No quadro global da observação que as “Missioni Don Bosco” fazem da realidade da atividade educativa e social desenvolvida pelos Salesianos em 136 países, constatam uma estreita relação entre desenvolvimento falhado de muitas realidades do sul do mundo e a liberdade desenfreada dos criminosos da droga.
A dimensão internacional do consumo de drogas escapa à mera observação do impacto que dela temos no nosso dia a dia. Temos a perceção da existência de uma rede global de produção e distribuição, mas somos mais afetados pela visão perturbadora dos traficantes de droga no nosso bairro ou pelas notícias locais. Parece menos interessante para a opinião pública considerar os efeitos que semeiam ao longo do seu caminho, nas pessoas implicadas ou involuntariamente envolvidas nos países de origem e de trânsito.
A Organização das Nações Unidas, através do seu Departamento Contra a Droga e o Crime, evidencia que “sobretudo nos países com rendimentos baixos e médios, onde vive cerca de 80% da população mundial, os desafios ligados à droga colocam difíceis dilemas políticos. A questão não pode ser enfrentada só por um país ou região”.
Quando se fala de “economias da droga” entende-se vastas regiões ou nações inteiras invadidas pelo fenómeno: causam preocupação os governos que não só toleram, mas confiam a esta especial exportação o equilíbrio dos bancos estatais. Assusta-nos o cálculo que algumas potências estrangeiras podem fazer para destruir por dentro a força física e moral de um “inimigo” mediante a constante infiltração no seu território de substâncias alucinogénias e destrutivas do organismo. Como não pensar que a guerra financeira e comercial se possa combater também debilitando a população do competidor?
É a interrogação que pode nascer por exemplo do alarme pelo fentanyl que foi lançado na Itália recentemente pelo Ministério da Saúde, já exposto pela revista Vita num artigo de Paolo Manzo em junho do ano passado como “droga de supermercado”. A circulação deste opiáceo de custo “concorrencial” aproxima muito o narcotráfico da guerra biológica que nos preocupa pelo menos tanto quanto a dos mísseis.
O caso do Haiti
O caso mais clamoroso é o do Haiti: um “centro logístico” da carga entre a América do Sul e a América do Norte que requer a ausência de um poder democrático que tente travá-lo. Nestas semanas demo-nos conta disso devido ao impossível equilíbrio institucional na ilha, onde um Presidente “provisório”, após o assassínio do seu predecessor, não pode ou não quer convocar as eleições; mas a população e o sistema administrativo estão à mercê da delinquência, organizada e armada até aos dentes, sendo difícil pensar em eleições regulares. O consumo de drogas é o óleo que faz funcionar esta máquina do absurdo, desde o momento em que os passadores são aliciados pela oferta de algumas doses como remuneração pelo “trabalho” que realizam, e os mais violentos fazem carreira protegendo a carga e descarga do porto ou do aeroporto da capital.
O heroísmo dos missionários e de numerosos operadores sociais que resistem no Haiti está em conseguir uma normalidade que permita às crianças e aos jovens frequentar uma escola, ser protegidos ao ir para a escola e ao regressar a casa. Que possam construir-se um futuro com as mãos e a inteligência de um trabalho honesto. Um salesiano, padre Atilio Stra, com mais de 80 anos, está entre aqueles que resistem, mas partilha um desabafo pessoal: “Estamos ‘entre aqueles que estão suspensos’: um terrível Purgatório, mas para purgar o quê? A nossa grande escola profissional Enam (a primeira obra salesiana no Haiti criada no longínquo 1936) está ocupada pelos bandidos, e o seu diretor, padre Lex Florival, foi espancado e ficou refém durante 3 semanas, libertado depois de haver pago uma avultada soma. Também o centro Lakay Don Bosco para garotos da rua está ocupado por grupos armados. Em Port-au-Prince é um inferno”.
Como pensar em contrariar comércio e consumo de drogas em semelhante contexto? Mais do que um exemplo de intervenção preventiva e de recuperação, o olhar Internacional hoje assinala o extremo limite ao qual pode chegar a difusão do fenómeno da toxicodependência.
As desesperadas drogas dos pobres e outros exemplos
Outros exemplos: a Venezuela tem no interior do governo consumidores assíduos de substâncias; o Equador é a nova praça do narcotráfico. Em África, a droga serve para incitar tropas irregulares ao serviço de algum interesse neocolonialista, fomentar ódios raciais, impedir o acesso de civis a zonas reservadas à exploração económica. Ou então é entregue para obrigar raparigas e rapazes à prostituição, como acontece em muitos países asiáticos, e, não esqueçamos, em muitos lugares da Europa. Nigéria, Gabão, Senegal, Costa do Marfim, República Democrática do Congo estão bloqueados no seu desenvolvimento também pelo crescente número de jovens toxicodependentes.
Outros países caminham a passos largos para este ladeira: a Venezuela tem no interior do governo consumidores assíduos de substâncias, e as políticas que daí se seguem têm o “perfume” destas; o Equador é a nova praça de partida do narcotráfico, mais acessível porque o país não está familiarizado com a oposição a este: aqui há uma margem de defesa, se a situação não se agravar.
Na África a droga serve para incitar as tropas irregulares ao serviço de algum interesse neocolonialista, para quebrar linhas de demarcação e para fomentar ódios raciais, para impedir o acesso dos civis a zonas reservadas à exploração económica. Ou então é entregue para obrigar raparigas e rapazes à prostituição, como acontece em muitos países asiáticos (e, não esqueçamos, em muitos lugares da Europa). Há projetos (por exemplo na Serra Leoa) dedicados expressamente às meninas exploradas, para as subtrair ao tráfico, e às jovens, que podem adquirir competências para um trabalho digno através de cursos de formação. Nigéria, Gabão, Senegal, Costa do Marfim, República Democrática do Congo estão bloqueados no seu desenvolvimento também pelo crescente número de jovens toxicodependentes.
Mas falar de drogas é um “luxo” em certas situações. No Peru os jovens inalam colas industriais e outros produtos químicos voláteis para se atordoar, para enfrentar assim o vazio de longos dias; em Angola raspam as paredes e queimam a poeira que tiram delas só com o fim de interferir com aparelho respiratório e, na sequência disso, com os circulatórios e cerebrais. O “desenrascanço” está garantido.
Salesianos na primeira linha
Há uma intervenção exemplar dos salesianos na Colômbia. Em Medellin, a cidade que alberga os mais poderosos carteis do narcotráfico, funciona na encosta desde 2001 um centro “Don Bosco” que tem diversos objetivos, todos referentes à condição de vida das crianças e dos adolescentes, de quem não tem família ou vive em situação de miséria. Oferece apoio material e psicológico, com percursos mesmo longos e por isso vividos em modalidade residencial; aprendem uma profissão para construir um futuro sustentável. Entre estes muito jovens foram acolhidos, de acordo com o governo, também os antigos soldados recrutados em idade escolar pela guerrilha, disfarçada ao princípio sob o título de “revolucionária” e constituída na altura a força armada da “república” da coca. O projeto teve sucesso para dezenas e dezenas de rapazes e raparigas que se haviam esvaziado da sua personalidade, forçados a não se defender da violência sofrida, a mesma que depois deviam exercer em relação aos inimigos e à população desarmada encurralada nas zonas dos combates. No estado anterior, a sua consciência era condicionada por um subproduto da preparação da coca para a exportação: o basuco, conhecido popularmente como “ladrão de cérebros”.
Acolhimento, oferta de alternativas à rua, oratórios abertos dia e noite, instrução de base, formação profissional. É a “fórmula” simples, mas a única a usar por parte dos missionários, se se quiser tirar à difusão da droga a “razão” de existir. E depois – ao mesmo tempo – estão ativas as intervenções de recuperação psicológica e relacional: os salesianos plasmam a sua intervenção também neste aspeto, enquanto o braço de ferro com a criminalidade exige às instituições intervenções radicais, desejando que estas sejam menos corruptas ou corruptíveis.
Fotografias: Ester Negro/Missioni Don Bosco
Publicado no Boletim Salesiano n.º 606 de novembro/dezembro de 2024
Torne-se assinante do Boletim Salesiano. Preencha o formulário neste site e receba gratuitamente o Boletim Salesiano em sua casa.
Faça o seu donativo. Siga as instruções disponíveis aqui.