Imagem do cartaz de apresentação do Lema do Reitor-mor para 2025

Apresentação do Lema do Reitor-Mor para 2025

ANCORADOS NA ESPERANÇA,
PEREGRINOS COM OS JOVENS

Caríssimas irmãs e irmãos pertencentes aos diversos grupos da Família Salesiana de Dom Bosco, recebam a mais cordial saudação no início deste novo ano de 2025!

É com emoção que me dirijo a todos, e a cada um de vós, neste tempo de Graça marcado por dois importantes acontecimentos para a vida da Igreja e para a da nossa Família: o Jubileu do ano 2025, solenemente iniciado no passado dia 24 de dezembro, com a abertura da Porta Santa da Basílica de São Pedro, no Vaticano, e a celebração do 150º aniversário da primeira expedição missionária, tão querida pelo nosso Pai Dom Bosco, com a partida no dia 11 de novembro 1875, para a Argentina e, em simultâneo, para outros países do continente americano.

Trata-se de dois importantes acontecimentos que têm na esperança o seu ponto de encontro. Com efeito, o Papa Francisco indicou exatamente estas virtudes como perspetiva ao proclamar o Jubileu; do mesmo modo a experiência missionária é portadora de Esperança para todos: para os que partiram (e partem) e para aqueles que foram alcançados pelos missionários.

O ano que nos é oferecido apresenta-se, portanto, rico de motivações para o nosso crescimento concreto e quotidiano, a fim de que a nossa humanidade se torne fecunda na atenção aos outros… Isto só acontecerá nos corações que colocarem Deus no centro, a tal ponto de poderem afirmar: «Antes de mim coloquei-te a ti».

Neste meu comentário tentarei pôr em evidência estes elementos, para aprofundar, em chave carismática, o quanto a Igreja é convidada a viver, ao longo deste ano, e colocar em destaque aquilo que para nós, Família de Dom Bosco, nos deve guiar para novos horizontes.

1. AO ENCONTRO DE CRISTO, NOSSA ESPERANÇA, PARA RENOVAR O SONHO DE DOM BOSCO

O título do Lema evidencia o entrelaçar de dois acontecimentos: o jubileu ordinário do ano 2025 e o 150º aniversário da primeira expedição missionária enviada, por Dom Bosco, para a Argentina.

A concomitância, a que ouso chamar “providencial” dos dois acontecimentos torna 2025 um ano, decididamente, extraordinário para todos nós e, mais ainda, para os Salesianos de Dom Bosco. Com efeito, nos meses de fevereiro, março e abril realizar-se-á a celebração do Capítulo Geral 29 que conduzirá, entre outras coisas, à eleição do novo Reitor-Mor e do novo Conselho Geral.

Acontecimentos globais e particulares, portanto, que nos envolvem a diferentes títulos e que queremos viver com profundidade e intensidade. Porque é precisamente graças a estes acontecimentos que podemos sentir a alegria de ir ao encontro de Cristo e a importância de permanecer ancorados na Esperança.

1.1. O Jubileu

«Spes non confundit! A esperança não desilude!» .1
É assim que o Papa Francisco nos apresenta o Jubileu. Que maravilha! Que indicação “profética”!

O Jubileu, uma peregrinação para colocar de novo Jesus Cristo no centro da nossa vida e da vida do mundo. Porque Ele é a nossa esperança. Ele é a Esperança da Igreja e do mundo inteiro!

Todos temos consciência de que, hoje, o mundo precisa daquela esperança que nos coloca em relação com Cristo e com os outros irmãos e irmãs. Está ao serviço daquela esperança que nos torna peregrinos, que nos põe em movimento e nos faz caminhar.

Falamos da esperança como redescoberta da presença de Deus. Escreve o Papa Francisco: «A esperança encha o coração»2 , não só aqueça o coração, mas que o encha, que o encha numa medida transbordante!

1.2. O aniversário da primeira expedição missionária salesiana

E desta esperança transbordante estavam cheios os corações dos participantes da primeira expedição missionária salesiana para a Argentina, há 150 anos.

Dom Bosco, de Valdocco, projeta o coração para além de todas as fronteiras, enviando os seus filhos para outra parte do mundo! Envia-os para além de toda a segurança humana, envia-os para levar por diante aquilo que ele havia começado. Põe-se a caminho com os outros, esperando e infundindo esperança. Envia-os e basta e os primeiros (jovens) irmãos partem e vão. Para onde? Nem sequer eles sabem! Mas confiam-se à esperança, obedecem. Porque é a presença de Deus que os guia.

Naquela obediência, rica de entusiasmo, encontra nova energia também a nossa atual Esperança e impele-nos a pôr-nos a caminho como peregrinos.

Por isso é que este aniversário se celebra: porque nos ajuda reconhecer um dom (não uma conquista pessoal, mas um dom gratuito, do Senhor), permite-nos recordar e, pela recordação, a tomar força para enfrentar e construir o futuro.

Portanto, vivemos, hoje, para tornar possível este futuro e fazemo-lo do único modo que julgamos possível: partilhando com os jovens, e com todas as pessoas dos nossos ambientes (começando pelos mais pobres e esquecidos), a viagem para ir ao encontro de Cristo, nossa Esperança.

O JUBILEU: CRISTO NOSSA ESPERANÇA

Jubileu significa caminhar juntos, ancorados em Cristo, nossa esperança. Mas o que quer isto dizer de facto?

Retomo os elementos da Bula de proclamação do Jubileu 2025, que põem em evidência algumas características da esperança.

2.1. Peregrinos, ancorados na esperança cristã

Estamos convencidos de que nada, nem ninguém, poderá separar-nos de Cristo 3. Porque é a Ele que queremos e devemos permanecer agarrados, ancorados. Não podemos caminhar sem a nossa âncora.

A âncora da esperança é, portanto, Cristo o mesmo, que leva os sofrimentos e as feridas da humanidade na Cruz à presença do Pai.

Com efeito, a âncora tem a forma da cruz, e por isso estava representada, também, nas catacumbas para simbolizar a pertença dos fiéis defuntos a Cristo Salvador.

Esta âncora está já solidamente amarrada no porto da salvação. A nós cabe-nos a tarefa de amarrar, a nossa vida, à corda que liga a nossa nau à âncora de Cristo.

Nós navegamos nas ondas agitadas pelo mar e temos necessidade de nos ancorarmos a algo de sólido. Mas a tarefa agora já não é a de lançar a âncora e de a fixar no fundo do mar. A nossa tarefa é a de amarrar a nossa nau à corda que, por assim dizer, está pendente do Céu, lá onde a âncora de Cristo está solidamente fixada. Atando-nos a esta corda, atamo-nos à âncora da salvação e tornamos a nossa esperança certa.

A esperança é certa quando a barca da nossa vida está atada àquela corda que nos liga à âncora que está fixada em Cristo crucificado, que está à direita do Pai, isto é, na comunhão eterna do Pai, no amor do Espírito Santo 4.

Tudo está bem expresso na oração litúrgica da solenidade da Ascensão do Senhor:

«Exulte de santa alegria a vossa Igreja, ó Pai, pelo mistério que celebra nesta liturgia de louvor, pois na ascensão de Cristo a nossa humanidade foi elevada junto a Vós, e nós, membros do seu corpo, vivemos na esperança de alcançar Cristo, nossa cabeça, na glória» 5.

O escritor e político checo Vaclav Havel define a esperança como um estado de ânimo, uma dimensão da alma. Não depende da observação prévia do mundo, não se trata de uma previsão.

Byung-Chul Han, filósofo alemão, acrescenta: “a esperança é uma orientação do coração que transcende o mundo imediato da experiência, é uma ancoragem em alguma parte para lá do horizonte.

As raízes da esperança encontram-se no transcendente: eis porque não é a mesma coisa ter esperança ou estar satisfeito porque as coisas correm bem. Poderemos pensar que esperar seja simplesmente querer sorrir à vida para que ela por sua vez nos sorria e, ao invés, não, devemos aprofundar mais, devemos percorrer aquela corda que nos leva em direção à âncora.

A esperança é a capacidade que cada um tem de trabalhar para algo porque é justo fazê-lo, não porque aquele algo terá um sucesso garantido. Poderia ser um falhanço, poderia correr mal: nós não esperamos que corra bem, não somos otimistas. Trabalhamos para que isto aconteça. Por isso é que a esperança não é igual ao otimismo. A esperança não é a convicção de que algo correrá bem, mas a certeza de que algo tem sentido independentemente do seu resultado.

Fazer algo porque tem sentido: precisamente, nisto consiste a esperança que pressupõe valores e pressupõe a fé.

É isto que lhe dá a força para viver, e nos dá a força para tentar algo uma e outra vez, mesmo no desespero” 6.

Mas como se pode caminhar estando ancorado? A âncora é para ti um lastro, trava-te, fixa-te. Onde te leva este caminho? Leva à eternidade.

2.2. Esperança como caminho para Cristo, caminho para a vida eterna

A promessa de vida eterna, precisamente por ser feita a cada um de nós, não desmonta o caminho da vida, não é um salto em altura, não propõe subir num foguete que se desprende da terra e voa no espaço, deixando na terra o caminho, a poeira do caminho, nem deixa andar a nau à deriva, no meio do mar, sem nós.

Esta promessa é precisamente uma âncora que se fixa no eterno, mas à qual permanecemos ligados por uma corda que dá segurança à nau que atravessa o mar. É precisamente o facto de estar fixada no Céu que permite à nau não ficar parada no meio do mar, mas avançar através das ondas.

Se a âncora de Cristo atasse o homem ao fundo do mar, todos nós ficaríamos parados onde estamos, talvez tranquilos, sem problemas, mas parados, sem viajar, sem avançar. Ao invés, precisamente a ancoragem da vida ao Céu faz com que a promessa que a nossa esperança suscita não suspenda o caminho, não dê a segurança de um refúgio no qual fechar-se e parar, mas dá-nos uma certeza no caminhar e no continuar o caminho. A promessa de uma meta segura, une-nos a Cristo, torna firme e decidido qualquer passo no caminho da vida.

É importante entender o Jubileu como uma peregrinação, como um convite a pôr-se em movimento, para sair de si para ir ao encontro de Cristo

Jubileu, então, é desde sempre sinónimo de caminho. Se desejas verdadeiramente Deus, deves mover-te, deves caminhar. Porque o desejo de Deus, a nostalgia de Deus faz com que te movas para o encontrar e, simultaneamente, conduz a reencontrar-te a ti mesmo e aos outros.

«Nascemos e nunca mais morreremos» 7.
É belo e significativo o título da biografia da Serva de Deus, Chiara Corbella Petrillo. Sim, porque o nosso vir ao mundo está orientado para a vida eterna. A vida eterna é uma promessa que arromba a porta da morte abrindo-nos ao “face a face com Deus”, para sempre. A morte é uma porta que se fecha e, ao mesmo tempo, um portão que se abre de par em par ao encontro definitivo com Deus!

Sabemos como era vivo em Dom Bosco o desejo do céu, proposto e partilhado alegremente com os jovens do Oratório.

2.3. CARACTERÍSTICAS DA ESPERANÇA

2.3.1. A esperança, tensão contínua, pronta, visionária e profética

Gabriel Marcel 8, o assim chamado filósofo da esperança, ensina-nos que a esperança se encontra no tecido de uma experiência contínua, esperar significa dar crédito a uma realidade enquanto portadora de futuro.

Eric Fromm9 escreve que a esperança não é uma espera passiva, mas uma tensão contínua, constante. É como um tigre agachado que só salta quando é o momento exato.

Ter esperança é estar sempre vigilante, para tudo o que ainda não aconteceu. Tinham esperança as virgens que aguardavam o esposo com as lâmpadas acesas. Tinha esperança Dom Bosco perante as dificuldades e ajoelhava-se a rezar.

A esperança está pronta no momento em que tudo está prestes a nascer. Ela está vigilante, atenta, à escuta, capaz de guiar na criação de algo de novo, no dar vida ao futuro na terra. Por isso é “visionária e profética”. Focaliza a nossa atenção naquilo que ainda não existe, é ela quem ajuda a dar à luz algo de novo.

2.3.2. A esperança é desafio sobre o futuro.

Sem esperança não há revolução, nem futuro, só há o presente feito de otimismo estéril.

Pensa-se com frequência que quem espera é um otimista, ao passo que o pessimista é, essencialmente, o seu oposto. Não é assim. É importante não confundir a esperança com o otimismo. A esperança é muito mais profunda, porque não depende de humores, sensações ou sentimentalismos. A essência do otimismo é a positividade inata. O otimista vive convencido de que, de algum modo, as coisas vão melhorar. Para um otimista o tempo é fechado, não contempla o futuro: tudo há de correr bem e basta.

Paradoxalmente, também para o pessimista o tempo é fechado: encontra-se interpolado no presente como uma prisão, nega tudo sem se aventurar noutros mundos possíveis.

O pessimista é teimoso como o otimista, ambos são cegos às possibilidades, porque o possível parece-lhes alheio, falta-lhes a sua paixão pelo possível.

Ao contrário de ambos, a esperança aposta no que pode ir além do que poderia ser.

E também, o otimista (tal como o pessimista), não age, porque toda a ação comporta um risco e desde o momento em que não quer correr esse risco, fica parado, não quer fazer experiência do falhanço.

Pelo contrário, a esperança move-se para buscar, tenta encontrar uma direção, dirige-se para aquilo que não conhece, caminha para as coisas novas. Isto é o peregrinar de um cristão.

2.3.3. A esperança não é um facto privado

Todos nós levamos esperança no coração. Não é possível não esperar, mas também é verdade que pode haver ilusões, considerando perspetivas e ideais que nunca se realizarão, que são apenas quimeras e falsas promessas.

Muita da nossa cultura, especialmente ocidental, está cheia de falsas esperanças que iludem e destroem ou podem arruinar, irremediavelmente, a existência de alguns e, até, de sociedades inteiras.

De acordo com o pensamento positivo basta substituir os pensamentos negativos por outros positivos para se viver mais feliz. Através deste simples mecanismo, os aspetos negativos da vida são omitidos completamente e o mundo aparece como um mercado, por exemplo, a Amazon que nos fornecerá tudo o que quisermos, graças à nossa atitude positiva.

Conclusão, se bastasse a nossa vontade de pensar positivamente para ser feliz, então cada um seria o único responsável pela sua própria felicidade.

Paradoxalmente, o culto da positividade isola as pessoas, torna-as egoístas e destrói a empatia, porque as pessoas estão cada vez mais preocupadas apenas consigo mesmas e não se interessam pelo sofrimento dos outros.

A esperança, ao contrário do pensamento positivo, não evita os aspetos negativos da vida, não isola, mas une e reconcilia, porque o protagonista da esperança não sou eu, focalizado no meu ego, entrincheirado, exclusivamente, em mim mesmo, o segredo da esperança somos nós.

Por isso, irmãs da Esperança são o Amor, a Fé e a Transcendência.

3. A ESPERANÇA FUNDAMENTO DA MISSÃO

3.1. A esperança é um convite à responsabilidade

A esperança é um presente e, como tal, é transmitido a todos aqueles que encontramos ao longo do nosso caminho.

São Pedro afirma-o claramente: «Sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça»10. Ele convida-nos a não ter medo, a agir no quotidiano, a dar razão – quanto espírito salesiano nesta palavra “razão”! – da esperança. É esta uma responsabilidade para o cristão. Se somos mulheres e homens de esperança, vê-se!

«Dar razão da esperança que há em nós», torna-se anúncio da “boa nova” de Jesus e do seu Evangelho.

Mas porque é necessário responder a quem nos peça razão da esperança que há em nós? E porque sentimos a necessidade de reencontrar esperança?

Na Bula de proclamação do Jubileu Spes non confundit, o Papa Francesco recorda que «todos, na realidade, sentem a necessidade de recuperar a alegria de viver, porque o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26), não pode contentar-se com sobreviver ou ir vivendo nem se conformar com o tempo presente, satisfazendo-se com realidades apenas materiais. Isto fecha-nos no individualismo e corrói a esperança, gerando uma tristeza que se aninha no coração, tornando-nos amargos e impacientes» 11.

É uma observação impressionante porque descreve toda a tristeza que respiramos nas nossas sociedades e comunidades. É uma tristeza disfarçada de falsa alegria, aquela que é constantemente anunciada, prometida e garantida pelos média, pela publicidade, pela propaganda dos políticos, por tantos falsos profetas do bem-estar. Contentar-se com o bem-estar impede-nos de nos abrirmos para um bem muito maior, mais verdadeiro, muito mais eterno: aquele que Jesus e os apóstolos chamam de “a salvação da alma, a salvação da vida”; um bem pelo qual Jesus nos convida a não ter medo de perder a vida, os bens materiais, as falsas seguranças que, muitas vezes, desabam num instante.

Sobre estas “perguntas”, mais ou menos expressas (também pelos jovens), temos o dever de «dar razão». O que desejo para os jovens e para todas as pessoas que encontro no meu caminho? Que gostaria de pedir a Deus para eles? Como gostaria que mudasse a sua vida?

Só existe uma resposta: a vida eterna. Não só a vida eterna como um estado sublime que podemos alcançar depois da morte, mas a vida eterna possível aqui e agora, a vida eterna como a define Jesus: «Esta é a vida eterna: que te conheçam a ti, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo» 12, isto é uma vida definida, iluminada pela comunhão com Cristo e, através d’Ele, com o Pai.

A nós cabe a tarefa de acompanhar as gerações mais jovens neste caminho para a vida eterna, na ação educativa que nos distingue. Uma ação que para nós, Família Salesiana, é uma missão. E o que move esta nossa missão? Sempre Cristo, a nossa esperança.

Com efeito, a missão educativa tem no centro a esperança.

Em conclusão, a esperança de Deus nunca é só esperança para si. É sempre esperança para outros: não nos isola, torna-nos solidários E estimula-nos a educar-nos reciprocamente na verdade e no amor.

3.2. A esperança pede coragem à comunidade cristã na evangelização.

Coragem e esperança formam uma combinação interessante. Com efeito, se é verdade que é impossível não esperar, é igualmente verdade que, para esperar, é necessário ter coragem.

A coragem nasce do ter o mesmo olhar de Cristo, capaz de esperar contra toda a esperança 13, de ver uma solução mesmo onde, aparentemente, parece não existir uma saída. E como é “salesiana” esta atitude!

Tudo isto requer a coragem de sermos nós mesmos, de reconhecer a própria identidade no dom de Deus e de investir as próprias energias numa responsabilidade precisa. Conscientes do facto de que, aquilo que nos foi confiado, não é nosso, e que temos a responsabilidade de o transmitir às próximas gerações. Este é o coração de Deus, esta é a vida da Igreja.

Uma atitude que também encontramos na primeira expedição missionária.

Considero muito útil a referência ao art. 34 das Constituições dos Salesianos de Dom
Bosco: tal artigo põe em evidência aquilo que se encontra no coração do nosso movimento carismático e apostólico. Sugiro a cada um dos grupos da nossa articulada e
bela Família que retome os mesmos elementos que aqui ofereço, relendo as respetivas Constituições e Estatutos.

O artigo tem como título: Evangelização e catequese e reza assim:

«’Na sua origem esta Sociedade era uma simples escola de catequese’. Também para nós a evangelização e a catequese constituem a dimensão fundamental da nossa missão.
Tal como Dom Bosco, somos chamados, todos e em todas as ocasiões, a ser educadores da fé. A nossa ciência mais eminente consiste, pois, em conhecer Jesus Cristo, e a alegria mais profunda está em revelar a todos as riquezas insondáveis do seu mistério.
Caminhamos com os jovens para os conduzir à pessoa do Senhor ressuscitado, a fim de que, descobrindo n’Ele e no seu Evangelho o sentido supremo da existência, possam crescer como homens novos.
A Virgem Maria é uma presença materna nesta caminhada. Fazemo-la conhecer e amar como Aquela que acreditou, que ajuda e infunde esperança».

Este artigo representa o coração pulsante que delineia bem, mesmo para este Lema, quais são as energias e as oportunidades como cumprimento e atualização do “sonho global” que Deus inspirou a Dom Bosco.

Se viver o Jubileu é, antes de tudo, fazer com que que Jesus esteja e volte a estar em primeiro lugar, o espírito missionário é a consequência desta reconhecida primazia, que reforça a nossa esperança e se traduz naquela caridade educativa e pastoral que leva a anunciar, a todos, a pessoa de Jesus Cristo. Este é o Coração da evangelização e caracteriza a autêntica missão.

É significativo recordar o início da primeira encíclica de Bento XVI, Deus caritas est:

«Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» 14.

Portanto, prioritário e fundamental é o encontro com Cristo, não a simples difusão de uma doutrina, mas uma profunda experiência pessoal de Deus que impele a comunicá-l’O, a dá-l’O a conhecer e a experimentar, tornando-nos verdadeiros “mistagogos” da vida dos jovens.

3.3. «Da Mihi Animas»: o “espírito” da missão

Dom Bosco mantinha sempre diante dos olhos uma frase que os jovens podiam ler ao passar diante do seu quarto, uma expressão que impressionou particularmente Domingos Sávio: «Da mihi animas cetera tolle».

Há um fundamental equilíbrio que une, neste mote, as duas prioridades que guiaram a vida de Dom Bosco – e a que significativamente chamamos “graça de unidade” – que nos permitem salvaguardar, sempre, a interioridade e a ação apostólica.

Leia também  Dom Bosco na EXPO 2015

Se no coração faltasse o amor de Deus, como poderia haver verdadeira caridade pastoral? E ao mesmo tempo, se o apóstolo não descobrisse o rosto de Deus no próximo, como se poderia dizer que ama a Deus?

O segredo de Dom Bosco é o de ter vivido, pessoalmente, o único «movimento de caridade para com Deus e para com os irmãos» 15, que carateriza o espírito salesiano.

3.3.1. As atitudes do enviado

São dois os sonhos-chave da vida de Dom Bosco, nos quais são evidentes as atitudes do apóstolo, daquele que é enviado:

  • o “Sonho dos Nove Anos”, no qual Jesus e Maria pedem a Joãozinho que se torne humilde, forte e robusto com a obediência e a ciência, recomendando-lhe sempre a bondade para conquistar o coração dos jovens, e tendo sempre Maria como mestra e guia;
  • o “Sonho do caramanchão de rosas” que indica a paixão na vida salesiana que exige ter os “bons sapatos” da mortificação e da caridade.
3.3.2. Reconhecer, Repensar e Relançar.

Celebrar o 150.° aniversário da primeira expedição missionária de Dom Bosco representa um grande dom para

  • Reconhecer e agradecer a Deus.
    O reconhecimento torna evidente a autoria de qualquer bela realização. Sem
    reconhecimento não há capacidade de acolher. Todas as vezes que na nossa vida pessoal
    e institucional não reconhecemos um dom, corremos, seriamente, o risco de o tornar vão e de “nos tornarmos donos dele”.
  • Repensar, porque “nada é Para Sempre”.
    A fidelidade comporta a capacidade de mudar, na obediência, para uma visão que vem de Deus e da leitura dos “sinais dos tempos”. Nada é para sempre: do ponto de vista pessoal e institucional, a verdadeira fidelidade é a capacidade de mudar, reconhecendo aquilo a que o Senhor nos chama.
    Repensar, então, torna-se um ato generativo, em que se unem fé e vida; o momento no qual se pergunta: o que quer o Senhor dizer-nos com esta pessoa, com esta situação,
    à luz dos sinais dos tempos que, para serem lidos, requerem ter mesmo o coração de Deus?
  • Relançar, recomeçar todos os dias.
    O reconhecimento leva a ver longe e a acolher os novos desafios, relançando a missão com esperança. A Missão é levar a esperança de Cristo com a consciência lúcida e clara, ligada à fé, que faz reconhecer que tudo quanto vejo e vivo “não é propriedade minha”.

4. UMA ESPERANÇA JUBILAR E MISSIONÁRIA QUE SE TRADUZ EM VIDA CONCRETA E QUOTIDIANA

4.1. A esperança força no quotidiano que exige testemunho

São Tomás de Aquino escreve: «Spes introducit ad caritatem» 16, a esperança prepara e predispõe, a nossa vida, a nossa humanidade, à caridade. Uma caridade que é também justiça, ação social.

A esperança precisa do testemunho. Estamos no coração da missão, porque a missão não é fazer coisas, antes de tudo, mas é testemunho daquele que viveu uma experiência e a narra. A testemunha é portadora de uma memória, suscita perguntas a quem encontra, provoca estupefação.

O testemunho da esperança requer uma comunidade, é obra de um sujeito coletivo e é contagioso, como é contagiosa a nossa humanidade, porque o testemunho é a ligação com o Senhor.

A esperança no testemunho da missão constrói-se de geração em geração, entre adultos e jovens: esta é a via de futuro. Na nossa cultura o consumismo come o futuro, a ideologia do consumo apaga tudo no “aqui e agora”, no “tudo e já”. Porém, não podemos consumir o futuro, não nos podemos apropriar do que é diferente de nós, não nos podemos apropriar do outro.17

Na construção do futuro, a esperança é a capacidade de prometer e manter as promessas… coisa esplêndida e rara no nosso mundo. Prometer é esperar, pôr em movimento, por isso – como disse –, a esperança é caminho, é a energia mesma do caminho.

4.2. A esperança é arte da paciência

Toda a vida, todo o dom, tudo, para crescer, precisa de tempo. Assim, também os dons de Deus, requerem tempo para amadurecer. É por isso que na nossa época em que, tudo e já, no nosso “consumir” o tempo e a vida, nos é pedido que demos alento e força à virtude da paciência: porque a esperança realiza-se na paciência18. Com efeito, a esperança e a paciência estão intimamente interligadas.

A esperança comporta a capacidade de saber esperar, de aguardar o crescimento, como que a dizer que “uma virtude puxa a outra”!

A fim de que a esperança se torne realidade, se manifeste em sentido completo, é preciso paciência. Nada se manifesta de forma mágica, porque tudo está sujeito à lei do tempo. A paciência é a arte do camponês que semeia e sabe esperar que a semente lançada à terra cresça e dê fruto.

A esperança começa em nós, como espera, e exercita-se como espera vivida conscientemente na nossa humanidade. A espera é uma dimensão muito importante da experiência humana. O homem sabe esperar, o homem está sempre numa dimensão de espera, porque é a criatura que vive no tempo de modo consciente.

A espera humana é a verdadeira medida do tempo, uma medida que não é numérica, não é cronológica. Nós estamos habituados a calcular a espera, a dizer que esperamos uma hora, que o comboio tem cinco minutos de atraso, que a Internet nos fez esperar 14 intermináveis segundos antes de responder ao nosso clique, mas quando a medimos assim, desnaturamos a espera, fazemos dela uma coisa, um fenómeno desligado de nós mesmos e daquilo que aguardamos. É como se a espera fosse qualquer coisa por si, em si, sem relação. Ao invés, a espera – estamos no ponto crucial – é relação é uma dimensão do mistério da relação.

Só quem tem esperança, tem paciência. Só quem tem esperança se torna capaz de “suportar”, de “aguentar desde o fundo”, as diferentes situações que a existência apresenta. Quem suporta aguarda, espera, e consegue suportar tudo, porque a sua fadiga tem o sentido da espera, tem a tensão, a energia amorosa da espera.

Sabemos que o recurso à paciência e à espera comportam, por vezes, a experiência da fadiga, do trabalho, da dor e da morte19. Pois bem, fadiga, dor e morte irão desmascarar a ilusão de possuir o tempo, o sentido do tempo, o valor do tempo, o sentido e o valor da nossa vida. São experiências negativas, mas, também, positivas, porque a fadiga, a dor e a morte podem ser ocasiões de reencontrar o verdadeiro sentido do tempo da vida.

E, uma vez mais, «dar razão da esperança que há em nós» tornando-se anúncio da “boa nova” de Jesus e do seu Evangelho.

5. A ORIGEM DA NOSSA ESPERANÇA: EM DEUS COM DOM BOSCO

O padre Egídio Viganò ofereceu à Congregação e à Família Salesiana uma interessante reflexão sobre o tema da esperança, indo beber à nossa riquíssima tradição e evidenciando alguns carateres específicos do espírito salesiano, lidos à luz desta virtude teologal. De modo particular fez isto, comentando, para os participantes no Capítulo Geral das Filhas de Maria Auxiliadora, o sonho dos dez diamantes de Dom Bosco20.

Dada a profundidade dos conteúdos propostos, parece-me útil recordar o contributo do VII Sucessor de Dom Bosco para trazer à nossa memória aquilo que, sempre na perspetiva da esperança, todos somos chamados a viver.

5.1. Deus está na origem da nossa esperança

5.1.1. Breve evocação do sonho

É conhecida de todos a narração deste extraordinário sonho que Dom Bosco teve, em San Benigno Canavese, na noite de 10 para 11 de setembro de 1881. Recordo sinteticamente a sua estrutura.21

O sonho desenrola-se em três cenas. Na primeira o personagem encarna o perfil do salesiano: na parte anterior do seu manto apresenta cinco diamantes, três sobre o peito: «Fé», «Esperança» e «Caridade»; e dois nos ombros: «Trabalho» e «Temperança»; na parte posterior apresenta outros cinco diamantes, que indicam «Obediência», «Voto de Pobreza», «Prémio», «Voto de Castidade» e «Jejum».

O padre Rinaldi define este personagem com os dez diamantes como «O modelo do verdadeiro Salesiano».

Na segunda cena o personagem mostra a adulteração do modelo: o seu manto «havia-se tornado descolorido, traçado, coçado. No lugar onde estavam fixados os diamantes havia, ao invés, um rasgão profundo. causado pelo caruncho e outros pequenos insetos».

Esta cena tão triste e deprimente mostra «o contrário do verdadeiro salesiano», o anti salesiano.

Na terceira cena aparece «um jovenzinho atraente vestido de hábito branco, tecido com fios de ouro e prata [… de] aspeto majestoso, mas meigo e afável». É portador de uma mensagem. Exorta os Salesianos a «escutar», a «entender», a manter-se de fortes e animosos», a «testemunhar» com as palavras e com a vida, a «ser prudentes» na aceitação e na formação das novas gerações, a fazer crescer, saudavelmente, a sua Congregação.

As três cenas do sonho são vivas e provocatórias; apresentam-nos uma síntese ágil, personalizada e dramatizada da espiritualidade salesiana. O conteúdo do sonho suscita
certamente, na mente de Dom Bosco, um importante quadro de referência para a nossa identidade vocacional.

Pois bem, o personagem do sonho – como é sabido – apresenta na parte da frente o diamante da esperança, que está a sublinhar a certeza da ajuda do alto numa vida toda criativa, isto é, empenhada em projetar, quotidianamente, atividades práticas para a salvação, sobretudo da juventude. Junto aos outros símbolos, ligados às virtudes teologais, emerge a fisionomia de uma pessoa sábia e otimista pela fé que a anima, dinâmica e criativa, pela Esperança que a move, sempre orante e humanamente boa, pela caridade que a permeia.

Em correspondência ao diamante da esperança, na parte posterior da figura, encontramos o diamante do “prémio”. Se a esperança realça visivelmente o dinamismo e a atividade do salesiano na construção do Reino, a constância dos esforços e o entusiasmo do seu empenho baseiam-se na certeza da ajuda de Deus, tornado presente pela mediação e pela intercessão de Cristo e de Maria, o diamante do “prémio” sublinha, sobretudo, uma atitude constante da consciência que permeia e anima todo o esforço ascético, segundo a familiar máxima de Dom Bosco: «Um pedaço de Paraíso acerta tudo!»22.

5.1.2. Dom Bosco “gigante” da esperança

O salesiano – dizia Dom Bosco – «está pronto a suportar o calor e o frio, a sede e a fome, as fadigas e o desprezo sempre que se trate da glória de Deus e da salvação das almas»23; o sustentáculo interior desta exigente capacidade ascética, é o pensamento do Paraíso como reflexo da boa consciência com que trabalha e vive. «Em todos os nossos cargos, em todos os nossos trabalhos, penas ou dissabores, nunca esqueçamos que […] Ele tem em conta muitíssimo minuciosa a mais pequena coisa feita pelo seu nome, e é de fé que a seu tempo nos recompensará com abundante medida. No fim da vida, quando nos apresentarmos ao seu divino tribunal, olhando-nos com um rosto amoroso, Ele nos dirá: “Muito bem, servo bom e fiel; porque foste fiel no pouco, far-te-ei dono de muito; entra na alegria do teu Senhor” (Mt 25,2l)» 24. «Nas fadigas e nos padecimentos nunca esquecer que temos um grande prémio25 preparado no céu». E quando o nosso Pai diz que o salesiano exausto pelo excesso de trabalho representa uma vitória para toda a Congregação, parece sugerir absolutamente uma dimensão de fraterna comunhão no prémio, quase um sentido comunitário do paraíso!

O pensamento e a consciência contínua do paraíso são uma das suas ideias fundamentais e um dos valores de impulso da típica espiritualidade e, também, da pedagogia de Dom Bosco. É como um iluminar e um aprofundar o instinto fundamental da alma que tende, vitalmente, para o seu fim último.

Num mundo sujeito à secularização e à progressiva perda do sentido de Deus – especialmente devido ao bem-estar e a um certo progresso – é importante resistir à tentação – para nós e para os jovens com os quais caminhamos – que que nos impede de levantar o olhar para o Paraíso e não nos faz sentir a necessidade de sustentar e de alimentar um compromisso de ascese vivido no trabalho quotidiano. No seu lugar vai crescendo um olhar temporal, segundo um, mais ou menos, elegante horizontalismo, que julga saber descobrir o ideal de tudo no interior mesmo do devir humano e na vida presente. Totalmente ao contrário da esperança!

Dom Bosco foi um dos grandes da Esperança. Há muitos elementos para o demonstrar. O seu espírito salesiano está todo permeado pelas certezas e pela operosidade, características desse dinamismo audaz do Espírito Santo.

Detenho-me, brevemente, a recordar como Dom Bosco soube traduzir na sua vida a energia da esperança sob as duas vertentes: o compromisso pela santificação pessoal e a missão de salvação para os outros; ou melhor – e aqui reside uma caraterística central do seu espírito –, a santificação pessoal através da salvação dos outros. Recordemos a famosa fórmula dos três “S”: «Salve, salvando, salva-te»26. Parece um jogo mnemónico dito assim simplesmente, em jeito de slogan pedagógico, mas é profundo e indica como as duas vertentes da santificação pessoal e da salvação do próximo estão estreitamente ligadas entre si.

No binómio “trabalho” e “temperança” percebe-se que a esperança foi vivida por Dom Bosco como projeto prático e quotidiano de uma incansável operosidade de santificação e de salvação. A sua fé leva-o a ter predileção, na contemplação do mistério de Deus, pelo seu inefável desígnio de salvação. Vê no Cristo o Salvador do homem e o Senhor da história; em sua Mãe, Maria, a Auxiliadora dos cristãos; na Igreja, o grande Sacramento da salvação; no próprio amadurecimento cristão; e na Juventude necessitada, o vasto campo do «ainda-não». Por isso, o seu coração irrompe no grito: «Da mihi animas», Senhor concede-me salvar a Juventude e tira-me tudo o resto! O seguimento de Cristo e a missão juvenil fundem-se, no seu espírito, num único dinamismo teologal, que constitui a estrutura-portante do todo.

Sabemos bem que a dimensão da esperança cristã conjuga a perspetiva do “já” e do “ainda não”: algo de presente e algo de futuro que, todavia, a partir do hoje, começa a manifestar-se se bem que “ainda não” em plenitude.

5.1.3. Caraterísticas da esperança de Dom Bosco
A certeza do “já”

Quando perguntamos à teologia qual é o objeto formal da esperança, responde-nos que é a íntima convicção da presença de Deus que ajuda, que socorre e que assiste; a certeza interior sobre o poder do Espírito Santo; a amizade com Cristo vitorioso que nos faz dizer com São Paulo: «Tudo posso n’Aquele que me dá força» (Fil 4,13).

O primeiro elemento constitutivo da esperança é, portanto, a certeza do “já”. A esperança estimula a fé a exercitar-se na consideração da presença salvadora de Deus nas vicissitudes humanas, do poder do Espírito na Igreja e no mundo, da realeza de Cristo sobre a história, dos valores batismais que, em nós, deram início à vida da ressurreição.

O primeiro elemento constitutivo da esperança é, por isso, um exercício da fé sobre a essência de Deus como Pai misericordioso e salvador, sobre aquilo Jesus Cristo já fez por nós, sobre o Pentecostes como início da época do Espírito Santo, sobre aquilo que já existe dentro de nós pelo Batismo, pelos Sacramentos, pela vida da igreja, pelo apelo pessoal da nossa vocação.

É necessário refletir que fé e Esperança se alternam em nós, os seus dinamismos estimulam-se e completam-se reciprocamente e fazem-nos viver no clima criativo e transcendente do poder do Espírito Santo.

A clara consciência do “ainda-não”

O segundo elemento constitutivo da esperança é a consciência do “ainda-não”. Não parece muito difícil tê-la; todavia, a esperança exige uma clara consciência, não tanto daquilo que é mau e injusto, quanto daquilo que falta à estatura de Cristo no tempo, e, portanto, daquilo que é injusto e pecado e, também, daquilo que é imaturo, parcial ou raquítico na construção do Reino.

Isto supõe, como quadro de referência, um claro conhecimento do projeto divino de salvação, no qual se insere a capacidade crítica e de discernimento por parte daquele que espera. Assim, a crítica do homem de esperança não é simplesmente psicológica ou sociológica, mas transcendente, segundo a órbita teologal da «nova criatura»; serve-se também dos contributos das ciências humanas, e ultrapassa-as de muito longe.

Com a consciência do «ainda-não», quem espera percebe aquilo que é mau, aquilo que ainda não está maduro, aquilo que é a semente em ordem ao Reino de Deus e empenha-se para fazer crescer o bem e para combater o pecado com a perspetiva histórica de Cristo. A capacidade de discernimento do «ainda-não» é medida sempre pela certeza do «já». Portanto, e diria, sobretudo, nos tempos difíceis, que espera, impele e estimula a sua fé a descobrir os sinais da presença de Deus e as mediações que nos guiam na órbita por Ele traçada. É esta uma qualidade muito importante hoje: saber identificar as sementes para as ajudar a germinar e a crescer.

Como se faz para esperar, se não há esta capacidade de discernimento? Não basta saber perceber todo o peso do mal, é preciso ser sensível também à primavera «que brilha ao redor». Portanto, nestes tempos, que nós chamamos de difíceis (e são-no de facto, comparando-os com aqueles que vivemos antes de uma certa tranquilidade), a esperança ajuda-nos a perceber que há também muito bem no mundo e que algo está a crescer.

A operosidade salvífica

Um terceiro elemento constitutivo da esperança, é a sua exigência operativa acompanhada pelo compromisso concreto de santificação, de inventivo e de sacrifício apostólicos. É necessário colaborar com o “já” em crescimento, urge mover-se para lutar contra o mal em nós e nos outros, sobretudo, na juventude carenciada.

O discernimento do “já” e do “ainda-não” precisa de se traduzir na prática da vida, abrindo-se aos propósitos, aos projetos, à revisão, à criatividade, à paciência e à constância. Nem tudo resultará “como esperávamos”: haverá insucessos, contratempos, quedas, incompreensões. A esperança cristã participa, também, co naturalmente nas obscuridades da fé.

5.1.4. Os “frutos” da esperança em Dom Bosco

Dos três elementos constitutivos da Esperança, que apenas indiquei, derivam alguns frutos particularmente significativos para o espírito salesiano de Dom Bosco.

A alegria

Do primeiro elemento constitutivo – a certeza do “já” – deriva, como fruto mais caraterístico, a alegria. Toda a verdadeira esperança explode em alegria.

O espírito salesiano assume a alegria da esperança por uma afinidade toda própria. Até a biologia nos sugere alguns exemplos. A juventude que é esperança humana (e, portanto, sugere uma certa analogia com o mistério da esperança cristã), está ávida de alegria. E nós vemos Dom Bosco traduzir a esperança num clima de alegria para salvar a juventude. Domingos Sávio, crescido na sua escola, dizia: «Nós fazemos consistir a santidade em estar sempre alegres». Não se trata de uma hilaridade superficial própria do mundo, mas de um gáudio interior, de um substrato de vitória cristã, de uma sintonia vital com esperança, que explode em alegria. Uma alegria que procede, em definitivo, das profundidades da fé e da esperança.

Há pouco a fazer. Se estamos tristes é porque somos superficiais. Compreendo que há uma tristeza cristã: Jesus viveu-a. No Getsémani a sua alma entristeceu-se até à morte, suou sangue. Trata-se, certamente, de outro tipo de tristeza.

Porém, a aflição ou a melancolia pela qual uma irmã tem a impressão de não ser compreendida por ninguém, que as outras não têm consideração por ela, que têm inveja ou incompreensão das suas qualidades, etc… é uma tristeza que não se deve alimentar.

É esta é necessário contrapor a profundidade da esperança: Deus está comigo e quer-me bem; que importa que outros não me considerem tanto?

A alegria, no espírito salesiano, é clima quotidiano; deriva de uma fé que espera e de uma esperança que crê, ou seja, daquele dinamismo de Espírito Santo que em nós proclama a vitória que vence o mundo!… É indispensável a alegria para testemunhar, com autenticidade, aquilo em que acreditamos e esperamos.
O espírito Salesiano é, antes de tudo, e, sobretudo, isto e não uma redução somente a observâncias e mortificações, mas como treinos de voo e não como tormentos da prisão! Portanto: pela esperança chega a alegria!

O mundo procura superar a sua tristeza e a sua desorientação com uma vida repleta de ações excitantes. Cultiva a promoção e a satisfação dos sentidos, o filme pungente, o erotismo, a droga, etc. É uma maneira de se evadir de uma situação caduca que parece não ter sentido, para buscar alguma coisa que ultrapasse a fronteira em direção a uma “caricatura de transcendência”.

A paciência

Outro “fruto” da esperança – que procede da consciência do “ainda-não” – é a paciência. Toda a esperança comporta uma indispensável dose de paciência. A paciência é uma atitude cristã, ligada intrinsecamente à esperança no seu não breve “ainda-não”, com as suas queixas, as suas dificuldades e as suas obscuridades. Crer na ressurreição e agir para a vitória da fé, enquanto se é mortal e imerso no caduco, exige uma estrutura interior de esperança que leva à paciência.

A expressão mais sublime de paciência cristã viveu-a Jesus, sobretudo, durante a sua paixão e morte. É uma paciência frutuosa, precisamente pela esperança que a anima. Aqui, na paciência, mais do que de iniciativa e de ação, trata-se de consciente aceitação e de passividade virtuosa que suporta em vista da realização do plano de Deus.

O espírito salesiano de Dom Bosco recorda-nos, com frequência, a paciência. Na introdução às Constituições Dom Bosco recorda, aludindo a São Paulo, que as penas que temos de suportar nesta vida não têm comparação com o prémio que nos espera: «Costumava dizer: “Coragem! Que a esperança nos sustente, quando a paciência quisesse faltar”»27. «O que sustenta a paciência, deve ser a esperança do prémio» 28.

Leia também  Fundação Salesianos: publicado Regulamento Interno da Escola Salesiana

Também madre Mazzarello insistia neste ponto. Um dos seus biógrafos, Maccono, afirma que a esperança a confortou sempre, sustentando-a nos seus padecimentos, nas suas enfermidades, nas dúvidas, e a alegrou na hora da morte: «A sua esperança era muito viva e ativa. Parece-me – testemunhou uma irmã – que a esperança a animava em tudo e que ela procurava e infundi-la nas outras. Exortava-nos a suportar bem as pequenas cruzes diárias, e a fazer tudo com grande pureza de intenção» 29.

A esperança é mãe da paciência e a paciência é defesa e escudo da esperança

A sensibilidade educativa

Do terceiro elemento constitutivo da esperança – “a operosidade salvífica” – procede outro fruto: a sensibilidade pedagógica. É uma iniciativa de compromisso adequado, seja no âmbito da própria santificação (seguimento de Cristo), seja no âmbito da salvação dos outros (missão). Comporta compromisso prático, avaliado e constante, traduzido por Dom Bosco numa metodologia concreta que engloba estas atenções:

  • a perspicácia (ou santa «astúcia»): quando se trata de ter iniciativas, de resolver problemas, Dom Bosco aposta tudo sem pretensões de perfecionismo, mas com humilde espírito prático; repete muitas vezes a frase: «O ótimo é inimigo do bom» 30;
  • a audácia. O mal é organizado, os filhos das trevas agem com inteligência. O Evangelho diz-nos que os filhos da luz devem ser mais espertos e corajosos. Portanto, para trabalhar
    no mundo, é preciso armar-se de prudência genuína, ou seja, daquela «auriga virtutum» que nos torna ágeis, oportunos e incisivos na aplicação de uma verdadeira intrepidez no bem;
  • a magnanimidade. Não devemos fechar o nosso olhar dentro das paredes de casa. Somos chamados pelo Senhor a salvar o mundo, temos uma missão histórica mais importante do que a dos astronautas, a dos homens de ciência… estamos empenhados na libertação integral do homem. O nosso ânimo deve abrir-se a horizontes muito amplos. Dom Bosco queria que estivéssemos «na vanguarda do progresso» (e tratava-se, quando disse esta frase, de meios de comunicação social).
    Conhecemos a magnanimidade de Dom Bosco em lançar os jovens nas responsabilidades apostólicas; pensemos, por exemplo, nos primeiros missionários para a América. Tanto os Salesianos como as Filhas de Maria Auxiliadora eram pouco mais do que rapazes e raparigas!
    Dom Bosco movia-se em horizontes vastos. Não lhe bastava nem Valdocco, nem Mornese; não podia ficar só dentro dos limites de Turim, do Piemonte, da Itália ou da
    Europa. O seu coração palpitava com o da Igreja universal, porque se sentia quase investido da responsabilidade de salvação de toda a juventude necessitada do mundo. Queria que os Salesianos sentissem, como próprios, todos os maiores e mais urgentes problemas juvenis da Igreja para estarem disponíveis em toda a parte. E, ao mesmo tempo que cultivava a magnanimidade dos projetos e das iniciativas, era concreto e prático na sua realização, com o sentido da gradualidade e com a modéstia dos inícios.
    Por isso, no rosto do Salesiano deve sempre brilhar, como nota de simpatia, a magnanimidade: não deve ser alguém teimoso e sem visão, mas ter a grandeza de espírito porque tem um coração habitado pela esperança.
    Péguy, com a sua agudeza um pouco violenta, escreveu: «Uma capitulação é em substância uma operação em que se começa a explicar em vez de atuar. Os cobardes foram sempre pessoas de muitas explicações». No rosto salesiano deve sempre brilhar, como nota simpatia, também a mística da decisão e da audácia humilde do sentido prático. Dom Bosco era decidido nos compromissos de bem, mesmo que não pudesse começar com o ótimo; dizia que as suas obras se iniciavam, porventura, na desordem para tender depois para a ordem!

A esperança coloca no rosto do Salesiano, ao lado da profundidade da contemplação, da alegria da filiação divina, do entusiasmo da gratidão e do otimismo (que provêm da “fé”), a coragem da iniciativa, o espírito de sacrifício da paciência, a sabedoria da gradualidade pedagógica, a utopia da magnanimidade, a modéstia da praticidade, a prudência da astúcia e o sorriso da alegria.

5.2. A fidelidade de Deus: até ao fim

Até analisámos aquilo que Dom Bosco e os nossos santos e beatos expressaram, claramente, na sua existência. Tratam-se de elementos que impelem cada um de nós. Pessoalmente, e como Família Salesiana, a fazer emergir ou – para retomar as palavras do padre Egídio Viganò – fazer brilhar aquela esperança da qual somos chamados a «prestar contas», sobretudo, aos jovens e, entre estes, aos mais pobres.

Chegou o momento de “dar uma vista de olhos” um pouco para além daquilo que é “imediatamente visível” e procurar conhecer aquilo que aguarda a nossa vida e nos dá a coragem de esperar, operosamente, ao mesmo tempo que colaboramos para a vinda do “dia do Senhor”.

Portanto, sempre retomando a análise sincera e profunda do VII Sucessor de Dom Bosco, concentremos a nossa atenção na perspetiva do “prémio”.

O diamante do “prémio” está colocado com outros quatro na parte posterior do manto do personagem do sonho. É quase um segredo, uma força que opera a partir de dentro, que nos dá o impulso e nos ajuda a segurar e a defender os grandes valores vistos na parte anterior. É interessante observar que o diamante do “prémio” é colocado sob o da “pobreza”, porque tem, certamente, uma relação com as privações” ligadas a esta.

Sob os seus raios leem-se as seguintes palavras: «Se vos atrai a grandeza dos prémios, não vos assuste a quantidade das fadigas». «Quem sofre comigo, comigo gozará». É momentâneo aquilo que sofremos na terra, é eterno aquilo que fará gozar os meus amigos no Céu».

O verdadeiro Salesiano tem na fantasia, no coração, nos desejos, nos horizontes de vida, a visão do prémio como plenitude dos valores proclamados pelo Evangelho. Por esta razão «está sempre alegre. Difunde esta alegria e sabe educar para a alegria da vida cristã e para o sentido da festa» 31.

Na casa de Dom Bosco, e nas nossas casas salesianas, falava-se muito do Paraíso. Era uma ideia permanente e omnipresente, condensada em alguns famosos ditos: «Pão, trabalho e Paraíso»32; «Um pedaço de Paraíso acerta tudo» 33. São frases recorrentes em Valdocco e em Mornese.

Certamente, muitas Filhas de Maria Auxiliadora recordarão a descrição feita pela madre Enrichetta Sorbone sobre o espírito de Mornese: «Aqui estamos no Paraíso, na casa há um ambiente de Paraíso!» 34. E não era, certamente, por causa das privações ou da falta de problemas. Era como que a tradução espontânea, saída do coração, do cartaz que Dom Bosco havia feito: «Servite Domino in laetitia» 35.

Também Domingos Sávio havia captado o mesmo caloroso e transcendente clima de vida: «Nós fazemos consistir a santidade em estar sempre muito alegres» 36.

Nas biografias de Domingos Sávio, Francisco Besucco e Miguel Magone, Dom Bosco, mesmo descrevendo a agonia deles, faz questão de sublinhar esta inefável alegria, unida a uma verdadeira ânsia de Paraíso. Muito mais do que o horror da morte, os seus rapazes sentem a atração da Páscoa.

O pensamento do prémio é um dos frutos da presença do Espírito Santo, ou seja, da intensidade da fé, da esperança e da caridade, todas três juntas, ainda que esteja mais estreitamente ligado à esperança. [O tema] infunde, no coração, uma alegria e uma paz que vêm do Alto e encontram uma bela sintonia com as próprias tendências inatas do coração humano. Constatamo-lo vivendo entre os rapazes e as raparigas: a juventude intui, com maior frescura, que o homem nasceu para a felicidade.

Mas nem sequer precisamos de ir procurá-la entre os jovens. Peguemos num espelho e olhemo-nos: basta-nos escutar os batimentos do nosso coração. Nascemos para atingir a felicidade, aguardamo-la mesmo sem o confessar.

A ideia do Paraíso, sempre presente na casa de Dom Bosco, não é uma utopia para enganos ingénuos, não é a cenoura que engana o cavalo para que este ande mais depressa, é a ânsia substancial do nosso ser; e é, sobretudo, a realidade do amor de Deus, da ressurreição de Jesus Cristo operante na história; é a presença viva do Espírito Santo que impelem, de facto, para o prémio.

Dom Bosco não menospreza nenhuma alegria dos jovens. Pelo contrário, suscita-a, incrementa-a, desenvolve-a. A famosa “alegria” em que faz consistir a santidade não era só uma alegria íntima, escondida no coração como fruto da graça. Esta é a sua raiz. Esta mostra-se, também, no exterior, na vida, no pátio e no sentido da festa.

Como preparava as solenidades religiosas, os onomásticos, os dias festivos do Oratório! Preocupava-se até em organizar a celebração do próprio onomástico, não por si, mas para criar um clima de gratidão, uma atmosfera alegre.

Pensemos nos corajosos passeios outonais: dois ou três meses a prepará-los, 15 ou 20 dias a vivê-los; depois as prolongadas recordações e comentários: uma alegria muito prolongada no tempo. Que fantasia e que coragem! De Turim aos Becchi, a Génova, a Mornese, a tantas localidades de Piemonte, com dezenas e dezenas de rapazes… O passeio, o jogo, a música, o canto, o teatro: são elementos substanciais do Sistema Preventivo que, também, como método pedagógico, supõe uma espiritualidade apropriada e explosiva, fruto de uma fé, de uma esperança e de uma caridade convicta, valores do céu mesmo aqui na terra.

No firmamento de Valdocco mostrava-se sempre, de dia e de noite, com nuvens ou sem elas, o Paraíso. Testemunhar, hoje, os valores do prémio é uma profecia urgente para o mundo e, sobretudo, para a juventude. O que é que a civilização técnico-industrial trouxe à sociedade de consumo? Uma enorme possibilidade de comodidade e de prazer, com uma consequente e pesada tristeza.

Entre outras coisas, lemos nas Constituições dos Salesianos de Dom Bosco – mas vale para todos os cristãos – que «o salesiano [é] um sinal da força da ressurreição» e que «na simplicidade e laboriosidade da vida quotidiana» é «educador que anuncia aos jovens “novos céus e nova terra”, estimulando neles os compromissos e a alegria da esperança» 37.

Em Mornese e em Valdocco não havia comodidades, nem autoritarismos e tudo respirava espontaneidade e alegria. O progresso técnico facultou, hoje, muitas coisas, mas não aumentou a verdadeira alegria do homem. Ao invés, aumentou a angústia, a náusea, agudizou-se a falta de sentido da existência que, infelizmente, continuamos a destacar –, especialmente nas sociedades opulentas – com a trágica estatística dos suicídios de adolescentes e jovens.

Hoje, além da pobreza material que aflige ainda uma enorme porção da humanidade, torna-se urgente encontrar o modo de fazer compreender à juventude o sentido da vida, os ideais superiores, a originalidade de Jesus Cristo.

Procura-se a felicidade, tendência fundamental do homem, mas já não se conhece o caminho certo, e, então, vai crescendo uma imensa desilusão.

Os jovens, mesmo devido à falta de adultos significativos, sentem-se incapazes de enfrentar o sofrimento, o dever e o compromisso constante. O problema da fidelidade aos ideais e à própria vocação tornou-se crucial. A juventude sente-se incapaz de assumir sofrimentos e sacrifícios. Vive numa atmosfera em que triunfa o divórcio, entre amor e sacrifício, de tal modo que a busca e a consecução só do bem-estar, acaba por asfixiar a capacidade de amar e, portanto, de sonhar o futuro.

Justamente, como dizíamos, o diamante do prémio é colocado sob o da pobreza, como que a indicar-nos que os dois se completam e se sustentam reciprocamente. De facto, a pobreza evangélica comporta uma visão concreta e transcendente de toda a realidade, com uma ótica realista mesmo acerca das renúncias, dos sofrimentos, dos contratempos, das privações e das penas.

Qual é a energia interior que leva a enfrentar tudo com confiança e de rosto alegre, sem desanimar? É, em definitiva, o sentido da presença do céu na terra. Este sentido procede da fé, da esperança e da caridade, que nos fazem reler toda a existência na ótica do Espírito Santo.

O mundo tem urgente necessidade de profetas que proclamem, com a vida, a grande verdade do Paraíso. Não uma evasão alienante, mas uma intensa realidade estimulante!

Portanto, no espírito de Dom Bosco é constante a preocupação de cuidar a familiaridade com o Paraíso, quase a fazer dela o firmamento da mente, o horizonte do coração salesiano: trabalhamos e lutamos seguros de um prémio, olhando para a Pátria, para a casa de Deus, para Terra Prometida.

É bom precisar que a perspetiva do prémio não consiste, redutoramente, na consecução de uma “recompensa”, de uma espécie de consolação para uma vida vivida no meio de tantos sacrifícios, sofrimentos… Nada disso! Se fosse só “recompensa”, parceria uma chantagem. Mas Deus não age deste modo. No seu amor, só pode oferecer-Se a Si mesmo ao homem. Esta – como afirma Jesus – é a vida eterna: o conhecimento do Pai. Onde “conhecer” significa “amar”, tornar-se plenamente participante de Deus, em continuidade com a existência terrena vivida “em graça”, ou seja, no amor a Deus e aos irmãos e às irmãs.

Neste caminho somos enviados a voltar o olhar para Maria, que se torna presente como auxílio quotidiano, como Mãe precursora e auxiliadora. Dom Bosco tem a certeza desta sua presença entre nós e quer sinais que no-lo recordem.

Para ela edificou uma Basílica, centro de animação e difusão da educação salesiana. Queria a sua imagem nos nossos ambientes de vida; vinculava todas as iniciativas apostólicas à sua intercessão e comentava, com emoção, a sua real e materna eficácia. Recordemos, por exemplo, o que disse às Filhas de Maria Auxiliadora na casa de Nizza: «Nossa Senhora passeia nesta casa e cobre-a com o seu manto» 38.

Além d’Ela, procuramos na casa de Deus também outros amigos. Os nossos santos e beatos, a começar pelos rostos que nos são mais familiares e que fazem parte do assim chamado “jardim salesiano”.

Não fazemos estas escolhas para dividir a grande casa de Deus em pequenos apartamentos privados, mas antes para nos sentirmos mais à vontade nela podermos falar de Deus, do Pai, do Filho, do Espírito Santo, de Cristo e de Maria, da criação e da história, não com a trepidação de quem escutou a alta lição de um pensador denso, difícil e até hermético, mas com aquele sentido de familiaridade e de alegre simplicidade, com que se conversa com aqueles que foram os nossos pais, os nossos irmãos e as nossas irmãs, os nossos colegas e os nossos companheiros de trabalho. Alguns deles não os conhecemos em vida, mas sentimo-los próximos e inspiram-nos especial confiança. Falar com São José, com Dom Bosco, com madre Mazzarello, com o padre Rua, com Domingos Sávio, com Laura Vicunha, com o padre Rinaldi, com mons. Versiglia e o padre Caravario, com a irmã Teresa Valsè, com a irmã Eusebia Palomino, entre outros, é mesmo um diálogo “de casa”, de família.

É isto que o diamante do prémio nos sugere: sentir-se em casa com Deus, com Cristo, com Maria, com os santos; sentir a sua presença na própria casa, num clima de família que dá sentido de Paraíso ao ambiente quotidiano de vida.

6. COM… MARIA, ESPERANÇA E PRESENÇA MATERNA

Ao terminar este comentário, só podemos voltar o nosso coração e o nosso olhar para a Virgem Maria, como nos ensinou Dom Bosco. A esperança pede confiança, capacidade de se entregar e de se confiar. Em tudo isto temos uma guia e uma mestra em Maria Santíssima.

Ela testemunha que esperar é ter confiança e entregar-se, e isto é verdade tanto para a existência como para a vida eterna.

Neste caminho, Nossa Senhora toma-nos pela mão, ensina-nos como confiar em Deus, como nos entregar, livremente, ao amor transmitido pelo seu Filho Jesus.

A indicação e a “carta de navegação” que nos apresenta, é sempre a mesma: «Fazei o que Ele vos disser.» 39. Um convite que todos os dias assumimos na nossa vida.

Em Maria vislumbramos a realização do prémio.
Maria encarna em si a atração e a concretização do prémio: Ela,

«terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada por Deus como rainha do universo, para assim se conformar mais plenamente com seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte» 40.

Podemos ler nos seus lábios algumas belas expressões provenientes de São Paulo. Por serem inspiradas pelo Espírito Santo, esposo de Maria, certamente são por Ela partilhadas.

Ei-las:

«Jesus Cristo, aquele que morreu, mais, que ressuscitou, que está à direita de Deus é quem intercede por nós. Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? De acordo com o que está escrito: Por causa de ti, estamos expostos à morte o dia inteiro, fomos tratados como ovelhas destinadas ao matadouro. Mas em tudo isso saímos mais do que vencedores, graças àquele que nos amou. Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus, Senhor nosso» 41.

Caríssimas irmãs e irmãos, caríssimos jovens,
Maria Auxiliadora, Dom Bosco e todos os nossos santos e beatos, estão próximos de nós neste ano tão extraordinário. Sejam eles a acompanhar-nos a viver com profundidade as recomendações do Jubileu, ajudando-nos a colocar no centro da vida a pessoa de Jesus Cristo «o Salvador anunciado no Evangelho, que vive hoje na Igreja e no mundo» 42.

Que eles nos animem, seguindo o exemplo das primeiras e dos primeiros missionários enviados por Dom Bosco, a fazer sempre e, em toda a parte, da nossa vida um dom gratuito para os outros, sobretudo, para os jovens e entre eles os mais pobres.

Por último, formulo um voto: que este ano faça crescer, em nós, a oração pela paz, por uma humanidade pacificada. Invoquemos o dom da paz – o shalom bíblico – que contém todos os outros dons e só encontra o seu cumprimento na Esperança.

Um abraço fraterno

Pe. Stefano Martoglio S.D.B.
Vigário do Reitor-Mor

Roma, 31 de dezembro 2024
Tipografia Salesiana Roma


  1. Francisco, Spes non confundit. Bula de proclamação do Jubileu Ordinário do Ano  2025, Cidade do Vaticano, 9 de maio de 2024. ↩︎
  2. Ibi. ↩︎
  3. Cf. Rm 8,39. ↩︎
  4. Rm 5,3-5 ↩︎
  5. Messale romano, LEV, Roma 20203, 240 ↩︎
  6. Byung-Chul Han, El espíìritu de la esperanza, p. 18, Herder, Barcellona 2024. ↩︎
  7. C. Paccini – S. Troisi, Siamo nati e non moriremo mai più. Storia di Chiara Corbella Petrillo, Porziuncola, Assisi (PG) 2001. ↩︎
  8. Gabriel Marcel, Philosophie der Hoffnung, Munich, List 1964. ↩︎
  9. Erich Fromm, La revolución de la esperanza, Ciudad de México 1970. ↩︎
  10. 1Pt 3,15. ↩︎
  11. Francisco, Spes non confundit, 9. ↩︎
  12. Jo 17,3. ↩︎
  13. Cf. Rm 4,18. ↩︎
  14. Bento XVI, Carta Encíclica Deus caritas est, Cidade do Vaticano 25 de dezembro de 2005, 1. ↩︎
  15. Const. SDB, 3. ↩︎
  16. Tomás de Aquino, Summa theologiae, IIª-IIae q. 17 a. 8 co. ↩︎
  17. Cf. E. Lévinas, Totalità e infinito. Saggio sull’esteriorità, Jaca Book, Milano 2023. ↩︎
  18. Tomei por base para estas reflexões a rica reflexão do Abade Geral da Ordem dos Cistercienses M. G. Lepori, Capitoli dell’Abate Generale OCist al CFM 2024. Sperare in Cristo; o texto pode ser encontrado em várias línguas in www.ocist.org ↩︎
  19. Cf. Rm, 5,3-5 ↩︎
  20. E. Viganò, Un progetto evangelico di vita attiva, Elle Di Ci, Leumann (TO) 1982, 68-84 ↩︎
  21. Cf. E. Viganò, Profilo del Salesiano nel sogno del personaggio dei dieci diamanti, in ACS 300 (1981), 3-41. O texto completo do sonho pode ser encontrado em ACS 300 (1981), 42-47 ou MBp XV, 166-168. ↩︎
  22. MB VIII, 444. 23 Cost. SDB, 18. 24 P. Braido (a cura di), Don Bosco Fondatore “Ai Soci Salesiani” (1875-1885). 
    Introduzione e testi critici, LAS, Roma 1995, 159. 25 MB V, 442. ↩︎
  23. Const. SDB, 18. ↩︎
  24. P. Braido (a cura di), Don Bosco Fondatore “Ai Soci Salesiani” (1875-1885). Introduzione e testi critici, LAS, Roma 1995, 159. ↩︎
  25. MBp VI, 415. ↩︎
  26. MBp VI, 415. ↩︎
  27. MBp XII, 385. ↩︎
  28. Ibi. ↩︎
  29. F. Maccono, Santa Maria Domenica Mazzarello. Confondatrice e prima Superiora Generale delle FMA. Vol. I, FMA, Torino 1960, 398. ↩︎
  30. MBp X, 609. ↩︎
  31. Const. SDB, 17. ↩︎
  32. MBp XII, 512. ↩︎
  33. MBp VIII, 485. ↩︎
  34. Citato in E. Viganò, Redescobrir o Espírito de Mornese, in ACS 301 (1981), 64 ↩︎
  35. Sl 99. ↩︎
  36. MBp V, 306. ↩︎
  37. Const. SDB, 63. Veja-se também E. Viganò, «Dar razão da alegria e dos empenhos da esperança, testemunhando as insondáveis riquezas de Cristo». Estreia de 1994. Comentário do Reitor-Mor, Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora, Roma 1993. ↩︎
  38. G. Capetti, Il cammino dell’Istituto nel corso di un secolo. Vol. I, FMA, Roma 1972-1976, 122. ↩︎
  39. Gv 2,5. ↩︎
  40. LG, 59. ↩︎
  41. Rm 8,34-39. ↩︎
  42. Const. SDB, 196. ↩︎

Artigos Relacionados