“Ele salva e Ele liberta, faz milagres e prodígios no céu e na terra: foi Ele quem livrou Daniel das garras dos leões.” Daniel 6,28
Sonhamos porque amamos… Pouso as mãos na folha branca acetinada e cerro os olhos numa noite escura. Em pinceladas largas de malva e azul índigo, deixo que sejas Tu o meu guia. Como num sonho – um sonho dentro de outro sonho. Entre as brumas vaporosas do copo de água em que agito os meus pincéis, eis o palco, adornado de feras selvagens que rugem ameaças entre rapazes em tumulto. É um reino onde a natureza parece estar em revolta contra a própria Criação. Onde toda a esperança parece findar, lá estás Tu, enorme, feito de Luz. Sob as tuas mãos, de mandíbulas fechadas, os leões serenam e no calor do teu gesto aquietam-se os rugidos e latidos. Desenho tudo isto avidamente, como quem quer dar testemunho de coisas indescritíveis… A grafite resvala na superfície colorida e quase que oiço, no eco da Tua voz, sussurros e segredos sobre todos os mistérios e sobre a eternidade. Não percebo o que me pedes, mas no meu peito extinguiu-se toda a inquietude e rebelião. – Quem sois vós? – perguntei…
Sonhamos porque somos amados. Fito a folha ensopada numa profusa comoção de água doce. Sou como o Nilo que encontra foz na forma das tuas profecias. Em gestos largos regresso ao esboço dos volumes e expressões do Teu semblante. “Avé Maria cheia de graça, o Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres, e bendito é o fruto do Vosso ventre, Jesus…” Ao teu lado, a Mãe e Mestra, suavemente pintada em azul cerúleo e rosa magenta. À frente, na investida, mansos e meigos cordeiros, em passos confiantes sobre o manto do véu aquoso da minha fantasia. Uma fábula feita Milagre, um sonho realizado numa vida.
Sonhamos porque sabemos que somos amados. – Sabemos que somos amados! Dizes-me tu no teu olhar meigo, ainda menino. E depois partes, sem medo. Um aceno confiante e, saltimbanco, mostras, pé ante pé, na ponta dos dedos, a linha invisível do teu caminho. Com cuidado reverencial ainda pinto sob os teus passos, Joãozinho, um manto de nuvens feito de amarelo nápoles, branco da china e uma pitada de carmim. Uma rede de trapezista, pigmentária, tecida para a tua segurança e auxílio.
Ora que ideia a minha… em boa hora recordo: – Confiai… e vereis o que são milagres!
Texto e Ilustração: Nuno Quaresma
“Avançamos no Sonho” Publicado no Boletim Salesiano n.º 601 de janeiro/fevereiro de 2024
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