a sede e a fome que as pessoas têm só será saciada em Jesus.
Pergunto a cada um, o que podem dois sacerdotes de 26 anos trazer de novo e de diferente à missão do sacerdote, à Igreja e à própria sociedade?
PA: Novo e diferente? Provavelmente, humanamente falando, não tenho nada a dizer… apenas fazer eco do Evangelho, que sim, foi escrito há muito tempo… mas se olharmos com sentido sobrenatural, Cristo é sempre novo! E o que tenho a oferecer a cada um que se cruza comigo é, como a raiz da palavra sugere, que a Cruz de Cristo é salvadora, e a alegria de querer ser Santo! Sim, eu, tu, podemos ser Santos!
PP: Podemos trazer à Igreja o sonho de construir hoje o Evangelho, sem medos e sem nos sentirmos derrotados ou sem forças. Uma das coisas que vemos é que o Evangelho é sempre novo e desperta em nós a novidade renovada de seguir a Cristo.
Já tinham participado em alguma Jornada Mundial da Juventude?
PA: Sim, já tínhamos participado juntos na Jornada Mundial da Juventude de Cracóvia em 2016. Eramos seminaristas, e acompanhámos o grupo de jovens da Paróquia da Merceana, em Alenquer. Como chegámos a este grupo? Depois de termos ido numa peregrinação a pé a Fátima com esta paróquia, onde esteve um número significativo de elementos do grupo de jovens, estes vieram convidar-nos a acompanhá-los. E assim, embarcámos com eles nesta aventura de ir a Cracóvia, à nossa primeira Jornada Mundial da Juventude. Não conseguimos estar nas angariações de fundos e reuniões de preparação, por coincidirem com a vida de seminário. Mas depois foi uma aventura, cantámos, dançámos, rezámos, falámos, vimos o Papa! Que bom que foi!
Nas imediações da sua paróquia, Pe. Afonso, onde aconteceu a JMJ, os jovens deixaram-se galvanizar pelo que viram? Sente que perdura o entusiasmo?
PA: A Jornada Mundial da Juventude marcou-me, marcou este e aquele, marcou-nos. Ainda hoje, fazendo direção espiritual a alguns jovens, que acompanho espiritualmente, muitas vezes a pé pelo Parque Tejo, volta sempre a alegria, a memória, como foi espetacular o que ali aconteceu. O fervor ainda se sente, mesmo há uns dias no meeting vicarial da catequese se cantou o hino da JMJ e todos cantaram e dançaram. Em todos ainda perdura o entusiasmo? Não. Mas ainda se sente, ainda se vive, ainda há cartazes,… De tantos kits, que ajudei com jovens paroquianos a montar, ainda se veem mochilas, cantis… ainda há marcas muito visíveis..
E também na sua, Pe. Pedro, a JMJ invadiu parte do Concelho de Loures. Os ecos são ainda audíveis?
PP: No concelho de Loures ainda há ecos da JMJ. A relação que hoje tenho com as instâncias de poder local devo-as muito à JMJ, criou-se uma rede de proximidade com a Câmara Municipal e os seus serviços, bem como com as Juntas de Freguesia e Associações, uma interação que se deve inteiramente à JMJ. Além disso, é giro andar por Loures e ver pessoas a vestir ainda a T-shirt da JMJ ou até a recordar episódios e momentos deste grande encontro.
Acham que este é o tempo decisivo para não deixar morrer a semente lançada pela JMJ?
PA: A semente é lançada, mas como Jesus nos ensina no Evangelho, tantas vezes não recolhemos nem vemos o fruto. A influência da geração JMJ Lisboa 2023 ainda está a começar. Acredito que ainda não são visíveis os seus frutos, ainda há muito por crescer… por responder… as palavras do Papa têm vindo a ser saboreadas em diversas atividades pastorais, vários casais das Equipas de Nossa Senhora estão a reler os textos, o Papa ainda faz continuamente referências nos seus discursos e mensagens à JMJ… foi sem dúvida um marco! Mas a semente da jornada começa em cada um de nós, na busca por voltar ao que escutámos, nos propósitos que fizemos e ainda não cumprimos.
Querem dar algum exemplo do que se tem feito nas vossas paróquias para manter a chama juvenil?
PP: Nós, para mantermos viva a chama juvenil que brotou da JMJ, lançámos este ano uma reorganização dos anos de catequese a partir do 7.º ano e relançámos o grupo de jovens. Ao contrário do que antes se fazia, em que os encontros eram dispersos por pequenos grupos, cada um na sua terra, concentrámos tudo num Centro Pastoral numa sala dedicada aos jovens que tem montado um confessionário da JMJ.
Se tivessem que resumir, numa palavra, o fruto espiritual que a JMJ trouxe ao vosso sacerdócio, um ano após a vossa Ordenação, qual seria?
PA: Serviço.
PP: Confirmação.
Publicado no Boletim Salesiano n.º 603 de maio/junho de 2024
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