Sofia Corrêa d’Oliveira, casada, mãe de três filhos, grande parte da sua vida foi dedicada ao voluntariado. A experiência do voluntariado na Jornada Mundial da Juventude fê-la “sentir-se parte da Família Salesiana”. A sua vida, “fantástica e abençoada”, testemunha a fé e o poder da oração.
Comecemos pela história fantástica e abençoada da sua vida, como mãe. É casada e tem três filhos. Como se chamam e que idade têm?
O Francisco de Assis tem dez anos, o João da Cruz tem nove e a Maria do Rosário tem seis.
Esperou dez anos para engravidar. A medicina, sentenciou: não poderia ser mãe. Como foram esses anos?
Começando pelo início, o Pedro e eu casámos em setembro de 2004 e ambos queríamos muito ter logo filhos. Muitos filhos! Na verdade, acho que andava até um pouco “obcecada” por esse assunto. Via-me já com um bebé nos braços, já tinha nome definido (António Maria ou Teresa Benedita da Cruz, como a Edith Stein), e só pensava nisso! Como a gravidez não acontecia, o meu médico aconselhou-nos a fazer exames de rotina, mas sempre numa perspetiva de “Vai ver que está tudo bem, e que rapidamente a gravidez acontecerá!”. No dia 31 de janeiro de 2006, dia de S. João Bosco, veio o diagnóstico e ouvi da boca do meu médico a sentença: “Assim é impossível, assim nunca será mãe!”. O choque foi tão grande que nem sequer me recordo do trajeto que fiz de carro até ao escritório do Pedro, para o ir buscar. Quando chegámos a casa tive que dar à pessoa que mais amo a notícia de que o nosso projeto de pais não se iria concretizar. Desolados e desorientados não sabíamos o que pensar, como ia ser o futuro… tudo era uma incógnita. Nesse dia, 31 de janeiro de 2006, revi na minha cabeça toda a minha vida, o meu casamento, os meus sonhos… e o desafio de aceitar um casamento e uma vida sem filhos.
Recorreu à oração… e, numa derradeira tentativa, encontrou-se com a Superiora das Clarissas, suplicando orações.
Sim, nessa altura a minha vida alternava entre força e alegria, e derrota e tristeza: uns dias dizia a Nosso Senhor: “Se me pedes isto, é porque eu consigo aguentar!”, outros dias dizia-Lhe: “Já chega! Não quero sofrer mais!”. Por isso, num dia em que me sentia mais triste e sozinha, passei à frente do Mosteiro e resolvi entrar para rezar! Voltei no dia seguinte. E todos os dias passei a ir rezar à capela das Irmãs.
Mas não bastava… precisava de mais! Na altura, ainda não tinha contado aos meus pais o que se passava connosco, quis protegê-los desta notícia, achei que ficariam arrasados. Mas faltava-me o conforto de um abraço de Mãe, e resolvi, então, falar com a Madre Maria José, que até então era uma desconhecida para mim. Contei-lhe o que se passava e esta, como mãe, reconfortou-me: “Descanse! Nós vamos rezar por si! E lembre-se: a Deus nada é impossível!” Comecei a falar semanalmente com a Madre, e todos os dias rezava com as Irmãs, e as nossas vidas acabaram por se aproximar: e tive a Graça de ter sempre a Madre Maria José a embalar-me nos seus braços! (Ainda hoje é assim!)
Não vou dizer que foi sempre fácil porque não foi… Eu, como mulher, sentia esta dor de forma muito física. E, por feitio, achava que tínhamos que fazer tudo: consultar médicos, procurar, investigar; rezar tudo, fazer sacrifícios, rezar todas as novenas, rezar o terço, confessar-me semanalmente, ter orientação espiritual, ir à missa todos os dias, etc. O Pedro, como homem, e por feitio, sentia as coisas de forma diferente: mais pragmático, mais calmo e mais sereno do que eu, achava que devíamos aceitar o que Nosso Senhor nos estava a pedir. E, no meio do silêncio, encontrava a força que nos faz encontrar Deus no dia a dia. Apesar de sentirmos as coisas de forma diferente, sabíamos que nos amávamos e que queríamos ser felizes um com o outro, e por isso nunca questionámos Nosso Senhor sobre o porquê desta tribulação.
Mas também não vou dizer que foi sempre difícil, porque também não foi… aproveitámos este tempo para crescermos os dois (principalmente eu!), para viajar muito, fazer voluntariado, ajudar a Igreja, … E, de facto, durante este nosso calvário percebi realmente o que prometemos no dia do casamento: “Eu, Sofia, recebo-te a ti, Pedro, como meu esposo, e prometo amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida”. “Eu, Pedro, recebo-te a ti, Sofia, como minha esposa, e prometo amar-te e respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, todos os dias da nossa vida”.
Um dia, anos passados, a Madre disse-me: “A Sofia descanse que ainda vai ser mãe!” Respondi imediatamente: “Madre, não me diga isso, porque eu acredito, e se realmente não acontecer vou ficar triste”. “Sofia, acredite! E vou fazer-lhe um pedido: que dê o nome Francisco ou Clara de Assis quando tiver o seu bebé!” Sem verdadeira consciência do que dizia, assim prometi!
… e quem anunciou que estava grávida, foi a Madre Superiora. Quer contar-nos?
13 de março de 2014. Evangelho do Dia: “Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Pedi, e ser-vos-á dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão-de abrir-vos. Pois, quem pede, recebe; e quem procura, encontra; e ao que bate, hão-de abrir. Qual de vós, se o seu filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, se lhe pedir peixe, lhe dará uma serpente? Ora bem, se vós, sendo maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está no Céu dará coisas boas àqueles que lhas pedirem.»
Acordei, li o Evangelho do Dia, como costumo fazer, e apercebi-me que alguma coisa estava diferente. Fiz um primeiro teste de gravidez, um segundo e um terceiro, e veio a confirmação: estava à espera de bebé! Telefonei imediatamente à Madre Maria José e contei-lhe que o milagre tinha acontecido! E esta, na sua simplicidade, revelou-me: “Ontem à noite, no refeitório, anunciei às Irmãs que a Sofia já era mãe!”
Que tempo mediou entre a primeira conversa e o anúncio?
A Madre Maria José é uma pessoa muito consciente e verdadeira. Não nos diz as coisas só para nos agradar, ou para ficarmos felizes. Diz-nos o que é verdadeiro, e aquilo que ao longo da sua oração íntima com Deus vai escutando da Sua parte. Ao início dizia-me só: “Vamos rezar por si e pelo Pedro”; depois acrescentava: “Lembre-se que a Deus nada é impossível”. Mais tarde, “A Sofia acredite que ainda vai ser mãe!”, e, na noite antes do milagre ser conhecido por mim, anunciou às Irmãs que eu já era mãe! A primeira vez que fui ao Mosteiro foi em maio de 2007 e o anúncio foi feito pela Madre Maria José no dia 12 de março de 2014.
Depois… fez testes…
Fiz os testes de gravidez a 13 de março de 2014. Enviei um mail ao Pedro com o Evangelho do Dia e uma fotografia dos três testes! Não havia WhatsApp nessa altura!
O bebé foi batizado na Basílica da Estrela. Quer contar-nos o que se passou, imediatamente, a seguir?
O Francisco de Assis foi batizado no dia 8 de dezembro de 2014. Quisemos batizá-lo na Basílica da Estrela para estarmos próximos do Mosteiro das Irmãs Clarissas; quando a missa terminou, o Pedro e eu, juntamente com os padrinhos do Francisco, levámo-lo ao Mosteiro, onde o entregámos nos braços da Madre Maria José, sua madrinha espiritual. As Irmãs, em procissão, levaram-no para a clausura, onde agradeceram o dom da sua vida!
Gostava de ouvir o pai do Francisco de Assis de como foi viver esta situação familiar tão delicada?
Pedro Corrêa d’Oliveira: A Sofia já disse quase tudo. Foi um percurso de 10 anos, com altos e baixos, vivido em casal, mas também por cada um de nós à sua maneira… No entanto, olhando para trás, temos que reconhecer que foi um período de enorme Graça, em que pudemos crescer individualmente e como casal e em que tivemos à prova o nosso amor e a nossa fé. Fomos ajudados por muitos e pudemos ver, com os nossos olhos, verdadeiros milagres a acontecer. Imagino que passar por uma situação destas sem a certeza e o consolo que nos dá a fé em Nosso Senhor teria sido muito mais difícil.
Ser antigo aluno salesiano, com formação cristã, deu-lhe algum suporte emocional e de fé?
PO: Sem dúvida. Eu nasci numa família e tive uma educação cristã, para a qual contribuíram, entre outros, a família, as paróquias e os movimentos por onde passei e, naturalmente, os Salesianos, onde estive 10 anos. Para além disso, tive também a graça de não ter tido grandes crises de fé e de ter mantido sempre uma vida cristã ativa. Por isso, a certeza de que Deus tem sobre nós um desígnio de felicidade e a confiança de que Ele vê e sabe o que nós não vemos ou sabemos, foi sempre uma consolação durante todo este caminho e ajudou-me a ultrapassar os momentos mais difíceis.
O “milagre” de ser mãe de três filhos levou-a a dedicar-se ao voluntariado. Sentiu necessidade de ajudar o próximo?
Sempre acreditei no voluntariado e na sua importância na sociedade, e fui educada numa família em que esta é uma realidade, seja sob a forma de voluntariado institucional ou uma mera ajuda ao outro. A minha avó paterna fazia parte das Conferências de S. Vicente de Paulo, e recordo-me de ir com ela aos lares fazer companhia aos mais idosos, enquanto que o meu avô fazia parte das Obras Missionárias Pontifícias, com o Cónego Monsenhor Joaquim Cupertino. Foram grandes exemplos para mim! Recordo-me, também, de uns Exercícios Espirituais que fiz com o Pe. Dário Pedroso, em que este me disse uma frase que me marcou muito: “Não esperes um obrigado! Faz o que tens a fazer e o que deves, na tua consciência, fazer, sem esperar que te agradeçam!”.
Foi voluntária na organização da JMJ Lisboa 2023. Quer contar-nos como aconteceu? Que área lhe foi atribuída?
Eu já era catequista nos Salesianos e ia muitas vezes à sala da Pastoral. Andava toda a gente já numa grande azáfama com a preparação da JMJ, e eu ia oferecendo a minha ajuda aos que conhecia melhor: a Marta Figueira, o João Tovar, … um dia, o João Fialho telefona-me e diz-me (foram estas as suas palavras): “Sofia, quero fazer-lhe um convite, assim à cara podre! Quer ficar com a área da angariação de patrocínios para a JMJ?” Respondi logo que sim!
De certo modo os três filhos também foram “voluntários”?
Sim, sempre fiz questão de integrar os meus filhos nos vários projetos de voluntariado em que participámos! As crianças seguem muito os exemplos dos pais, e, se o Pedro e eu dermos o exemplo, eles seguirão! Assim, e falando em concreto da JMJ, começámos por ir todos, em família, preparar os kits para as mochilas dos participantes da JMJ… A minha filha Rosarinho quase nem chegava à altura das mesas, tinha quatro anos, mas participou à sua maneira! Também fomos, em família, voluntários no acolhimento na Igreja de S. Nicolau, e aqui nas Oficinas de S. José, nos Salesianos de Lisboa! Quando começaram a chegar os participantes da JMJ eu disse aos meus filhos para aproveitarem e conversarem com eles, que vinham de muitos países e com certeza teriam muita coisa a partilhar! Recordo-me um dia que nos encontrávamos todos na Biblioteca a trabalhar e alguém recebeu um telefonema e disse em voz alta “Está aí a Sofia? É que o filho João está na Escola Manuel da Maia, foi levar um grupo que veio da Índia!”. Gelei! O meu filho tinha sete anos! E tinha saído do colégio para levar um grupo a uma escola! A verdade é que Nosso Senhor faz maravilhas, e nessa ida o João conheceu a Sister Caroline, da Índia, de quem ficou amigo e ainda hoje trocam mensagens por WhatsApp!
O encontro de 8 mil jovens do MJS nos Salesianos do Estoril, foi um acontecimento inédito. O que sentiu nesse dia?
A fé. Quando penso nesse dia, e em todos os dias da JMJ, fico emocionada com a fé dos jovens! Foi, também, por essa razão que quis que os meus filhos participassem em tudo na JMJ; eles são os próximos jovens! São eles que no futuro dirão, numa outra JMJ, num outro país “Eu vivi isto com os meus pais, no meu país, com o meu colégio!”. É algo que não se esquece!
Trabalha em paróquias e movimentos, com gente pequena e grande. Acha que o “fogo” da JMJ continua com a mesma chama?
Quero acreditar que sim! E essa chama está a dar frutos aqui mesmo no colégio! Todos fomos testemunhas de Cristo Vivo!
Foi uma ativa Voluntária do IX Congresso Mundial de Nossa Senhora Auxiliadora. Tudo está alinhado no seu projeto?
Quando aceitei o convite, não sabia concretamente o que precisavam. Mas simplesmente aceitei. No fim da JMJ sentia-me parte desta Família Salesiana. Cheguei ao último dia, depois do encontro do Papa com os voluntários, com vontade de mais! E confiei-me a Nosso Senhor… E o convite surgiu!
Há um facto muito pitoresco relativo a um participante. Quer contar-nos?
Como secretária estava encarregue de toda a gestão de inscrições, pagamentos e prestação de informações. Tinha sido definido que a data limite de inscrição era o dia de S. João Baptista, 24 de junho, e eu tinha instruções para não receber inscrições depois da data. No dia 26 de junho recebi um mail de um Padre venezuelano a perguntar se ainda se poderia inscrever; explicou que achava que não poderia vir porque não tinha recursos económicos suficientes, mas que, entretanto, e devido à generosidade de várias pessoas, já tinha disponibilidade económica para fazer a viagem e pagar a inscrição. Li e reli, um relato muito autêntico de quem vive na Venezuela, nas condições que todos conhecemos. Não fui capaz de responder imediatamente. Reencaminhei o mail para o Pe. Marcelino com a indicação “Não tenho estomâgo para isto!”, numa esperança de que pudéssemos abrir uma excepção, ou que a resposta fosse “Eu trato do assunto!”. Estava a custar-me muito dizer que não! Entreguei esta preocupação a Nosso Senhor, rezei muito, e a resposta não tardou: vários participantes e grupos fizeram o mesmo pedido e o Pe. Marcelino disse-me que iríamos aceitar mais inscrições. Disse-lhe que, por uma questão de justiça, teríamos que aceitar a inscrição da Venezuela. Com a resposta positiva escrevi um mail a informar o Pe. Orlando que afinal poderia vir! No primeiro dia do Congresso, quando me encontrava no balcão de check-in, lembrei-me várias vezes do Pe. Orlando… sempre teria conseguido vir? Como seria ele? E de repente, uma figura alta e magra aproximou-se e perguntou: “Sofia?” Não tive dúvidas! “Pe. Orlando!” Tinha conseguido vir! Nos dias seguintes, todos os dias, o Pe. Orlando passava no check-in e perguntava: “Já comeste, Sofia? Toma, trouxe-te uma salada de frutas!” No último dia despedimo-nos e trocámos contactos. Hoje falamos por WhatsApp, e todos os dias ouço o seu podcast “Palabritas al oído”. É uma forma de estarmos próximos! É impressionante como Deus cruza as nossas vidas!
Se tivesse que definir a sua vida em três palavras quais escolheria?
Vocação, Maternidade, Amor.
Sofia Maréchal Bensabat da Silva Corrêa d’Oliveira
É natural de Lisboa, licenciada em Direito, casada, mãe de três filhos. Grande parte da sua vida foi dedicada ao voluntariado em instituições como a Congregação das Irmãs da Misericórdia de Verona no Bairro do Fim do Mundo; no Banco Alimentar contra a Fome; catequista na Paróquia de S. João do Estoril; na Casa de Santa Isabel; catequista na Basílica da Estrela; na Ajuda de Berço; no Conselho Pastoral da Igreja de S. Nicolau e na Loja da Igreja; catequista nos Salesianos de Lisboa; na JMJ; e no IX Congresso Maria Auxiliadora.
Fotografia: João Ramalho
Publicado no Boletim Salesiano n.º 606 de novembro/dezembro de 2024
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