O “Desayunador Salesiano Padre Chava” é uma das obras salesianas de Tijuana no México que dá apoio aos migrantes e à população necessitada. Servem refeições quentes e oferecem outros serviços gratuitos: alojamento temporário, apoio médico, psicológico e jurídico, serviço de barbeiro/cabeleireiro, chuveiros, roupas e telefone.
«Em dezembro de 1998, à porta das nossas oficinas: sete jovens cobertos com cartões protegiam-se da chuva e do frio. Assim nasceu a iniciativa de dar um pequeno-almoço quente às várias pessoas que dormiam nas ruas do centro de Tijuana». Salvador Romo Gutiérrez, sacerdote salesiano falecido, explicava assim como tinha surgido o centro que hoje tem o seu nome “Padre Chava”. No dia 31 de janeiro de 1999 começava com 17 pessoas. No início em espaços emprestados: uma oficina, uma garagem e até um bar-restaurante que emprestava o local durante o período da manhã. Hoje, de segunda a sábado, 30 voluntários servem pela manhã em média 1100 refeições quentes. As instalações atuais encontram-se a 1600 metros da passagem pedonal da fronteira com os Estados Unidos, e foram construídas com a ajuda do governo mexicano e de um voluntário para a aquisição do terreno.
“A situação atual é extraordinária”, explica o Pe. Felipe Plascencia, diretor dos Salesianos de Tijuana, “mas não deixamos de ajudar os deportados, que este ano vão ser mais do que no ano passado, e os mexicanos e sul americanos que continuam a chegar à fronteira com a intenção de, de alguma forma, entrar nos Estados Unidos”.
“A linha”
A Tijuana todos chamam simplesmente “a Linha” e ninguém pode escapar-lhe em lado nenhum. Nem sequer na praia, onde a fronteira é delimitada por grossas grades de ferro que chegam a atingir 50 metros de profundidade na água e dividem o Pacífico entre primeiro e terceiro mundo. Ao longe, sobressai o perfil dos arranha-céus de San Diego. Até há alguns anos, aqui ainda era possível encontrar-se com os familiares de ambos os lados e dar-lhes um aperto de mão. Depois o governo dos Estados Unidos endureceu as leis sobre a imigração. Agora a praia está em zona militar dos Estados Unidos e é proibido frequentá-la.
A poucos quilómetros de distância, em direção ao interior, a fronteira é constituída por um muro alto, encimado por arame farpado. Em vários pontos é mesmo reforçado com fio duplo. Em território mexicano há uma vedação em chapa ondulada, depois sensores de movimento, e ainda, no lado dos Estados Unidos, um arame farpado com três metros de altura. A seguir: torres de guarda, projetores, carros brancos todo-o-terreno das patrulhas de fronteira, e helicópteros que voam ameaçadoramente baixos. A fronteira com 3200 km de extensão que divide o México dos Estados Unidos é uma das mais vigiadas do mundo.
“Os migrantes são considerados criminosos”
Aos 16 anos, Abraão saiu do México pela primeira vez à procura da terra prometida. Trabalhou no campo no Alabama, Estados Unidos, e lá encontrou a sua futura mulher. Tudo corria segundo os planos até um dia de novembro de 2010 em que foi intercetado por uma patrulha da polícia e foi expulso. Sem contacto com a sua família, sem dinheiro e sem casa, passou a viver em Tijuana. Em 2012, ultrapassadas as formalidades em tribunal no processo que lhe dizia respeito, o jovem de 23 anos foi integrado no projeto dos Salesianos, dos quais foi hóspede regular e voluntário.
Cerca de 1100 pessoas por dia beneficiam desta infraestrutura, muito próxima da principal passagem de fronteira. Aqui, porém, não encontram apenas uma refeição quente entre as oito e as onze da manhã, mas também roupa e calçado, é possível cortar o cabelo, resolver pequenas dificuldades ou telefonar gratuitamente aos familiares nos Estados Unidos. Para que o serviço possa ser prestado torna-se necessário o trabalho de cerca de 30 ajudantes, 10 em permanência. Nenhum voluntário recebe vencimento. Este projeto foi iniciado pelos Salesianos há 18 anos. O número de pessoas que tinham necessidade desta ajuda foi aumentando continuamente, até que a fronteira se tornou intransponível. Por felicidade foi sempre possível ter tudo o necessário, comida e voluntários, para esta mesa para os pobres.
A solidariedade veio de muitos lados: da Procuradoria Missionária da Alemanha e do governo central da Cidade do México, que há quatro anos cofinanciou a construção de um novo edifício maior, de estabelecimentos locais, privados e restaurantes, da Comissão Nacional dos Direitos Humanos e até de imigrantes que no passado receberam ajuda aqui e agora enviam sacos de feijões e arroz.
Todavia, o presidente da Câmara, que quer apresentar Tijuana como uma cidade moderna e limpa, acha que esta infraestrutura prejudica a imagem da cidade. A polícia anda sempre à caça de imigrantes ilegais. «Os imigrantes são considerados criminosos, ao mesmo tempo que a cidade se tornou muito mais segura, dado que já não passam fome», lamenta o Pe. Ernesto Hernández, salesiano, antigo responsável pelo centro. Contra este preconceito, os utentes do centro têm que respeitar regras rigorosas. A fila que começa a formar-se à frente das instalações, logo desde as seis da manhã, é calma e ordenada. Quem grita, fuma ou se droga é posto fora.
Felizmente há os Salesianos
Miguel poderia ser o próximo Abraão. Ou então poderia seguir a experiência do seu irmão, que há seis anos que foi sepultado. Aos 16 anos, Gustavo foi raptado, torturado e morto. A polícia encontrou o seu corpo junto com outros 14 cadáveres perto da linha de fronteira. «Não sei em que errei. Cuidei sempre dele, fiz de modo que à noite voltasse para casa», diz a sua mãe Sílvia Lara de lágrimas nos olhos. Durante o dia trabalha como mulher-a-dias ou passa roupa a ferro em casa de famílias abastadas. Na sala de estar, uma foto desbotada recorda o seu filho adolescente, de calças largas de cinta baixa, boné de “baseball” posto ao contrário, três dedos levantados na saudação do “Cholos”, um dos muitos “gangs” de Tijuana. Seu pai queria que o rapaz fosse arquiteto e, acima de tudo, que fosse boa pessoa. Ele gostava de futebol, jogava no “Domingos Sávio”. Era um rapaz decidido e muitas vezes rebelde, gostava dos automóveis potentes, dos cães-polícia, do “narcocorrido”, uma música típica mexicana e “orelhuda” que canta a gesta da narcomafia.
Os pais de Miguel e Gustavo chegaram aqui há 30 anos, provenientes de uma aldeia pobre das montanhas do México Central. Procuravam trabalho. O pai de Miguel, Gustavo Morales, encontrou trabalho como servente de pedreiro numa obra.
A cidade que, nos anos ’30, nem sequer contava 20.000 habitantes, tem agora 1,5 milhões de pessoas. Na altura não havia água nem eletricidade nem estradas nem registo predial nem planos reguladores. Cada um construía uma cabana num lugar qualquer com material encontrado em qualquer sítio. Nos anos ’90 um novo “boom” com a entrada em vigor de um acordo de livre comércio entre Estados Unidos, Canadá e México. Na sequência deste acordo, instalaram-se em Tijuana centenas de empresas, as chamadas “maquilas”, atraídas pelo baixo custo da mão-de-obra, pelos impostos mais baixos, pela possibilidade concreta de corromper as várias autoridades e por normas muito brandas em matéria de trabalho e ambiente.
O bairro onde vivem não parece melhor do que era há 20 anos mas, pelo menos, agora há um centro juvenil e a escola primária dos Salesianos. Encontram-se mesmo na colina que divide os dois bairros, situada onde no passado os bandos juvenis em luta combateram até à morte. A pertença ao bairro, a ligação ao “gang” eram o único apoio para os jovens cujas mães trabalhavam todo o dia sem descanso nas “maquilas”, cujos pais se tinham estabelecido do outro lado da fronteira e eram maltratados pelos “padrinhos”.
Os seis centros Salesianos
Os Salesianos gerem cinco centros juvenis nos bairros pobres de Tijuana, onde acompanham 5.000 crianças provenientes de contextos difíceis. No Centro São João Bosco funciona uma escola primária para 180 crianças. Ao contrário do que acontece nas escolas públicas e privadas, os Salesianos aceitam alunos que não têm documentos e encarregam-se de proceder ao registo dos mesmos na conservatória do registo civil. Estes centros são mantidos por donativos e pelo empenho dos vizinhos. Muitos animadores voluntários são ex-alunos.
Uma nova emergência: Haiti
Desde meados de 2016, Tijuana tem assistido à chegada de milhares de migrantes haitianos, em movimento, entre a fuga às catástrofes que assolaram o país, o sonho da emigração e as deportações. No dia 10 de novembro, em resposta a esta situação, os Salesianos instituíram um campo de acolhimento dentro do “Oratório S. João Bosco” para receber entre 150 a 200 pessoas, oferecendo locais para dormir, instalações sanitárias, chuveiros, além de comida, oficinas, atividades (recreativas, desportivas, religiosas). “É difícil saber quanto tempo irá durar esta situação. O centro de acolhimento ficará aberto enquanto a situação durar”, comenta o Pe. Felipe Plascencia.
Altruísmo premiado
A Rede Social de Tijuana atribuiu postumamente a Salvador Romo Gutiérrez, o “Padre Chava”, o Prémio Altruísmo 2002 em reconhecimento pelo trabalho do Projeto Salesiano Tijuana e pela criação de escolas de artes e ofícios em 10 zonas periféricas da cidade.
Em 2014, os Salesianos de Tijuana receberam o Prémio Anjo de Ouro pelo trabalho a favor de mais de 8.000 pessoas, crianças, jovens e migrantes nas várias obras que têm na cidade, e o Prémio Protagonismo Social da Trust for the Americas.
Texto adaptado de Don Bosco Magazin/Boletim Salesiano de Itália
Originalmente publicado no Boletim Salesiano n.º 560 de Janeiro/Fevereiro de 2017