Amizade e diálogo com Deus

Estou convencido de que a oração é indispensável para um cristão. Quando a esquecemos, colocamo-nos fora das fontes da vida espiritual e passamos a ser presa fácil da dispersão e da tentação.

Como se deve rezar? Rezar é elevar o próprio coração a Deus, é entreter-se com ele através de santos pensamentos e devotos sentimentos. Por isso, todo o pensamento e todo o olhar para Deus é oração.

Quem pensa no Senhor e nas suas infinitas perfeições, e com este pensamento experimenta um afecto cheio de alegria, de veneração, de amor, de admiração, reza. Quem considera os grandes benefícios recebidos do Criador e sente o coração cheio de reconhecimento, reza. Qualquer um que, nos perigos, consciente da sua debilidade, pede ajuda ao Senhor, reza. Por fim, quem, no arrependimento do seu coração, se volta para Deus e recorda que ofendeu o próprio Pai e perdeu o maior bem, e implora o perdão e propõe emendar-se, reza.

Rezar é, por isso, muito fácil. Cada um pode, em qualquer lugar e em qualquer momento elevar o seu coração a Deus.

Esta forma de entender a oração foi-nos ensinada pela tradição da Igreja. É uma espiritualidade muito simples, mas substancial, caracterizada por um contínuo esforço de elevação, que invade o modo de pensar e de comportar-se. Trata-se de «sentir-se em Deus»: quer dizer, ver-se a si mesmo, a própria vida, o próprio destino, o próprio trabalho diário, os afectos e as relações, os desejos e os problemas, mais ainda, a própria miséria e o próprio pecado, sob o olhar amoroso de Deus.

Quando, com um pequeno esforço diário, nos habituamos à ideia de que somos amados pessoalmente pelo Senhor, abre-se um grande horizonte interior que nos leva a viver com liberdade, serenidade e pureza. Somos levados, de facto, a «transcendermo-nos» sempre, a ir mais além de nós mesmos, a ter uma visão sobrenatural do significado da nossa vida. O pensamento e o sentimento estão orientados para Deus e inspiram-se nele, também nas coisas pequenas.

Leia também  Chocolates solidários: D. Bosco, Madre Mazzarello, Domingos Sávio e Laura Vicunha

Constatei na minha vida, na dos rapazes e na das pessoas com quem convivi, a eficácia da oração. Não se trata somente de obter aquilo de que temos necessidade, mas de entrar numa dimensão espiritual transformadora.

Entre os dons com que Deus enriqueceu Domingos Sávio sobressaía o fervor da oração. O seu espírito estava acostumado a conversar com Deus que, em qualquer lugar e no meio do maior barulho, sabia recolher os seus pensamentos e afectos elevando o seu coração a Deus.

Para chegar a este ponto é necessário um caminho espiritual que parta da purificação da mente para chegar à união habitual com Deus, à facilidade de recolher-se em oração.

Em primeiro lugar deve-se cultivar um controlo atento sobre si mesmo, uma limpeza cuidadosa dos pensamentos e dos sentimentos, sacudindo a mentalidade «deste mundo», tão pesada e embaraçosa, e o afecto às paixões. De contrário, não é possível qualquer elevação e intimidade com Deus.

É necessário depois retificar, no amor, as nossas intenções, o motivo e o fim pelo qual escolhemos um coisa, nos relacionamos com as pessoas, trabalhamos e falamos. O coração vai sendo educado, evangelizado, «elevado para Deus».

Daí brota uma oração que, antes de tudo, é interior, quer dizer, não formalista, fria ou intelectual, mas fervorosa, cálida, que nos impele a «olhar para Deus», a senti-lo próximo, a fazer tudo por ele e a ver tudo em referência a ele e a viver conscientemente na sua presença.

«Deus vê-te»: é uma expressão que desde pequeno ouvi muitas vezes dos lábios de minha mãe. Repeti-a frequentemente aos jovens e até a inscrevi em cartazes espalhados por todo o lado em todos os ambientes de Valdocco.

Não pretendia somente avisá-los para que tivessem, em cada momento, uma conduta digna, sob o olhar de um Deus que é ao mesmo tempo pai misericordioso e justo juiz. Queria ajudá-los a cultivar a consciência do amor divino que nos envolve a todo o momento. Nós existimos porque Deus pensou em nós e nos amou; vivemos porque estamos sustentados pela sua graça e misericórdia; e por ele estamos chamados a realizar a nossa vocação pessoal de plenitude e de santidade.

Leia também  Desafia-te na Quaresma

O pensamento de Deus presente infunde coragem e força nas dificuldades, anima nos momentos de debilidade e preguiça, defende nas tentações, ajuda a encontrar o caminho perdido, eleva a alma no rebuliço da agitação e da trivialidade quotidiana, e abre horizontes luminosos na orientação das próprias aspirações.

Se este pensamento se tornar familiar e espontâneo, somos conduzidos a uma relação de intimidade constante com o Senhor, de diálogo amigável com ele, Somos trasladados para um clima totalmente espiritual, para um estado interior de constante fervor.

Assim, cada momento do nosso dia pode ser vivido conscientemente n’Ele, com Ele e por Ele. A intenção com que agimos, os sentimentos e pensamentos mais profundos, as conversações que temos, não podem deixar de estar continuamente confrontados com Deus, corrigidos e purificados nele. E neste confronto, sentimo-nos estimulados à prática da virtude, chamados à perfeição, convidados à santidade, impelidos à generosidade e a uma caridade activa.

O montanhês Francisco Besucco, na simplicidade dos seus catorze anos, chegou a uma elevada vida espiritual por este caminho. Era tão amante da oração, e tanto se tinha acostumado a ela que, assim que ficava sozinho e desocupado por algum momento, se punha logo a dialogar com o Senhor. Durante o recreio, com frequência se punha a rezar e, como que transportado por impulsos involuntários, às vezes trocava os nomes dos jogos por orações. Estas coisas, que, por um lado eram motivo de riso entre os seus companheiros, por outro demonstravam quanto gozava o seu coração com a oração, e como tinha conseguido o domínio para recolher o seu espírito e elevá-lo ao Senhor. Isto, segundo os mestres espirituais, revela um grau de elevada perfeição que raramente é alcançado pelas pessoas de grande virtude.

Artigos Relacionados