Carta de Roma

Uma carta, de Roma para Turim

Maio de 1884: a caminho dos 70 anos e com a saúde fragilizada por uma vida de muito trabalho, Dom Bosco encontra-se em Roma, exausto, no rescaldo de uma longa e cansativa viagem que o levara de novo a França.

Resolve então escrever aos salesianos e aos rapazes, a avisá-los do seu iminente regresso: Longe ou perto de vós, não me saís do pensamento. O meu único desejo é ver-vos felizes nesta vida e na eternidade. Foi este pensamento, este desejo, que me levaram a escrever-vos esta carta.

E é nessa carta, que pede ao Pe. Rua para ser lida a todos em Valdocco, na oração da noite, que lhes narra um sonho, um sonho mais que acabara de ter em duas noites consecutivas.

Num primeiro momento desse sonho, revive o clima agradável dos começos do Oratório: Parecia-me estar no antigo Oratório à hora do recreio. Era uma cena cheia de vida, toda movimento e alegria. Uns corriam, outros saltavam: andava tudo numa roda-viva. Aqui jogava-se à barra, acolá à bola. Em toda a parte se cantava e ria.

Dom Bosco

Encantado com o que lhe era dado a observar, Dom Bosco recebe de Valfrè, antigo aluno do Oratório nos anos da fundação, uma justificação daquela franca cordialidade: Repare: a familiaridade gera o afeto, e o afeto a confiança. É isto que abre os corações e leva os jovens a manifestar tudo, sem receio, aos mestres, assistentes e superiores.

Uma segunda parte, no entanto, remete-o para o Oratório salesiano do momento: Lá estáveis todos no recreio. Já não ouvia, porém, aquelas vozes, aqueles cantos de alegria. Tinha acabado aquele movimento, aquela vida que animava a cena anterior. Os semblantes e atitudes dos rapazes traduziam tédio, cansaço, mau humor, desconfiança. Notei, é verdade, que muitos corriam, jogavam, brincavam, despreocupadamente. Mas muitos outros ou estavam sós, encostados às colunas, dominados por pensamentos sombrios, ou andavam pelas escadas, corredores e varandas que dão para o jardim, afastando-se do recreio comum.

E desta vez é José Buzzetti, com Dom Bosco desde 1841 e agora irmão salesiano, quem lhe explicita aquilo que falta: Falta o melhor. Que os jovens, sendo amados, sintam realmente que o são. Que, sendo amados nas coisas do seu gosto, nos interesses próprios da sua idade, aprendam a ver esse amor nas coisas que, por inclinação natural, lhes agradam pouco, como a disciplina, o estudo, o autodomínio, acabando por aceitá-las com generosidade e amor.

Um dos mais belos escritos de Dom Bosco e a perfeita síntese do seu método educativo

A “Carta de Roma”, sem dúvida um dos mais belos escritos de Dom Bosco e a perfeita síntese do seu método educativo, apresenta assim uma desconcertante mas sincera comparação entre dois quadros do Oratório: como era no princípio e como era no presente.

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Dom Bosco

Mas como poderão estes rapazes readquirir aquela vida e animação?, pergunta-se. Uma vez mais não cruza os braços e aponta o caminho para reverter a situação negativa que pressente na sua Obra: Mediante a familiaridade com os rapazes, especialmente nos recreios. Sem familiaridade, não é possível demonstrar o afeto e, sem tal demonstração de afeto, não pode haver confiança. E acrescenta: Quem sabe que é amado, ama, e quem é amado obtém tudo, especialmente dos jovens.

Para Dom Bosco, torna-se pois imperioso regressar às origens, ao espírito genuíno das vivências iniciais: Vou concluir. Sabeis o que deseja de vós este pobre velho, que gastou a vida pelos seus queridos jovens? Que voltem, tanto quanto possível, aqueles dias felizes do antigo Oratório. Os dias do afeto e da confiança cristã entre alunos e superiores; os dias da condescendência e da compreensão mútua por amor de Jesus Cristo. Quase século e meio depois, o mundo mudou, e muito: mas da “Carta de Roma” – “o testamento que contém a sua inequívoca vontade”, nas palavras de Walter Nigg – fica o segredo do êxito da pedagogia salesiana e a chave para o futuro: na educação da juventude, a amorevolezza como caminho.

Fotografia: Por concessão do Museu Casa Dom Bosco/Arquivo Central Salesiano

Publicado no Boletim Salesiano n.º 603 de maio/junho de 2024

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