Porquê pedir: “Seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu”?

Comentário ao Compêndio do Catecismo /48
Enzo Bianchi

A vontade do Pai é que «todos os homens sejam salvos» (1 Tim 2,3). Para isso é que Jesus veio: para realizar perfeitamente a Vontade salvífica do Pai. Nós pedimos a Deus Pai que una a nossa vontade à do seu Filho, a exemplo de Maria Santíssima e dos Santos. Pedimos que o seu desígnio de benevolência se realize plenamente na terra como no céu. É mediante a oração que podemos «discernir a vontade de Deus» (Rm 12,2) e obter a «perseverança para a cumprir» (Heb 10, 36).
(Compêndio do Catecismo nº 591)

A última das petições a Deus é: “Seja feita a vossa vontade” (Mt 6,10). Trata-se, antes de mais, de uma invocação do próprio Jesus, na hora da sua agonia no Getsémani: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice! Não seja feita a minha vontade, mas a Tua” (Lc 22,42). Jesus teria querido continuar o seu serviço aos homens e ser fiel à vontade do Pai sem passar pela paixão. Mas o Pai não lho podia conceder, porque esse fim violento e injusto provinha dos homens: ou Jesus aceitava ser uma vítima entre as vítimas da história, ou colocar-se-ia no lugar dos ímpios. Mas se a morte de Jesus foi uma necessidade desejada pelos homens maus e inevitável para permanecer fiel a Deus, é aqui que se compreende a oração “Seja feita a vossa vontade”: Jesus pediu a força para cumprir até ao fim a vontade de amor do Pai, para lhe ser obediente mesmo à custa da morte de cruz (cf. Fil 2,8).
Jesus volta várias vezes ao tema da vontade do Pai, demonstrando o quanto lhe importava que essa vontade fosse não só conhecida pelos discípulos, mas realizada por eles. Basta recordar uma das suas advertências: “Nem todo aquele que me diz: “Senhor, Senhor”, entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus” (Mt 7,21). O Reino de Deus chega e estabelece-se quando a vontade de Deus se torna história, vida dos crentes.
Não bastam as boas intenções e a obediência formal para realizar a vontade de Deus: no dia do juízo, ver-se-á quem realizou a vontade de Deus e quem, fingindo fazê-la, viveu com “coração duplo” (Sl 12,3), na hipocrisia de quem ostenta e não faz, de quem troca atitudes religiosas não essenciais pelas necessárias…
Para nós, cristãos, é necessário rezar esta petição sobretudo como forma de lutar contra as resistências que temos em cumprir a vontade de Deus, a vontade de salvação para todos os homens (cf. 1Tm 2,4). E é preciso dizer que só podemos retomar em profundidade esta invocação depois de uma longa batalha: que confronto árduo entre os nossos pensamentos e os de Deus, tão diferentes dos nossos (cf. Is 55,8-9)! É uma verdadeira agonia (Lc 22,44), ou seja, uma luta, na qual, no entanto, Deus nos envia também um anjo, um Consolador, o Espírito Santo, que nos dá a faculdade de ler com os seus olhos o sentido dos acontecimentos que seríamos tentados a rejeitar. Então o enigma torna-se mistério, o mal recebe o nome da cruz, o sacrifício aparece como necessário para o verdadeiro amor; então podemos rezar em verdade: “Seja feita a vossa vontade na terra, como no céu é feita pelas criaturas invisíveis; seja feita a tua vontade no alto e no baixo, no presente e no futuro, e tu, ó Deus, sejas tudo em todos (cf. 1 Cor 15, 28)!”
(Família Cristã, 21 de julho de 2013)

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