15 a 18 de fevereiro
Abro a janela da sala de aula para espreitar o rio acrescentar mundo aos pés da ponte que se inclina para o beber, como um pássaro sedento de novas cores. Daqui tudo é fulgente. A corrente, o dia, a descoberta do olhar que, sendo o mesmo, se torna outro. Chamo os alunos a perceber este pulsar lá fora, porque não há fronteiras nas paredes, quando há espaço para os sentidos. Não se separa a escola da vida, como não se separa a escola do voo, da curiosidade, da esperança. E do olhar. De janela aberta. Desse encontro entre o que vemos e o que vemos de nós no que vemos, surgem inúmeras questões. Na verdade, “só vemos aquilo para que olhamos. Olhar é um ato de escolha”, segundo John Berger. E por escolhermos, as cadeiras desalinham-se, as vozes levantam-se: é a inquietação.
Vamos “sonhar novas versões do mundo, introduzindo algo novo na história e trazendo ao mundo algo que nunca foi visto antes”? Atrevo-me a colocar nestas palavras do Papa Francisco, o desafio da pergunta. Posso começar por sentar-me num café com E. Hopper, recolher-me no colo da Mãe Migrante de Dorothea Lange, ou acordar com Lopes-Graça, para encontrar diálogo, através da arte, e redescobrir o fermento da transformação e profunda humanidade? O beija-flor consegue ver cores que os humanos não detetam. São tetracromáticos, o que significa que vivem num mundo visualmente mais rico, onde as cores ultrapassam o espetro do arco-íris. Acredito que há, como para as aves, outra paleta possível, mais sensível, que nos permite ir além.
“Deus é no dia uma palavra calma/ um sopro de amplidão e de lisura.”, escreveu Sophia de Mello Breyner Andresen. Que possa ser a arte um pequeno sopro dessa vastidão – a transcendência do imediato e do visível, alcançando novos espaços de contemplação e criação, capaz de nos reconciliar com o mundo.
Liliana Moreira
Professora do Projeto de Performance dos Salesianos do Porto