Pe. Humberto Maria Pasquale: uma vida para a evangelização no espírito e no carisma de Dom Bosco

O Pe. Humberto Pasquale foi diretor espiritual da Beata Alexandrina Maria da Costa, e foi também fundador da presença salesiana em Mogofores e das Edições Salesianas.

Na passagem de mais um aniversário do falecimento do Pe. Humberto Pasquale, no dia 5 de março, partilhamos o texto elaborado pela salesiana cooperadora Maria Rita Scrimieri, apresentado no Seminário Europeu da ACSSA Associazione dei Cultori di Storia Salesiana sobre “Figuras salesianas relevantes entre os séculos XIX e XX”, realizado em Bratislava, de 31 de outubro a 4 de novembro de 2018. Escritos em italiano, foram traduzidos pelo Pe. Basílio Gonçalves, sdb. Uma oportunidade para recordar ou descobrir uma importante figura da história da Província Portuguesa da Sociedade Salesiana.

Pe. HUMBERTO MARIA PASQUALE

1906-1985

Uma vida para a evangelização no espírito e no carisma de Dom Bosco

por Maria Rita Scrimieri  Salesiana Cooperadora

Em 1983 o padre Humberto Maria Pasquale, por insistência de alguns seus amigos e irmãos, escreveu as memórias da sua vida que são quase uma autobiografia. Em 2006, no centenário do seu nascimento, tive a sorte e a alegria de poder conhecer na totalidade este escrito dactilografado e de poder publicá-lo com o título o “Monello di Dio”[1][Traquina de Deus]. As memórias escritas pelo padre Humberto constituem a fonte histórica utilizada deste trabalho, sendo todas as citações tomadas do livro publicado. Outra fonte histórica foram os estudos sobre a Obra Salesiana em Portugal da autoria do historiador salesiano Amador Anjos.[2]

Conhecido sobretudo por ter sido diretor espiritual da grande mística portuguesa, a Beata Alexandrina Maria da Costa, por ter escrito a biografia dela traduzida em muitas línguas e se ter ocupado da sua Causa de Beatificação e Canonização, o padre Humberto Maria Pasquale não é apresentado neste Seminário pelo seu indiscutível carisma no discernimento e na direção espiritual de almas chamadas a percorrer caminhos especiais de santidade, mas pela sua ação pastoral e evangelizadora em duas Obras por ele fundadas em Portugal: a Casa de Mogofores (1938-1945) e as Edições Salesianas do Porto (1946-1948), obras ainda existentes e a funcionar. Quando li pela primeira vez o escrito dactilografado, fiquei muito impressionada precisamente por aquilo que do padre Humberto não se conhecia, ou se conhecia pouco, isto é, a sua missão pioneira em Portugal (1933-1948) em favor da juventude pobre e abandonada, e na evangelização das camadas populares, como formador e mestre de Noviços, os futuros Salesianos, e pelo estilo profundamente salesiano com que o realizou, incarnando nas suas Obras o espírito e o carisma de Dom Bosco contido no mote do Fundador: Da mihi animas, cetera tolle.

Humberto Maria Pasquale, segundo de nove filhos, nasceu em Vignole Borbera (Alessandria) a 1 de setembro de 1906 numa família humilde e profundamente cristã.

Desde pequeno manifestou caráter vivo, alegre, um pouco traquina como ele mesmo gostava de se definir, mas ao mesmo tempo, observando o comportamento da mãe, que ajudava os pobres, desenvolveu desde pequeno uma atenção sensível para com o próximo necessitado e a sofrer.

Terminou a escola primária, trabalhou durante dois anos numa fábrica, na Algodoaria de Vignole Borbera: os homens estavam na frente na primeira guerra mundial, na fábrica entravam as mulheres e os rapazes. Doze horas de trabalho por dia não lhe impediram de levar para a fábrica a alegria e a vontade de brincar que lhe granjearam a simpatia e o afeto das operárias.

Ao lado da Algodoaria, em 1909 as Filhas de Maria Auxiliadora tinham aberto o internato para as operárias do estabelecimento têxtil que provinham sobretudo do Véneto e do Friul, e ao mesmo tempo ofereciam-lhes um ambiente espiritual para uma adequada formação humana e religiosa. As operárias que viviam no internato passavam o Boletim Salesiano ao Humberto que o lia com gosto e foi assim que pela primeira vez teve conhecimento da Família de Dom Bosco e da obra missionária que começava a atrair a sua viva curiosidade de adolescente. Na Capela do internato, dedicada a Maria Auxiliadora, encontrou um lugar de oração e de serviço: ali começou a fazer de acólito quando o salesiano Forestelli celebrava a Missa para as irmãs. Foi delas que ouviu pela primeira vez a pergunta se não gostaria de ser sacerdote salesiano, e isto deu-lhe a possibilidade de se orientar no chamamento que já sentia dentro de si, mas ao qual não sabia como responder. Tinha treze anos. Para o jovem Humberto as FMA do Internato foram como que uma segunda família. Com elas estabeleceu um laço afetivo profundo que permaneceu ativo por toda a vida: muitas das suas Obras realizou-as chamando as FMA a dirigi-las.

Em família, é sobretudo da mãe Catarina que aprende o Evangelho da caridade através de numerosos gestos de generosidade, que Humberto lhe vê realizar para com os mais necessitados que ela encontra sempre modo de ajudar. Por toda a sua vida, Humberto permanecerá sempre fiel a esta primeira verdade evangélica aprendida entre as paredes de casa: “Deus é amor”. Dom Bosco depressa fará o resto completando a sua formação humana e sacerdotal e apontando-lhe os horizontes da missão, onde lançar o rio de caridade que atravessará o seu coração em favor da juventude mais necessitada e das camadas populares.

Aos treze anos, (1919) Humberto entra nos Salesianos em Valdocco. Ali encontra os Salesianos da primeira hora: padre Francesia, padre Branda, ao qual apareceu Dom Bosco quando era Diretor na Casa de Barcelona, o padre Borgatello, missionário na Patagónia que foi muito amigo do jovem Humberto, o padre Rinaldi, ao qual Humberto ajudava à Missa ao domingo, o Card. Cagliero, que nas visitas a Valdocco, se anunciava gritando: Rapazes, sou eu, Giovanin!”. “Subia à cátedra, escreve Humberto nas suas memórias, e falava-nos de Dom Bosco e dos primeiros tempos de Valdocco. Entusiasmava!”. P.28

Era Reitor-Mor naquele período o padre Paolo Albera (1844-1921) e escutando a narrativa dos missionários que estavam de passagem, Humberto entusiasmou-se pelas missões e começou a alimentar o desejo de ir para a Colômbia para ajudar os leprosos. Mas o pai, que temia pela vida do filho, opôs-se a este projeto. Com efeito, o forte clima anticlerical daqueles anos e ameaças por parte de um colega de trabalho que muitas vezes lhe repetia: “Chegou a hora em que mataremos todos os padres!” induziram o pai de Humberto a tomar a drástica decisão de impedir a vocação do filho.

Todavia Humberto pôde prosseguir o seu caminho vocacional no seminário de Stazzano, depois de muita insistência e graças à intervenção de duas benfeitoras de Vignole Borbera que contribuíram para pagar as respetivas despesas. Em Stazzano fez o seminário menor e passou depois para o seminário maior de Tortona para a teologia: 9 anos ao todo. Para o seminário levou o espírito de Dom Bosco além de um grande quadro do Santo e obteve dos Superiores, não sem dificuldade, que fosse construído um palco para as representações: “A ideia veio-me ao repensar nos magníficos dramas vistos em Valdocco que, no meu entender, eram autênticos meios de formação, além de servirem de divertimento”. No seminário o jovem Humberto difundiu amplamente a imprensa salesiana. Fundou em Vignole Borbera um grupo de Ação Católica em 1929, mas os fascistas invadiram-lhe a sede destruindo tudo. O jovem clérigo não se deixou intimidar e lançou-se ainda com mais ardor ao seu trabalho apostólico.

Mas às portas do subdiaconado, reacendeu-se imperioso o desejo de ir para as missões: saiu do seminário e voltou para os Salesianos em Turim. Conseguiu entrar no noviciado em Borgomanero, fez a profissão em 1932 e apresentou o pedido para ir em missão para a Colômbia.   

No entanto o padre Berruti, Ecónomo Geral, pediu-lhe para ir para Portugal onde era necessário que permanecesse “pelo menos um ano” como professor. “Porquê recusar-me?”, escreve o padre Humberto, “Disse-lhe logo que sim”. A obediência aos Superiores será sempre um sinal distintivo na sua vida sacerdotal.

Os Salesianos tinham chegado a Portugal em 1894 e tinham assumido a direção de instituições já existentes de caráter assistencial e de formação para rapazes pobres e abandonados. A primeira instituição foi o Colégio de S. Caetano para rapazes pobres, em Braga. O grupo era chefiado pelo padre Cogliolo. Em 1896 assumiram a direção das Oficinas de S. José, em Lisboa. Em todas elas acabaram por realizar um trabalho que era ao mesmo tempo religioso, educativo e social: fazer dos jovens das classes mais humildes bons cristãos e honestos cidadãos, como Dom Bosco gostava de sublinhar. A promoção social dos rapazes pobres era realizada através das escolas de “artes e ofícios”. Paralelamente às escolas profissionais, os Salesianos deram vida a outra atividade, sempre para os rapazes mais pobres e abandonados e tendente a aumentar o alcance da sua ação evangelizadora e de promoção humana mesmo fora dos muros da escola. Esta forma alargada de humanização e evangelização era constituída pelos oratórios festivos, hoje conhecidos como centros juvenis” (Amador Anjos). Durante a revolução de 1910, com a implantação da República, todas as ordens religiosas foram expulsas: ficou só um salesiano em Lisboa, o padre Agostinho Colussi. Reentraram em Portugal em 1928.

Para o padre Humberto, a partida para Portugal foi uma reviravolta que marcou profundamente a sua vida. Chegou a Lisboa em 1933 e em 21 de dezembro de 1935 foi ordenado sacerdote pelo Card. Cerejeira. O que o chocava era a miséria, a pobreza, a fome, o abandono dos rapazes; por isso, nas diversas casas salesianas por onde passou, prodigalizou-se em numerosas iniciativas, para fazer face às diversas pobrezas espirituais e materiais da juventude e dos adultos. “Nunca tinha visto tanta miséria”, confessa nas suas memórias. Deste primeiro período vale a pena, sem mais, recordar duas situações emblemáticas que servem de paradigma para compreender como o padre Humberto era animado de uma caridade pastoral que era expressão do espírito de Dom Bosco assimilado em Valdocco. Um dia apercebeu-se de que faltava um aluno na classe primária. Dado que ninguém sabia dar-lhe uma justificação de tal ausência, decidiu ir ele mesmo à procura dele a Alcabideche. “Decidi ir a pé pela vereda pedregosa que ali conduzia. Perguntei onde morava e encontrei-o num quarto sem teto, envolvido em pobres trapos, todo a tremer. Nunca na minha vida tinha visto miséria semelhante. Depois de um breve colóquio, regressei a casa e fui para a Capela a chorar”. Mas, enquanto estava na Capela, entrou a condessa de Monesterolo que morava no Estoril e frequentava a Capela, viu-o, tendo sabido o motivo da aflição do padre Humberto, e falou com a amiga Branca Sommer de Andrade que logo enviou um médico e provisões alimentares, com a promessa de se interessar pelo caso. O rapaz foi internado no Hospital de Cascais e recebeu tudo o que precisava. “Desde aquele dia, comenta o padre Humberto, a senhora tornou-se uma grande benfeitora dos Salesianos”. Outra iniciativa significativa deste período, na qual emerge a criatividade do padre Humberto, refere-se à experiência feita no ano letivo de 1936-1937, quando foi enviado como catequista para as Oficinas de S. José em Lisboa: “Tinha ao meu cuidado a educação espiritual dos alunos, mais de 200 artesãos, rapazes pobres, recolhidos pela caridade de Dom Bosco. Era o ambiente feito para mim”. Naquele período decidiu-se que as Companhias religiosas, próprias das Casas salesianas, queridas por Dom Bosco, deviam receber impulsos novos, dinâmicos, capazes de envolver os rapazes em alguma atividade caritativa significativa. Como primeiro passo, fundou uma secção da J.O.C. Juventude Operária Católica, para os mais jovens. Foi a primeira em Portugal. Depois, tendo sabido que na periferia de Lisboa, em Monsanto, havia pobres que viviam nas grutas e na maior miséria material e espiritual, um domingo foi lá com um grupo de dez rapazes visitar aquela pobre gente. Impressionados com o que viram, estudaram um plano de ação: “Era necessário, comenta o padre Humberto, dar àqueles pobres infelizes alguma amizade e ajudas materiais. Programou-se uma visita semanal, juntando-lhe o ensino das orações do bom cristão para a compacta multidão de crianças”. O padre Humberto envolveu na iniciativa as pessoas que frequentavam a Capela do colégio dedicada a Maria Auxiliadora, pedindo alimentos e vestuário. Muitos daqueles pobres viviam dos desperdícios dos bidons do lixo. O quarto do padre Humberto tornou-se um depósito. Na segunda visita a Monsanto levaram os bens angariados e foram recebidos com muita festa. Depois “os meus rapazes dividiram as crianças em grupos e começaram o ensino das orações”. Ao mesmo tempo, o padre Humberto vai à procura de outras cavernas. “Numa delas encontrei uma velhota num montão de farrapos e de papel, uma ilha rodeada de um autêntico lago de água. Falei-lhe da margem em que me encontrava e assegurei-lhe que não me esqueceria dela. Vivia daquilo que os pobres mesmos lhe levavam todos os dias. Durante a semana, graças aos conhecimentos que eu tinha, consegui interná-la num asilo”. Por diversos meses, o padre Humberto com os seus rapazes trabalhou intensamente em favor dos pobres de Monsanto, batizou mais de trinta pessoas entre as quais alguns adultos. O pároco daqueles pobres autorizou-o a administrar o Sacramento, grato por aquilo que fazia com os seus rapazes. “Devo testemunhar, escreve o padre Humberto nas suas memórias, que aquela atividade teve grande influência na vida espiritual dos meus rapazes e foi o fermento que levedou todos os nossos alunos. O colégio mudou de rota”. A iniciativa do padre Humberto não ficou desconhecida: um dia foi convocado pelo Ministro das Finanças ao palácio do governo. “O senhor é o padre Humberto? ‘Sim, excelência, sou eu’. Soube que o senhor se interessa pelos pobres das grutas de Monsanto. Diga-me com toda a sinceridade de que tem necessidade mais urgente. ‘Para aquela pobre gente precisaria de umas trinta camas’”. O funcionário concordou, tomou nota e durante a semana enviou o que se pediu. Mas a iniciativa valeu ao padre Humberto uma ameaça: no domingo seguinte foi acompanhado a Monsanto de carro; no regresso encontrou desenhado, na poeira do carro, a foice e o martelo. Um dos pobres avisou-o de que no domingo seguinte não fosse a Monsanto porque alguém lhe queria fazer mal e aconselhou-o a mandar só os rapazes. “Durante um mês, os meus rapazes continuaram a missão sozinhos”. Passado um mês, o padre Humberto conseguiu voltar a Monsanto. Em pouco tempo, graças ao empenhamento do governo, mandou construir uma série de casas populares, o panorama de Monsanto mudou. “Em 1953, escreveu o padre Humberto, passei por Portugal no regresso do Brasil, vi Monsanto transformado num bairro lindo, com habitações tão belas que me comovi e agradeci a Nossa Senhora Auxiliadora que se serviu dos alunos de Dom Bosco para dar a tantos pobres aquilo a que todos os homens têm direito”.

Este é o padre Humberto, pouco antes da sua nomeação para mestre de noviços e diretor da Casa de Mogofores de que é fundador. Queria propor esta situação, como particularmente significativa na vida do padre Humberto, para sublinhar a sua forma de viver e incarnar o carisma salesiano do “Da mihi animas cetera tolle” na missão de reevangelizar a paróquia de Mogofores, sem sacerdote havia mais de 60 anos. Além disso, ulterior aspeto a este ligado é a fundação das Edições Salesianas portuguesas como expressão do seu viver a vocação salesiana ao serviço educativo da juventude e da formação religiosa do povo.

MOGOFORES: “Da mihi animas”, o milagre da reevangelização.

Em 1938 o padre Humberto, há cinco anos em Portugal, recebe do padre Hermenegildo Carrà uma obediência inesperada: “Irás como Diretor e mestre de noviços para uma casa que abriremos em Mogofores, na região da Bairrada, perto de Coimbra, na diocese de Aveiro”. O padre Humberto, de apenas 32 anos, apela para o facto de não ter idade canónica, 35 anos, para ser mestre, não se sente com qualidades nem preparado para a missão que lhe é pedida e solicita ser dispensado dela. Mas o padre Carrà já tomou providências e obteve dos Superiores a dispensa quanto à idade. Não cede e encoraja o jovem Humberto: “Verás que consegues!”. Concede-lhe só 20 dias de retiro, como o padre Humberto lhe tinha pedido, para poder preparar-se.

“Retirei-me para uma Casa de Retiros em Sintra”, conta o padre Humberto nas suas memórias, “dediquei-me ao estudo mais aprofundado do espírito de Dom Bosco, das circulares dos Superiores Maiores, da ascética cristã, etc. Programei as conferências para todo o ano e o esquema já com mais conteúdo do primeiro mês: o conhecimento e a formação do homem e do cristão. Mergulhados os noviços no seguimento de Cristo, tendo Maria como modelo, mestra e auxílio, na via traçada pela liturgia, e Dom Bosco como pai, terei modelado o religioso salesiano. Muito me ajudaram as circulares do padre Albera e do padre Rinaldi”.

Mogofores estava sem pároco havia cerca de 60 anos: toda a Bairrada estava sob a influência da maçonaria que, com o advento da República em 1910, tinha combatido qualquer manifestação religiosa. Estava declarado no programa pelo Presidente da República portuguesa, Afonso Costa, liquidar em 10 anos a Igreja Católica e qualquer resíduo de sentimento religioso. Mogofores, mais exatamente, tinha um pároco que morava a 10 quilómetros de distância, mas que só aparecia duas ou três vezes por ano.

Desde há poucos anos, estavam em Mogofores os Dominicanos que, pelo ambiente adverso e pelo afastamento dos grandes centros urbanos, tinham decidido deixar a sua Casa. Esta tinha sido oferecida aos Salesianos, que andavam à procura de uma Casa para o novo noviciado destinado aos rapazes pobres da zona. O padre Humberto, quando tomou posse da Casa, não tinha um tostão porque havia dado tudo quanto o padre Carrà lhe tinha entregado ao padre dominicano pelos poucos móveis deixados. Além disso, antes da partida, o padre dominicano apresentou-lhe as únicas duas famílias da localidade que frequentavam a igreja: a família Sampaio de Mello e a esposa do doutor Menano que havia anos se tinha afastado da Igreja. Dali a pouco juntaram-se ao padre Humberto três salesianos: o coadjutor André Serra, cozinheiro de toda a Comunidade; o coadjutor Sanguinetti, marceneiro da Casa de Lisboa; e um sacerdote.

“Não é fácil dizer a pobreza da nova Casa”, conta o padre Humberto, havia só uma cama e durante um mês dormi no chão em cima do colchão. O primeiro mês foi totalmente dedicado à preparação da Casa para o acolhimento dos noviços: preparação da Capela, do dormitório, da sala de estudo, transformação da horta num grande pátio para os jogos dos noviços nos recreios, no terreno da vinha semearam-se as verduras, o pórtico foi desocupado para ser utilizado nos dias de chuva. Podemos dizer que a pequena Valdocco portuguesa estava quase pronta. Apareceu neste período a primeira benfeitora de Mogofores, a nobre marquesa Emília Bourbon Furtado: o padre Humberto celebrava a santa Missa na sua capela privada. A nobre senhora começou a enviar ao pequeno grupo de salesianos abundantes géneros alimentares. “Foram gestos generosos, comenta o padre Humberto, nunca antes vistos, embora fosse uma senhora riquíssima”.

Leia também  Faleceu Pe. Manuel Carlos Pereira Pinhal

O padre Humberto, antes de mais nada, começa por observar à sua volta. “O trabalho stressante a preparar a Casa para a chegada dos noviços, não me impediu de observar e estudar o ambiente sob o aspeto material, moral e religioso”. Ao domingo, na celebração da Santa Missa, apenas estavam presentes cinco ou seis pessoas pertencentes a duas famílias que lhe foram apresentadas pelo padre dominicano. Ao mesmo tempo, ficou impressionado com a frieza que, quer os adultos quer os jovens e as crianças, mostravam para com eles.

Pensou em enfrentar a situação de um modo tipicamente salesiano: jogo e catequese. Por isso deu visibilidade aos jogos dos noviços durante o recreio, mandando derrubar uma vedação que os Dominicanos tinham construído desde o cancelo de entrada para ter uma clausura regulamentar. Quando os noviços estavam no recreio podiam ser vistos por quem passava na rua. Ele mesmo comenta nas suas memórias: “Foi esta a tática para atrair a curiosidade dos garotos que, pouco a pouco, começaram a entrar no pátio e a participar nos jogos dos noviços. A voz espalhou-se e o seu número aumentou incrivelmente. Foi necessário que um sacerdote se ocupasse deles”.

A segunda iniciativa consistiu em encomendar ao ferreiro da localidade 30 arcos de ferro e organizou uma corrida pelas ruas de Mogofores chefiada por ele mesmo. O farmacêutico da aldeia, “um homem exteriormente rude e incrédulo em matéria de religião”, vendo aquela massa de garotos comandada pelo padre Humberto exclamou: “Mas estes padres estão loucos!”. Parece que estamos a ouvir os comentários da Turim de Dom Bosco quando saía em passeio com os seus rapazes!

Aos jogos organizados, o padre Humberto juntou breves lições de catequese que se desenrolavam no átrio da Casa ou no vão das escadas que conduziam aos quartos. As raparigas recebiam o ensino religioso na Igreja paroquial dado pela senhora Sampaio, e o padre Humberto dava-o aos rapazes. A terceira iniciativa visando a educação religiosa da juventude consistiu em dar uma lição de catequese semanalmente na escola primária estatal de acordo com o professor. Havia um só professor para todos os alunos porque as crianças eram poucas. O padre Humberto depressa se deu conta de uma problemática social e moral que emerge do mundo da escola: o alcoolismo difundido entre os adultos. Muitas crianças morriam em tenra idade por serem filhas de pais alcoolizados, nas escolas diversos pequenos são subnormais pelo mesmo motivo. Além disso, descobre que os pais costumavam dar às crianças e recém-nascidos pão ensopado no vinho, com as inevitáveis consequências prejudiciais. Preocupado com esta situação, não muito tempo depois decidiu abrir um infantário para recém-nascidos que confiou a uma rapariga preparada em puericultura. Comprou uma vaca, com a ajuda económica do governo, para dar leite aos meninos, e aos pais para levarem para casa quando vinham buscar os filhos, de modo que não lhes dessem vinho de noite. Para manter a vaca, a benfeitora doou-lhe um grande campo, a 100 metros da Casa salesiana. O infantário conseguiu dar assistência a trinta meninos.

A presença de pessoal Salesiano sugeriu ao padre Humberto celebrar uma Missa em honra de Maria Auxiliadora no dia 24 de cada mês: pouco a pouco, a Capela encheu-se de senhoras e de algumas raparigas às quais o padre Humberto falou da Associação dos Devotos de Maria Auxiliadora. A pedido delas, dali a pouco receberam a fita com a medalha como sinal de pertença à Associação. Ao mesmo tempo ensinou-lhes vários cânticos marianos e encomendou duas estátuas que chegaram no mês de dezembro: uma estátua de Dom Bosco e outra de Maria Auxiliadora.

“Face ao estado desolador quer moral que religioso de Mogofores, não podia resignar-me”, escreve o padre Humberto nas suas memórias. Era necessário criar um espaço para colocar à disposição da população de Mogofores, para a juventude masculina e feminina, nitidamente separado do noviciado como naqueles tempos se exigia.

Em frente da Casa salesiana, existia uma propriedade abandonada havia vinte anos. O padre Humberto escreve a uma benfeitora de Lisboa que conhecera durante a sua permanência na Casa salesiana da capital: “Expus-lhe a minha angústia pela situação religiosa de Mogofores e pedi-lhe a soma de 50.000 escudos, o preço que eu julgava necessário para a aquisição”. Quinze dias depois, o padre Humberto recebeu da generosa benfeitora a soma pedida. Falou de imediato com a senhora Emília Furtado que, depois de ter informado o padre Humberto de que aquela soma não bastava, acrescentou: “Não se preocupe: o que falta ofereço-lho eu!”.

Cinco meses depois da sua chegada a Mogofores, o sonho do padre Humberto tornou-se realidade: dia 11 de fevereiro de 1939, festa de Nossa Senhora de Lourdes, conseguiu comprar a propriedade, sistematizar ali o noviciado e colocar toda a casa originária ao dispor da população para a sua promoção humana e evangelizadora: uma sala muito ampla para as raparigas, a “oficina Mãe Margarida” dirigida pela senhora Sampaio e por algumas senhoras inscritas entre os devotos de Maria Auxiliadora. O objetivo, explica o padre Humberto, era “reunir como aprendizes as raparigas da localidade, que deste modo puderam dedicar-se a confecionar e remendar a roupa branca do pessoal, noviços e salesianos”. Neste espaço foi aberto o infantário para crianças de que acima se falou.

Para o noviciado, ao invés, mandou construir uma ampla Capela dedicada ao Coração Eucarístico de Jesus, um teatro, um refeitório, a cozinha e um dormitório com trinta lugares para camas.

Os Benfeitores. Um grande apoio para suportar as despesas com a construção dos novos ambientes recebeu-o o padre Humberto dos benfeitores: eram famílias ricas e mesmo abastadas de Mogofores, alguns de Lisboa onde tinha trabalhado nos anos anteriores e que o padre Humberto tinha encaminhado para a prática da caridade.

Para a fecundidade da vinha. Escreve o padre Humberto nas suas memórias: “É mesmo verdade que como os torrões não produzem nada se não forem regados pela água, assim as obras de Deus exigem lágrimas e sangue para produzir frutos de bem nas almas”. Um dia, chega uma carta com a primeira ameaça ao padre Humberto para que saia de Mogofores, se quer ter a vida salva. Ao mesmo tempo, o Superior, padre Carrà, recebeu do Bispo de Aveiro uma carta em que dizia: “Vejo adensar-se no céu de Mogofores escuras nuvens anunciadoras de um furacão que pode prejudicar toda a Igreja desta Diocese. Peço-lhe instantemente que afaste para longe o sacerdote padre Humberto, quanto antes…”.

O Provincial, padre Carrà, não abandonou o padre Humberto, mas de modo exemplar e edificante exerceu a sua paternidade como Superior em relação ao jovem salesiano tomando as seguintes iniciativas: enviou a Mogofores o padre Lucas que falou longamente com o padre Humberto sobre o ambiente, sobre o seu comportamento e sobre a situação geral. Simultaneamente, o padre Carrà dirigiu-se à Embaixada Italiana de Lisboa, que por sua vez se dirigiu ao Ministério da Defesa a fim de que se tomasse providências quanto ao caso. Somente muitos meses depois, o padre Humberto veio a saber que fora enviado um guarda que por algum tempo tinha vigiado a casa durante a noite.

Por fim o padre Carrà escreveu uma carta de resposta ao Bispo de Aveiro, depois de o padre Lucas lhe ter dado conta do seu colóquio com o padre Humberto. Na carta ao Bispo escreveu: “Dentro de poucos dias irei a Aveiro para falar da proposta de V. Excelência. A respeito da sua carta, não posso fazer o que me aconselha, porque o padre Humberto é mestre de noviços, cargo que tem a aprovação da Santa Sé. In loco verei a situação”.

Poucos dias depois, o padre Carrà deslocou-se a Mogofores, informou-se sobre o acontecimento e sobre o comportamento do padre Humberto, falou com as pessoas mais influentes do lugar e no fim foi recebido pelo Bispo com o qual teve um longo colóquio. Informou de tudo também o padre Humberto e recomendou-lhe que se acautelasse de duas pessoas que, por motivos diversos de ciúme, o odiavam: era uma parente de uma benfeitora preocupada com os prejuízos que os parentes herdeiros teriam com as somas que a tia prodigalizava à Obra Salesiana; a outra era a sobrinha da senhora Emília Furtado que se sentia marginalizada porque o padre Humberto, depois da celebração da Missa na Capela privada da tia, não se detinha a falar com ela. Quem escreveu a carta contendo ameaças por sugestão da sobrinha da senhora Emília foi um delinquente de Évora. Além disso, posteriormente o padre Humberto veio a saber que quem tinha informado e sugerido ao Bispo que escrevesse a carta ao Superior Salesiano foi um pároco de Arcos (Anadia), um padre que metido na política nunca viu com bons olhos a Obra Salesiana.

As consequências daquela ameaça. Um dia, uns trinta chefes de família de Mogofores e arredores organizaram de surpresa um encontro com o padre Humberto: entre eles encontrava-se também o mais rico proprietário de terras de Mogofores. Queriam ir falar com o Bispo a protestar contra a intenção de afastar o padre Humberto. “Estamos aqui para lhe expressar a nossa solidariedade e amizade”. O padre Humberto informou-os de que o Provincial se tinha ocupado a resolver tudo com o Bispo e o encontro terminou com brinde e grandes apertos de mão. “Desde aquela data, comenta o padre Humberto, começou a tomada de contacto com todos os adultos de Mogofores; a igreja paroquial tornou-se, desde aquele dia, o lugar de encontro de toda a população. Maria Auxiliadora abriu o caminho nas almas”.

Durante a Quaresma, houve uma pregação como a qual talvez nunca tivesse havido e que teve como resultado aproximar muitas pessoas dos Sacramentos para o dia de Páscoa. O mês de maio mostrou a participação dos devotos de Maria Auxiliadora e dos novos paroquianos. O padre Humberto começou a ter um certo prestígio “graças a Deus e à bondade da gente de Mogofores, mesmo se não praticante”, comenta o padre Humberto nas suas memórias.

Mogofores centro de irradiação cristã 1938-1945. A boa imprensa para uma boa evangelização.

O contacto com várias paróquias através da pregação convenceu-me cada vez mais da necessidade de catequizar o povo. Daqui nasceu a ideia de organizar um curso de estudos para raparigas dispostas a ser catequistas nas suas terras”.

O padre Humberto entrou em ação e pediu a colaboração das Irmãs do Colégio de Nossa Senhora da Paz para os espaços: 30 raparigas aderiram à proposta, uma irmã ensinou trabalhos de desenho para a preparação dos quadros a expor nas aulas dos catequizandos. O padre Humberto dava lições de pedagogia e didática. Um seminarista do lugar, que tinha estudado em Roma, aceitou dar lições de teologia. O padre Humberto foi convidado a dar as mesmas lições de pedagogia e didática à juventude católica de Coimbra. Quem ajudou a suportar as despesas do curso foi a senhora Emília Bourbon Furtado.

No mesmo ano, 1939, o padre Humberto escreveu um Catecismo popular para difundir em todo o Portugal, intitulado Onde não há padres: a primeira edição foi paga pela senhora Emília. Em poucos anos foram impressos oitenta mil exemplares. Foi retomado e atualizado em 1981 e impressos quarenta mil exemplares. Traduziu no mesmo período o livro de Chiavarino e outros livrinhos populares das editoras “Vita e Pensiero” e da L.D.C. que publicava a coleção dos livrinhos Lux. Em 1942 para ajudar a Ação Católica portuguesa na campanha para a pureza, escreveu um livrinho intitulado “Asas Brancas”, cujo último capítulo contém uma carta escrita pela Irmã Lúcia de Fátima que naquela altura vivia em Espanha. Foram impressos quarenta mil exemplares e desta vez quem suportou a despesa foi outra benfeitora de Lisboa, madrinha de Missa Nova do padre Humberto, a senhora Branca Sommer. Graças ao contributo dos benfeitores, os livrinhos podiam ser postos à venda a preços muito acessíveis. Além disso, para uma evangelização ainda mais cuidada e para difundir a “boa doutrina”, por vários anos difundiu um “boletim bimensal” cujas três primeiras páginas eram reservadas às Paróquias para as notícias locais. “De tal modo – comenta o padre Humberto – podia fazer chegar a todos os habitantes notícias e noções que podiam interessar ao ambiente. A iniciativa servia também para criar unidade entre todos os conterrâneos”.

É este, em ponto pequeno, o início das Edições Salesianas portuguesas que terão uma sede estável em 1947 no Porto. Quem não compreendeu a importância da iniciativa foi o administrador provincial que, ao saírem os primeiros livros, reduziu a metade a ajuda pecuniária destinada à manutenção dos noviços e dos aspirantes.

Em 1941 ocorria o primeiro centenário da ordenação sacerdotal de Dom Bosco e do início da sua Obra com os oratórios festivos: “No dia 24 de janeiro, escreve o padre Humberto nas suas memórias, tive a ideia de organizar um congresso mariano provincial para honrar Dom Bosco e simultaneamente Nossa Senhora Auxiliadora, fundadora e mestra da Obra Salesiana. A isto juntei a intenção de invocar o seu poderosíssimo auxílio para uma paz de justiça e de amor entre os povos em guerra, e enxugar as imensas lágrimas e sofrimentos que martirizavam a humanidade inteira”. Nasceu assim o projeto do primeiro congresso mariano para a paz no mundo. Também nesta iniciativa sobressaiu a capacidade do padre Humberto em envolver e agregar várias pessoas para a realização do projeto: pediu a colaboração dos clérigos dos estudantados salesianos, enviando uma circular às várias “Companhias religiosas” existentes nas Casas salesianas, debateu-se e decidiu-se a data: 6 de agosto de 1941, período das férias, próprio para nele poder participar e, de tal modo, poderiam conhecer a Casa salesiana de Mogofores.

Criou-se uma pequena biblioteca mariana para a proposta dos temas do congresso. Encomendou-se uma estátua de mármore para um monumento a Maria Auxiliadora a colocar à entrada, no jardim, e para a epígrafe a inscrever aos pés do pedestal foi aberto um concurso; a epígrafe escolhida foi a seguinte: “De noite e de dia, a toda a hora, Ave Maria Auxiliadora”. Ainda hoje a estátua com a epígrafe lá se encontra à entrada da Casa Salesiana. Ao mesmo tempo, para comemorar o centenário da ordenação de Dom Bosco e do encontro com Bartolomeu Garelli e dá-lo a conhecer à população, o padre Humberto propôs publicar um jornal mensal de 4 páginas intitulado “Dom Bosco” a difundir.

O padre Magni, diretor da Casa do Estoril, encarregou-se dos temas dos três dias do Congresso, tendo em conta que os relatores deviam ser os estudantes de filosofia e algum leigo. Assim os temas propostos foram: primeiro dia: Nossa Senhora na Igreja universal; segundo dia: Nossa Senhora em Portugal; terceiro dia: Nossa Senhora na Congregação Salesiana. A intenção neste último dia foi o aumento e a perseverança das vocações na Congregação. A presença dos jovens levou o padre Humberto a introduzir no programa a representação teatral de uma opereta de fundo mariano do padre Cimatti: Marcos o pescador. Foi encarregado o clérigo Heitor Calovi, assistente dos noviços, que escolheu os atores entre os rapazes do oratório festivo. Foi também incluída no programa uma função à noite para permitir à população de Mogofores, prevalentemente agrícola, poder participar.

No dia 24 de abril, na reunião mensal dos devotos de Maria Auxiliadora, o padre Humberto anunciou oficialmente a todos o programa do Congresso e, para favorecer uma participação mais sentida, propôs aprender vários cânticos marianos. Além disso, mandou afixar, nas paróquias e nas redondezas, os cartazes a anunciar o Congresso e o seu programa. No mês de maio o entusiasmo era já crescente, na localidade e nos arredores, aumentando as inscrições na Associação dos Devotos de Maria Auxiliadora, ao domingo pela primeira vez a Capela estava apinhada de gente vinda também de outras localidades.

No dia 6 de agosto 1941, teve inícioo Congresso mariano: os congressistas chegaram do Estoril e de outras casas salesianas. Diversas famílias ofereceram os géneros alimentares para a jornada, o Bispo, presente ao evento, fez votos que se repetisse para edificação de todos e consolação da Igreja. Mais do que qualquer outro comentário, foi significativo e eloquente o discurso de encerramento do Congresso feito pelo advogado Alberto Menano que aqui reproduzimos parcialmente: “(…) Ainda não decorreram três anos depois que chegaram a Mogofores os srs. Padres Salesianos. Sob o signo de São João Bosco e com a proteção bem visível de Nª Sª Auxiliadora, está já realizada uma grande obra religiosa, moral e social, que se impõe à admiração de muitos, ao respeito de todos e à nossa mais profunda e eterna gratidão.

Não foi isenta de dificuldades tremendas, nem é pobre de amarguras esta grande obra salesiana, que – alargando horizontes e prolongando caminhos encetados pelos beneméritos e sempre lembrados filhos de São Domingos –, em pouco tempo, deu a este meio um inconfundível aspeto de ressurgimento e completa renovação religiosa. O que está feito! O que tem conseguido! Parece realmente um grande milagre tudo isto a que vimos assistindo de há três anos para cá. Milagre de Nª Sª Auxiliadora? Sem dúvida. Obra de São João Bosco? Por certo. Mas, por graça de Nª Senhora e por delegação de São João Bosco, verdadeira obra prima do sr. Padre Humberto Maria Pasquale. Eu não quero de modo algum perturbar a sua modéstia. Nem penso mesmo que ele oiça as minhas pobres palavras, tão inferiores ao agradecimento que lhe guardo no coração. Mas quero ser justo. Quero dar público testemunho da minha, da nossa admiração e dos sentimentos de profundo respeito e agradecimento que em Mogofores devemos a tão ilustre como incansável arquiteto desta grande vitória Salesiana. E não é tudo! Quando daqui a uns meses mais, por aqui passardes e estiver funcionando a valer o Oratório Festivo que já anda no coração e nos planos da boa e querida Família Salesiana Portuguesa, entrai; vede tudo; escutai os vossos pequeninos filhos ali protegidos e defendidos das poeiras do mundo que envenenam e tantas vezes matam. Vede como eles são alegres, felizes, inteiramente felizes. Vinde à noite. Surpreendei as aulas noturnas para os adultos que, no seu tempo, misérias de toda a espécie desviaram da escola e da igreja. Vinde aos domingos e dias festivos ouvir, deleitados, a banda dos vossos pequeninos filhos tão acarinhados. Sede justos. Acreditai: É o coração de São João Bosco a palpitar aqui. A bênção de Nossa Senhora desceu sobre nós!”.

As Atas do Congresso foram impressas num livro, de grande formato, na tipografia da Casa salesiana de Semide, com muitas fotografias. Este livro encontra-se ainda na Casa de Mogofores.

1945 Porto: padre Umberto, “o padre da rua”.

No outono de 1945 o padre Humberto recebeu a obediência de ir para Casa salesiana do Porto que hospedava mais de cem rapazes pobres que eram assistidos em todas as suas necessidades, da alimentação ao vestuário, da instrução à aprendizagem de um ofício. Esta Obra do Porto tinha sido fundada pelo padre Sebastião Vasconcelos que depois foi nomeado Bispo, antes da revolução de 1910. Era uma Casa para os rapazes pobres e, para assegurar a continuidade da Obra, foram chamados os Salesianos que tomaram posse da Casa quando reentraram em Portugal, depois da expulsão das ordens religiosas com a implantação da República.

Leia também  Dia Mundial das Comunicações Sociais: “Escutar com o ouvido do coração” 

À sua chegada à Casa do Porto, o padre Humberto encontrou o padre Luís Maffini, diretor e ecónomo que provia à manutenção da Casa coadjuvado por um pequeno número de cooperadoras que todos os anos se encarregavam de organizar um peditório na cidade. A Casa sustentava-se unicamente de caridade. O contacto com o padre Maffini foi para o padre Humberto “uma grande escola”, como ele mesmo escreveu nas suas memórias. “Um salesiano excecional, que vivia para e com os jovens e que eles consideravam um verdadeiro pai. Nos recreios passeava rodeado de alunos. Um sacerdote de rara piedade que, depois de nos deitarmos, passava longo tempo em oração, fazendo a mesma coisa logo de manhã cedo. As suas “boas-noites” encantavam os alunos por serem engraçadas e muito formativas. Quando alguém entrava no seu escritório, durante o dia, encontrava-o sempre inclinado, com os registos das contas da Casa, ou concentrado a escrever cartinhas, que eram obras-primas, destinadas aos diferentes benfeitores. (…) No centro da cidade, continua o padre Humberto, havia a ‘igreja Dos Congregados´, onde Maria Auxiliadora é muitíssimo venerada. O padre Maffini difundiu a Associação dos Devotos de Maria Auxiliadora de uma forma que eu nunca vi na minha vida. O Boletim Salesiano, edição italiana, falou dele em julho de 1965 dedicando-lhe um artigo intitulado: ‘Um apóstolo dos pobres’”.

Esta Casa conservou sempre o seu caráter artesanal com as oficinas cujos responsáveis eram externos, ao passo que a instrução elementar estava a cargo dos Salesianos. A Casa tinha uma Capela pública e tinha sido construída na encosta que domina o rio Douro. Ao longo desta encosta havia casas térreas, habitadas por famílias paupérrimas, o clima era muito húmido, muitas pessoas morriam tuberculosas, e o bairro tinha má fama.

O padre Humberto, da janela do seu quarto, todos os dias via passar grupos de rapazes que brigavam de forma violenta dizendo blasfémias e palavras obscenas. O grupo era conhecido porque dava sarilhos à polícia. Decidiu, dali a pouco, intervir e atrair a si aqueles rapazes, animado pelo espírito do “Da mihi animas” e do “bom pastor que conhece as suas ovelhas”: um dia despejou da janela um cesto de pão. Os rapazes apanharam-no a toda a pressa e, surpreendidos, olharam para cima para ver quem era o protagonista daquele gesto: da janela do seu quarto, no terceiro andar, o padre Humberto saudou-os com a mão e sorriu-lhes. Durante uma semana, os rapazes voltaram debaixo da janela aguardando que o sacerdote lhes deitasse o pão. Depois foram à portaria à procura do padre que habitava no terceiro andar, “eram uns vinte, comenta o padre Humberto, atraí-os com aquela isca”.

Foi naquele momento que o padre Humberto pensou em criar um espaço recreativo e de catequese para aqueles rapazes e pediu ao Diretor para se abrir o portão que dava para o quintal e fazer deste um campo de jogos. Começou assim o oratório com a ajuda de alguns alunos mais velhos.

Uma vez estreitada a amizade com “aqueles traquinas”, como lhes chamava o padre Humberto, começou a organizar a catequese para eles na Capela e nas escadas que davam acesso ao seu quarto: o número de rapazes ultrapassou a centena. Quando se encontravam com ele na rua, corriam ao seu encontro, rodeavam-no cheios de alegria como verdadeiros amigos, e foi assim que a gente batizou o padre Humberto: “o padre da rua”. Mas houve também outro aspeto da caridade pastoral do padre Humberto que lhe valeu aquele título: o contacto com os rapazes abriu-lhe o caminho para entrar nas casas de muitos doentes do bairro. A muitos deles, doentes de tuberculose ou de cancro, conseguiu administrar os Sacramentos e levar algum conforto material e espiritual.

1947 As Edições Salesianas

Para o seu quarto, que se tornara um autêntico depósito, o padre Humberto transportara todos os livros que tinha mandado imprimir em Mogofores. Além do trabalho de assistência na escola, tinha de tratar também da expedição dos livros, ajudado por um aluno. Foi neste período que o padre Humberto, de modo criativo e original, editou uma série de “quadros catequísticos a cores, coisa única na editoria católica, com o respetivo guia para os catequistas”.

Ao mesmo tempo, começou a sonhar uma casa para a livraria onde expor e vender os livros editados. Este desejo estava presente na sua oração que ele dirigia a Maria Auxiliadora. Não posso furtar-me a narrar como o padre Humberto encontrou a sede para as Edições Salesianas, visto que este acontecimento não só assume uma dimensão humana historicamente dada, mas foi determinado também por uma intervenção sobrenatural. O padre Humberto fala dela longamente nas suas memórias. Em síntese, estava a chegar a Casa numa quinta-feira à tarde, debaixo de chuva, sem guarda-chuva, desfiando o terço e pedindo uma casa para a livraria. “A certo ponto, narra o padre Humberto, no cruzamento com a rua Fernandes Tomás que ligava com a rua de Santa Catarina, parei um instante receando a chegada de algum carro. Uma voz parou-me: “É esta! É esta!”. Era já noite, olhei à volta: não havia ninguém. À minha frente, além da rua Fernandes Tomás, sobre a minha esquerda havia um edifício de quatro pisos, mas todo escuro. Então ignorava eu como se chamava a rua com a qual fazia esquina”. Nesse sábado, o padre Humberto participou num almoço da Primeira Comunhão de um pequeno e nesta ocasião perguntou aos presentes se podiam ajudá-lo a encontrar uma casa para a livraria. “Aqui no centro é coisa que não se encontra, comentaram os presentes, seria mais fácil na periferia”. “Mas uma livraria na periferia não tem sentido”, respondeu o padre Humberto, que passou logo a contar que na quinta-feira tinha vista um edifício de quatro andares com azulejos castanhos. Veio assim a saber, por uma convidada, que o edifício pertencia a uma senhora idosa chamada Filomena Mesquita, que lá morava ocupando poucos quartos juntamente com uma velha criada doméstica, e frequentava a paróquia de Santo Ildefonso. “Se por acaso a encontrasse não poderia perguntar-lhe se aluga alguns quartos para a minha obra? No futuro poderia até comprá-los”.

Na segunda-feira seguinte, a senhora que tinha assumido tal encargo encontrou a senhora Filomena na igreja, aproximou-se e referiu aquilo que o padre Humberto lhe tinha pedido: “O padre Humberto, o padre da rua, encarregou-me de lhe perguntar se lhe arrendava alguns quartos para uma obra. Poderia satisfazer o seu pedido?”. Após alguns instantes de silêncio, Filomena respondeu: “A minha casa não a alugo nem a vendo: ao padre Humberto ofereço-lha. Nesta semana irei eu mesma falar com ele”.

Assim foi, e uma semana depois a senhora Filomena apresentou-se ao padre Humberto confirmando a sua decisão com as mesmas palavras com que a tinha expressado na primeira vez: “V. Revª, padre Humberto, enviou a senhora Júlia a perguntar se lhe arrendo e, eventualmente, lhe vendo a minha casa na rua Dr. Alves da Veiga. Ora, estou aqui para lhe dizer que não a arrendo nem a vendo, a si ofereço-lha”. O padre Humberto desatou a chorar e instintivamente beijou-lhe a mão.

Um dia a senhora Filomena, enquanto mostrava o quarto onde tinha morrido a sua mãe, contou ao padre Humberto um episódio muito comovente e profético: “No último dia da sua vida (da mãe), estava eu apoiada à cabeceira com o coração a rebentar, quando a mãe me sussurrou: – Não chores, Filomena… Nossa Senhora veio ali, junto da cama, estava sorridente. Não me disse nada, mas mostrou-me que desta casa saíam e se difundiam por toda a parte muitas luzinhas iluminando tudo”. Depois, Filomena concluía: “Talvez seja esta a hora em que aquelas luzinhas saem desta casa em direção a tantos lugares! Será a realização daquela visão de minha mãe!”. O padre Humberto escreveu nas suas memórias: “Não disse mais nada. Eu escutei sem comentar; acreditei cegamente nas palavras da senhora porque incapaz de mentir. Mas na minha mente vi logo naquelas luzinhas os livros da futura editora”.

Terminadas as formalidades para o registo de propriedade da casa, o padre Humberto pensou logo em preparar uma Capela, e durante uma semana expôs o Santíssimo Sacramento para adoração em espírito de gratidão e agradecimento pela graça recebida. A notícia tornou conhecida a obra, alguns vizinhos mostraram-se generosos preparando e oferecendo um almoço. O padre Humberto deu à casa o nome de Maria Auxiliadora: “Pertencia-Lhe por direito”, comentou nas suas memórias. Encomendou, além disso, uma estátua em honra de Nossa Senhora que o provincial, padre Carrà, benzeu na Capela do Colégio.

O historiador salesiano português Amador Anjos[3], no seu livro Centenário da Obra Salesiana em Portugal 1894-1994 Ao serviço da juventude e do povo, escrito em 1995, sublinha como “antes da chegada do padre Humberto ao Porto em 1947, a voz Salesiana no campo editorial era muito débil enquanto os Salesianos, absorvidos como estavam pelos compromissos educativos quotidianos, não podiam dedicar-se a uma atividade que exigia homens disponíveis e capazes”[4]. “As iniciativas editoriais existentes diziam respeito à publicação do Boletim Salesiano em língua portuguesa, iniciada em 1902, para Portugal e Brasil, a publicação nos anos ‘20 da revista Juventude Missionária, adaptação da revista italiana Gioventù Missionaria, também as Oficinas de S. José de Lisboa tinham publicado já antes de 1910 e a partir de 1930, alguns livros de um certo nível. Mas é só a partir de 1947, graças às iniciativas do padre Humberto Maria Pasquale, que são lançadas as bases da Editora Salesiana do Porto, iniciada poucos anos antes em Mogofores. Com a sua atenção aos jovens e às camadas populares, as Edições Salesianas desenvolvem-se rapidamente, até ocupar um lugar considerável ao lado de outras editoras católicas como as Edições Franciscanas, as Paulinas, e outras. A Casa editora salesiana do Porto, fiel à sua orientação para os jovens e para as camadas populares, distingue-se pelas suas publicações de caráter religioso e didático, especificamente no campo catequético em sinergia com a LDC italiana e a correspondente espanhola CCS (Centro Catequético Espanhol). Juntamente com a editora funciona também uma livraria, a Livraria Salesiana do Porto, com duas filiais, uma em Évora (desde 1996) e outra em Lisboa desde 1979”[5].

Ao serviço da caridade e da verdade. Rosas e espinhos.

O padre Humberto depressa se tornou conhecido também como pregador competente e foi chamado a diversas paróquias. Na Quinta-Feira Santa de 1948 pregou numa paróquia na periferia do Porto sobre o tema: “O grande mandamento de Jesus sobre a caridade”. Naquele tempo a vida em Portugal era sobretudo agrícola, com os grandes proprietários de terras e poucas pequenas indústrias. O padre Humberto tinha visto, em diversas localidades onde tinha pregado, gente que andava descalça e a mendicidade era um dos meios mais comuns para sobreviver. Na pregação de Quinta-Feira Santa verberou duramente esta chaga social. O padre Humberto não sabia que o microfone do púlpito estava ligado em direto a uma rádio de fundação e de orientação católica e a pregação foi transmitida para Portugal inteiro. Alguns dias depois, recebeu a visita de dois polícias com ordem de averiguar, visto que de todo Portugal tinham chegado acusações contra ele da parte de muitos proprietários de terras. O padre Humberto entregou aos dois polícias o texto da pregação. Uma semana depois, um polícia devolveu-lhe o texto escrito dizendo-lhe: “O nosso responsável leu tudo e transmitiu o conteúdo ao Ministério. Não encontraram nada que mereça condenação. Antes disse-me: – Se todos os padres, em vez de andar de braço dado com os ricos, pregassem as verdades do Evangelho na sua exigência, não teríamos tanta disparidade entre as pessoas nem tanta miséria”.

No verão de 1948 o padre Humberto recebeu do padre Berruti a obediência de regressar à Itália, onde foi enviado para o Centro Catequístico Salesiano de Turim. Tinha 42 anos e pôs ao serviço da evangelização a experiência adquirida em Portugal até àquele momento e de modo criativo enfrenta os desafios do momento. A grande intuição que teve no campo catequético dizia respeito à infância. Nos anos ’50 deu-se conta de que não bastava formar catequistas e mobilizar o clero, mas era necessário envolver os pais e formar as mestras das escolas primárias. Naqueles anos estava a difundir-se na Itália a organização comunista dos Pionieri, que alistava crianças e adolescentes. O padre Humberto empenhou-se a estudar a psicologia da infância e a didática daquela idade. Especializou-se assim no setor da instrução religiosa na creche e na escola primária, publicou subsídios e audiovisuais, dirigiu o fascículo da revista Catechesi que se ocupava das crianças.

Para a “Crociata Catechistica” o padre Humberto percorreu a Itália, sobretudo o Sul, juntamente com um irmão. Faziam-se missões ao povo, encontros com os sacerdotes e seminaristas, semanas catequísticas. O serviço que prestou à Igreja italiana foi imponente. “Foi nestas viagens que me convenci da necessidade de um manual para a preparação dos catequistas”. O livro que ele preparou e publicou com o título “Vai e ensina!” saiu em duas edições com um total de 23.000 exemplares.

Foi durante uma missão catequística na Sicília, em outubro de 1955, que o padre Humberto veio a saber, de um modo extraordinário, da morte de Alexandrina Maria da Costa, beatificada por S. João Paulo II em 2004. Merece ser recordado antes de terminar este trabalho. O padre Humberto encontrava-se em Terrasini para concluir o seu trabalho após dois meses de missão. No dia seguinte, no fim da celebração da Santa Missa às sete da manhã, uma senhora foi à sacristia pedindo para falar com ele. “A senhora em atitude muito humilde, narra o padre Humberto, disse-me: ‘Enquanto o senhor estava a celebrar, veio Nossa Senhora e encarregou-me de lhe transmitir isto: Alexandrina morreu e já está no Céu. Eu não sei quem é esta Alexandrina, o senhor saberá… mas Nossa Senhora disse-me assim, melhor, acrescentou: – Diz ao Padre que não fique triste, porque a Alexandrina está próxima dele. – Ao dizer estas palavras, vi sobre os seus ombros uma pomba alvíssima. Por fim, quando o senhor estava inclinado sobre o altar, para dar a bênção ao povo, Nossa Senhora pôs sobre a sua cabeça a sua mão em que tinha alguma coisa que não vi e acrescentou: ‘Descansa, descansa, meu filho, que um grande trabalho te espera’. Depois desapareceu tudo”. Na realidade, o padre Humberto dali a pouco escreverá a biografia da Alexandrina e será chamado a Portugal pelo Arcebispo de Braga para se ocupar da causa de beatificação e canonização da Alexandrina.

E, por fim, duas Obras significativas para a assistência e formação cristã das crianças tê-lo-ão como protagonista e fundador: em 1956 fundou a escola maternal dirigida pelas Filhas de Maria Auxiliadora em Rocca Malatina, terra natal de sua mãe, e a escola maternal em Vignole Borbera em 1968. Esta última iniciativa nascera da constatação, como narra o padre Humberto, “que na minha terra as crianças não tinham assistência nem instrução religiosa. Falei acerca disso com o pároco, padre Catto, que acolheu a iniciativa”. Mas estava renitente a contribuir para as despesas na realização da obra porque tinha de fazer face aos custos da restauração da igreja paroquial. Muitas vezes o padre Humberto discutia com ele por este motivo e dizia-lhe: “A Igreja não são tanto as paredes, mas as almas. Para que servem os mármores, o órgão, as decorações, se a igreja estiver deserta, se as pessoas se afastarem da prática religiosa?”. Em auxílio do padre Humberto vieram, uma vez mais, duas benfeitoras, as irmãs Maceira, que durante a sua vida o tinham sempre generosamente ajudado.

Saltamos o iter da realização do projeto. Por fim “Maria Auxiliadora passou a ter o seu trono na minha terra, comenta o padre Humberto, a infância passou a ter instrução religiosa e a juventude feminina o oratório festivo. A igreja paroquial passou a ter uma vida que não conhecia: cânticos, leituras, catequeses, retiros, reuniões de mães”. A Irmã Lúcia de Fátima, no dia 24 de setembro de 1968, escrevia-lhe: “Apresento-lhe as minhas felicitações pela escola que conseguiu abrir na sua terra; que ela dê glória a Deus como nós desejamos e pedimos”. Com a Irmã Lúcia encetou uma relação epistolar que durou por toda a vida, compartilhando a mensagem de Fátima e contribuindo para a sua difusão através de muitas publicações.

Apagou-se em Rivoli (Turim), no dia 5 de março de 1985, após dois anos de sofrimentos físicos. Na pequena lembrança distribuída no seu funeral estava escrito: Pai, quando já estava a escurecer, Tu roubaste-o à noite para o conduzir à luz. Chamaste-o com Jesus, teu Filho, deste mundo para Ti. Ora por nós, padre Humberto, a vida é verdadeiramente ‘Pasquale’” (=Pascal).

A 5 de fevereiro de 1989, os salesianos de Mogofores, para comemorar o cinquentenário da sua fundação, em sinal de gratidão para com o padre Humberto, fundador da Obra, inauguraram um busto seu de bronze. A expressão do rosto manifesta um coração salesiano cheio de amor a Deus e aos jovens. As mãos: a direita segura o primeiro livro das “Edições Salesianas”, a esquerda indica a Casa de Mogofores de que foi fundador.

No passado dia 26 de setembro (2018) os Salesianos de Mogofores, com a presença do Provincial, Pe. Aníbal Mendonça, e da comunidade salesiana do Porto, celebraram os 80 anos da fundação desta obra, precisamente na data em que ela ocorreu a 26 de setembro de 1938. As duas comunidades salesianas, de Mogofores e do Porto, reuniram-se para o retiro mensal, desta vez em Mogofores. No fim do tema de reflexão e de uma breve apresentação dos inícios da obra, as duas comunidades deslocaram-se em breve romagem simbólica até junto do busto do padre Humberto Maria Pasquale, para uma foto comemorativa dos 80 anos, enquanto com gratidão se recordava que “quem semeou o carisma salesiano neste lugar era um homem de Deus”. Todavia a comemoração desta data memorável teve como momento central a bela Concelebração Eucarística, no Santuário de Nossa Senhora Auxiliadora, presidida pelo padre Provincial, que na homilia sublinhou com entusiasmo e fervor alguns aspetos mais relevantes da figura carismática e generosa do padre Humberto e dos inícios desta Obra.


[1] A CURA DEL CENTRO STUDI OPERA DEI TABERNACOLI VIVENTI,IL Monello di Dio, don Umberto M. salesiano, Editora ELLEDICI, Torino, 2006.

[2] AMADOR ANJOS, Centenário da Obra Salesiana em Portugal 1894-1994, Lisboa, 1995.

[3] Amador Anjos 1919-2017, professor e historiador salesiano, poucos meses antes da sua morte recebeu as insígnias de Membro Honorário da Academia Portuguesa de História.

[4] Pág. 76

[5] AMADOR ANJOS, Centenário da Obra Salesiana em Portugal 1894-1994. Edições Salesianas, 1995, Porto.

Artigos Relacionados