Na travessia intensa da adolescência, os jovens procuram faróis – presenças que permaneçam acesas quando tudo à volta parece em mudança. A escola pode e deve ser uma dessas luzes: constante na presença, próxima no sentir e orientadora no caminho. Uma luz que não se apaga pelas turbulências que marcam este tempo de crescimento.
A série Adolescência, da Netflix, trouxe para o ecrã um retrato comovente das dúvidas, dos conflitos e dos silêncios que atravessam esta jornada. Em muitos de nós despertou reflexões profundas – não só sobre o que é ser adolescente nos dias de hoje, mas também sobre o lugar que a escola ocupa nesta construção. Ali, entre salas de aula, corredores e pátios, vivem-se histórias que vão muito além dos livros – histórias que fazem da escola um espaço de vida.
Refletir sobre o papel da escola conduz-me inevitavelmente às minhas próprias memórias. Lembro-me do professor de História, grande e exigente, que me abraçou num momento difícil. Da professora de Português, pequenina e inspiradora, que nos ensinava com um brilho no olhar que ainda hoje me aquece. Da professora de Biologia, sempre atarefada, que num dia caótico parou… e quis mesmo saber de mim. Do professor de Psicologia, “durão”, que rejubilou de alegria ao meu lado quando segui o meu sonho. Do porteiro, atento, que conhecia os nossos nomes. Da funcionária do ginásio, calorosa, que cuidava de nós com um olhar que dizia: “Importas.”. Dos colegas e amigos com quem tanto vivi.
A lista – que guardo como um pequeno tesouro – não acaba aqui. É feita de pessoas. Pessoas que deixaram marcas. Que me ajudaram a ser. Que acenderam luzes nos dias mais cinzentos.
Por mais que o tempo mude, a escola que marca e que deixa rasto continua a ser feita destas presenças que tocam e se tornam faróis no coração – ainda em construção – dos adolescentes. Ser este farol não é brilhar mais alto. É permanecer aceso. É orientar com esperança. É acompanhar de perto.
É isso que a pedagogia salesiana nos lembra com tanta beleza: educar é estar –com intuição, com paciência, com esperança e com alegria. É criar um ambiente que acolhe e onde há espaço para errar e recomeçar, para aprender e crescer, mas também para sorrir, brincar e celebrar.
Esta forma de estar nasce de uma convicção profunda: em cada jovem há um bem, um dom, uma possibilidade à espera de ser reconhecida. Dom Bosco dizia: “Em todo o jovem há algo de bem e o nosso primeiro dever enquanto educadores é descobrir este ponto, esta corda sensível do coração, e tirar proveito disso.”.
Talvez este “primeiro dever” seja também o mais transformador. Ver o que há de bom num jovem tranquilo e participativo é fácil, mas… e nos outros? Descobrir a centelha de bem naquele que desafia, que se esconde, que perturba, que provoca… exige tempo, escuta e um olhar que vá além da superfície.
Ir ao encontro dessa corda sensível do coração é, muitas vezes, um trabalho silencioso e paciente. É escutar o que não se diz, é sentir o que está por trás do gesto brusco ou do silêncio prolongado. Há jovens em que essa corda vibra ao primeiro toque – e há outros em que ela está escondida, enrolada no medo, na dor ou na desconfiança. Mas ela está lá. Sempre.
O meu percurso profissional levou-me, quase sempre, ao encontro destes jovens. Os que, por fora, parecem desligados da escola, mas que, por dentro, anseiam ser vistos. Com eles, aprendi que descobrir o bem é como afinar um instrumento: requer tempo, escuta e persistência. Requer olhos que se demoram e corações capazes de ler os sinais que se escondem nos gestos, nos gritos e nos silêncios.
Mas como fazemos isto? Como descobrimos essa corda sensível, essa centelha de bem, no dia-a-dia das escolas, tantas vezes tão exigente, tão cheio de urgências?

Talvez possamos começar por aqui: assumir, juntos, o compromisso de sermos faróis – com constância, com proximidade, com orientação.
- Com constância, porque os adolescentes precisam de presenças que não desistem. Precisam de saber que, mesmo quando desafiam ou se afastam, haverá sempre alguém que continua ali – disponível, atento. Ser constante é ser previsível na presença – e, por isso, fiável no coração.
- Com proximidade, porque não basta estar – é preciso estar perto. Um farol não pode ser apenas um ponto distante no horizonte – precisa de ser uma luz ao alcance do olhar. O educador que se aproxima, que conhece os nomes, que pergunta com tempo e escuta sem pressa, cria pontes onde antes havia muros. É neste espaço, nutrido por relação, que os dons se podem revelar – não apenas os académicos, mas também os relacionais, os criativos, os espirituais.
- Com orientação, porque os jovens procuram referências – mesmo quando dizem que não. Orientar não é impor caminhos, é acender possibilidades. É ajudar a ver mais longe, a sonhar, a escolher com sentido. Educar, neste sentido, é mostrar que há direções possíveis… mesmo quando o horizonte parece enublado.
Cada membro da comunidade educativa – professores, auxiliares, técnicos, diretores, animadores – tem em si a capacidade de ser este farol. Não pelo cargo que ocupa, mas pela forma como está. Porque os adolescentes não se ligam a funções… ligam-se a pessoas. A olhos que reconhecem. A gestos que validam. A presenças que despertam e que educam – não só pelo que ensinam, mas, sobretudo, pelo modo como caminham ao seu lado.
Sabemos que nem todos os dias são fáceis. Há turmas desafiantes, rotinas exigentes, contextos difíceis. Há dias em que nos sentimos a remar contra a maré, em que o cansaço se acumula e a esperança se esconde atrás de sinais de mudança que parecem distantes.
No trabalho conjunto com os professores e demais educadores, escuto com frequência esse desânimo que chega de mansinho e que por vezes se transforma em frustração: “Será que faz diferença? Será que vale a pena?”. A verdade é que, nesses dias, também os educadores precisam de um farol. Alguém que lhes diga, com ternura e convicção: “Vale sempre a pena.”, porque o coração de um adolescente não se transforma à pressa. Precisa de tempo – às vezes, de muito tempo. De gestos repetidos. De palavras coerentes. De presenças perseverantes. E aquilo que hoje parece não fazer diferença… um dia poderá ser lembrado como o que mais marcou.
Quando esta forma de estar se multiplica numa comunidade educativa viva, onde todos se reconhecem na missão de acompanhar, a escola transforma-se num verdadeiro farol coletivo: uma presença que se mantém, que se faz próxima e que aponta caminhos. Um lugar onde ninguém se sente sozinho e onde cada jovem encontra rostos que iluminam, com gestos simples, esta travessia intensa que é a adolescência.
Por isso, mesmo nos dias cinzentos, que continuemos a ser faróis. Não os que brilham para mostrar o caminho perfeito, mas os que permanecem acesos… para que nenhum coração em construção tenha de caminhar no escuro.
Na próxima semana: Corações em Construção: A Comunidade que Cuida da Adolescência em Dificuldade
Diana Almeida
Mãe de uma menina cheia de vida
Eterna aprendiz com os jovens e com o bem que neles habita
Psicóloga especialista em Psicologia Clínica e em Psicologia Comunitária