Partilhamos com os leitores do Boletim Salesiano alguma correspondência que a Irmã Lúcia trocou com José Valinho, sacerdote salesiano e seu sobrinho. Era filho da sua irmã mais velha, Maria dos Anjos, e foi seu confidente durante longos anos. Nela pode ver-se o lado humano e sensível da religiosa que viveu 57 anos num convento de clausura carmelita.
O Pe. José Pereira dos Santos Valinho é salesiano sacerdote e vive na Residência Artémides Zatti, em Manique (Alcabideche), com a bela idade de 90 anos.
Foi um dos grandes confidentes da Irmã Lúcia, sua tia. Visitava-a com regularidade por ser sacerdote e parente chegado.
A sua mãe, Maria dos Anjos, era irmã de Lúcia. Era a sua irmã mais velha: faziam 14 anos de diferença. Foi, num certo sentido, uma “segunda mãe” para a Lúcia. Algumas vezes, conta o Pe. Valinho, “visitei a tia Lúcia com a minha mãe. E recordo-me como elas lembravam peripécias de infância”.
Lúcia e os primos Jacinta e Francisco
Lúcia, nos seus escritos, refere que sempre foi a confidente, a consoladora, aquela a quem os dois primos confiavam os seus pensamentos e sentimentos. As suas memórias foram muito importantes para a causa da beatificação e canonização de Francisco e Jacinta.
Aquando da beatificação, no ano 2000, Lúcia mostrou-se muito alegre e manifestou o desejo de estar presente na cerimónia mesmo que para tal tivesse que se deslocar a Roma. “Estou disposta a ir a Roma, se o Papa mo permitir”, dizia com frequência. Quando mais tarde soube que a beatificação era em Fátima a sua alegria redobrou. E de facto esteve presente tendo-se encontrado com o Papa João Paulo II.
Morte de Lúcia
A Irmã Lúcia faleceu, no Carmelo de Santa Teresa de Coimbra a 13 de fevereiro de 2005. Contava 97 anos de idade. Está sepultada na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima junto dos seus primos agora proclamados Santos.
Lúcia entrou para a Vida Religiosa em 1925 e professou como Doroteia na cidade de Tuy, em Espanha, no ano de 1928.
Sentindo o apelo de maior intimidade com Deus, numa vida de contemplação e oração, tornou-se Carmelita no dia 25 de março de 1948.
Para memória publicamos algumas cartas endereçadas ao seu sobrinho Pe. José Valinho, familiares e amigos.
Neste ano Centenário das Aparições de Fátima queremos assim contribuir para a maior glorificação de Deus na proclamação da santidade da vidente de Fátima, aquela que viu, ouviu e falou com Nossa Senhora e de quem a Virgem se serviu para difundir no mundo a devoção ao seu Coração Imaculado.
Carta de 25-09-1989
(…) Tenho cá o antigo relógio que foi da casa de meus pais, que a Maria Rosa me enviou do Brasil, ofereceu-o a Nossa Senhora para ser colocado no seu antigo lugar na casa dos seus avós. Chegou em muito boas condições, pulo a trabalhar e nem sei dizer o que senti de saudade quando o vi e ouvi o som daquela campainha dando horas e do despertador que meu pai punha a despertar quando queria levantar-se cedo. Tudo passa nesta vida, só o céu fica e não finda. Amanhã, se Deus quiser, virá o sr. Reitor do Santuário, buscá-lo.
Coimbra, 25-9-1989
Ir. Lúcia
Carta de 15-10-977
(…) Ontem à tarde, vinda de Fátima, passou por cá a Maria Eugénia com a filha. Disse-me que o filho, – o José – encontrou uma rapariga de quem gosta, Deus queira que sim e que seja para bem.
Coimbra, 15-10-1977
Ir. Lúcia
Carta de 17-09-1976
(…) O estado de saúde da sua mãe, preocupa-me bastante, na sua idade tudo pode ser grave. (…) No caso de continuar em casa, seria bom comprar para ela uma cama articulada com apoio etc., todo o alívio que lhe possam proporcionar será pouco. Sei que são coisas caras, mas quando se trata de prestar alívio a um doente, não se olha a nada que por mais que se alivie ele fica sempre a ser vítima da doença que o mina e a sofrer o que só Deus e ele sabe. Veja se tem aquecimento, que agora vem o Inverno e é preciso que não apanhe frio.
Coimbra, 17-9-1976
Ir. Lúcia
Carta de 29-05-1998
(…) Não os pude receber por falta de saúde, tive pena, mas o Senhor assim o permitiu, faça-se a Sua vontade!
Estou melhor, graças a Deus! Mas dos meus 92 não há muito a esperar! A não ser o Céu! Para onde, espero, o Senhor me levará, quando chegar o dia por Ele marcado. Espero se encontre bem de saúde com o olhar sempre levantado para o alto onde o Senhor nos espera.
Numa grande união de orações.
Coimbra, 29-V-1998
A tia Ir. Lúcia
Carta de 06-01-1977
(…) Esteve cá a sua irmã Maria dos Anjos com o marido e a mulher do Manuel, seu irmão, deram-me boas notícias da família e da sua mãe, que parece continuar benzinho, graças a Deus. Vieram tratar de arranjar hospedagem para o Francisco que vem para a Universidade, parece que encontraram um quarto na casa de uma boa família – a pagar – já se vê, mas o ser numa casa de confiança, já é bom.
(…) Espero as suas notícias e em união de orações.
Coimbra, 6-1-1977
Irmã Lúcia
Carta de 28-08-1983
(…) A sua Mãe esteve cá há 3 dias, pareceu-me bastante benzinho para a sua idade, veio com a Maria Rosa, o Manuel, a Maria do Céu e os pequenos, todos muito contentes, espero que tenham chegado a casa com boa viagem, a sua Mãe muito contente ao vir, mas na despedida, como sempre, a dizer que é a última vez, Deus é que sabe!
Coimbra, 28-8-1983
Irmã Lúcia
Carta de 18-01-1984
(…) O sr. Padre pede orações por tanta aflicção que vai no mundo, é certo, parece um mar de dôr e cegueira moral, enterram-se sem olhar para as consequências que podem vir de trás depois, é, o ai Jesus! E a Irmãzinha reze por mim, Deus que me perdoe e, tire agora da desgraça, e por vezes, sem eu ter que deixar o pecado! Faz pena sobretudo quando há crianças que são vítimas.
Se visse a multidão de cartas que cá chegam neste teor! Mas nem tudo é mal, também cá chegam outras lindas, de pecadores arrependidos que mudaram de vida, deixam o pecado com uma generosidade heróica para reparar o passado e seguir agora por um caminho melhor com o olhar posto em Deus de quem esperam o perdão, a graça, e a força para seguir adiante. Há de tudo neste mundo de fraqueza e miséria humana. Eu só tenho de cantar um hino de louvor e acção de graças ao Senhor por me ter guardado, escolhido para Si e livrado de tanta miséria humana.
E por hoje é tudo, em união de orações.
Coimbra, 18-1-1984
Irmã Lúcia
Carta de 03-09-1985
(…) Somos de um barro tão frágil que a mais pequena coisa nos derruba, mas também serve para nos dar ocasião de fazer alguma penitência e lembrar-nos do que somos e do que devíamos ser – Santos – e que longe nos encontramos! Mas temos a nosso favor a misericórdia de Deus que é quem nos salva, n’Ele confiamos e na protecção da Mãe do Céu, que Ela nos tome sob o Seu Manto e nos conduza pelos caminhos da vida, da verdade, da justiça e do amor.
(…) Em união de orações.
Coimbra, 3-9-1985
Irmã Lúcia
Texto e pesquisa: Joaquim Antunes, Fotografia: Arquivo Província Portuguesa da Sociedade Salesiana
Publicado no Boletim Salesiano n.º 563 de Julho/Agosto de 2017