Decorreu, no dia 23 de junho, um encontro informal promovido pela Plataforma de Apoio aos Refugiados na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa. Ao longo do dia debateu-se o acolhimento, a integração em Portugal e a saúde mental na integração de Refugiados. Abbed Assad, jovem refugiado sírio acolhido em Portugal há quatro anos, deu o seu testemunho no painel da tarde sobre a hospitalidade. Duas famílias portuguesas, pais de alunos salesianos, contaram a sua experiência no apoio informal a famílias refugiadas acolhidas no nosso País. Fazem parte do Projeto de Mentoria Familiar de I.M.P.A.C.T.O. do Serviço SolSal da Fundação Salesianos.
Abbed contou a fuga a pé da família da Síria até à Turquia e depois para a Grécia de barco. “Tivemos sorte”, recordou, “conseguimos chegar à Europa”. O objetivo da família – a mãe, as duas irmãs e Abbed – era pedir asilo na Alemanha ou na Suécia. “Mas nessa altura as fronteiras estavam fechadas”, recorda. Abbed compreende. “Também já somos muitos”, diz.
Abbed e a família, durante ano e meio na Grécia, viveram em campos de refugiados e numa casa de acolhimento. Aí, foram ajudados por uma organização que articulou a recolocação dos refugiados na União Europeia. “Quando estávamos nos campos de refugiados era a melhor coisa. Qualquer coisa era melhor do que voltar para a Síria”, afirma.
Um ano e meio foi o tempo que demorou o processo de atribuição de asilo, também devido à falta de documentação da família. Quando souberam que viriam para Portugal, estranharam. “Não sabíamos nada sobre Portugal, só conhecíamos o Cristiano Ronaldo”.
Abbed admite que a família pensou em tentar fugir depois da recolocação rumo ao destino inicial, a Alemanha. Mas a mãe decidiu esperar para ver.
“Mostrou-me uma imagem linda do cristão”
Na chegada ao aeroporto foram recebidos e levados de carro até ao destino, os Salesianos do Estoril.
Abbed recorda de imediato o salesiano Pe. Tarcízio Morais, à data diretor dos Salesianos do Estoril. “O Pe. Tarcízio é uma pessoa muito importante para mim, que fez a diferença na minha vida”. Foi o salesiano que o ajudou a passar os primeiros meses de verão sozinho e a superar a estranheza inicial. “Tinha 13, 14 anos, não falava a língua e não tinha amigos”, continua. “Ele mostrou uma imagem do cristão, desta religião, nós não percebemos muito desta religião…, ele mostrou uma imagem linda dessa religião e gigante”, explica.
No primeiro ano as dificuldades na escola foram, naturalmente, muitas. Depois Abbed optou por um curso profissional. Está a estagiar. “Em Turismo e está a correr super bem”, conta feliz.
Abbed recorda ainda o apoio de duas famílias portuguesas, a família Inglês e a família Ramirez do Projeto de Mentoria Familiar I.M.P.A.C.T.O. (Integração, Motivação, Proteção, Acolhimento, Cultura, Talentos e Orientação) do Serviço SolSal da Fundação Salesianos. “Acho que sem eles não estávamos onde estamos”, afirmou. “Não consigo contar toda a experiência que tive, mas essas pessoas foram muito importantes, não só pelas ajudas mas também por estarem perto”.
Juntos acolhemos
Teresa e Mário Ramirez e Ana Cristina e José Inglês contaram a sua experiência no apoio informal à família de Abbed. Teresa recorda que foi o choque com as imagens da guerra na Síria que a fez, e à família, decidir não ficar indiferente. Conheceu um projeto de acolhimento de jovens universitários sírios que tinha o objetivo de garantir a continuidade dos estudos e possibilitar o regresso à Síria depois da guerra. O processo avançou mas a jovem estudante de medicina que a família iria receber acabou por ficar retida no Egito.
A família Ramirez voltou-se para a Plataforma de Apoio aos Refugiados. No entanto, a PAR – iniciativa da sociedade civil portuguesa para articular o acolhimento com um modelo de integração comunitária, em alternativa aos centros de refugiados – impunha que o acolhimento não fosse individual mas de famílias inteiras e que houvesse uma instituição ou uma empresa a tutelar o processo e não pessoas em nome individual.
Abordaram então o diretor dos Salesianos do Estoril, onde os seus filhos se encontravam a estudar, pedindo apoio para a escola aceitar gratuitamente as crianças que viessem a acolher. Foi nessa altura que surgiu a proposta dos Salesianos para, como instituição, acolherem a família. A burocracia envolvida seria demasiado complexa para a família e seria tratada por Helena Domingues, psicóloga do Serviço SolSal que dá apoio às famílias migrantes nos processos burocráticos, de legalização, de acesso aos serviços de saúde, de procura de emprego, etc. “Vocês vão fazer a parte humana que nós não conseguimos fazer”, propôs o Pe. Tarcízio.
Quando a família Ramirez e a família Inglês, também pais de alunos da escola, começaram a preparar o acolhimento, envolveram Joana Bolota, das “Mães que ajudam”, grupo de mães dos Salesianos do Estoril. Depois, entrou a ajuda da Santa Casa da Misericórdia com a cedência de uma habitação e a generosidade dos funcionários da comunidade escolar para preparar o alojamento.
Aprendizagens e erros de quem acolhe
Nos quatro, cinco anos decorridos Teresa Ramirez diz que aprendeu muita coisa, coisas boas e más. Mas há uma aprendizagem que destaca. “As famílias são todas iguais de onde quer que elas venham. Esta palavra, família, é universal, é muito forte”.
Em relação às falhas no acolhimento, lamenta a falta de estruturas de apoio à aprendizagem da língua portuguesa em número suficiente para as populações migrantes. “Finalmente agora conseguimos que a mãe esteja entusiasmadíssima a ter aulas de português online na Cruz Vermelha Portuguesa de Coimbra”, conta.
Teresa refere ainda que Projeto de Mentoria Familiar de I.M.P.A.C.T.O. do Serviço SolSal funciona mas tem que envolver todos os elementos da família. “É preciso que haja um acolhimento de todos por todos”. Hoje, a família Assad já ultrapassou as dificuldades de adaptação inicial. “Apercebemo-nos que a família já ganhou asas, já só precisa de nós como amigos, para um telefonema, uma ida ao cinema”, conta, referindo que tem estado a dar apoio mais intensivo a outra família síria que ainda não está tão integrada. “O que posso dizer é que aprendemos muito. Sim, roubou-nos algum tempo, mas deu-nos outro tempo, um tempo diferente. Por isso recomendamos vivamente”, concluiu.
“Tomamos consciência que são só nomes diferentes”
Ana Inglês lembrou que houve também um efeito de aproximação das famílias portuguesas envolvidas. E explicou a alegria e a espontaneidade com que todos falam da experiência. “Foi de coração aberto que aceitámos este desafio. Às vezes na nossa cabeça tornamos as coisas mais complicadas do que elas são na realidade. No fundo o que esta família precisava era de outra família que a ajudasse a dar os primeiros passos”.
Joana Bolota sublinhou ainda outro aspeto: o facto de se ter criado uma rede de famílias facilitou muito o acolhimento. “Somos várias famílias de acolhimento. Às vezes pode ser um pouco pesado para uma só família dar todo o apoio. Quando surge um problema reunimos e surgem logo várias soluções”.
Ana deixou também um convite: “Abramos o coração para deixar entrar estas famílias que nasceram noutro sítio, chamam-se de outra maneira, comungam de outra religião, comem outras coisas e que quando nos sentamos ao seu lado tomamos consciência que a maior parte das vezes são só nomes diferentes. As coisas em si, na sua natureza, são muito parecidas”.