João Clemente é diretor da Pastoral Juvenil do Patriarcado de Lisboa desde 2019 e afirma que os jovens têm um lugar na Igreja, e que querem ser ouvidos e acompanhados. Fez parte do Comité Organizador Diocesano de Lisboa da JMJ Lisboa 2023.
Trabalhou na Fundação Salesianos. A Jornada Mundial da Juventude serviu para os salesianos conhecerem melhor os jovens ou foi o conhecimento que têm deles que ajudou no trabalho, de sucesso, da JMJ?
A JMJ Lisboa 2023, mais do que um evento circunscrito no tempo, foi e é um processo dinâmico. Desde o anúncio do Papa Francisco, em 2019 no Panamá, de que a Jornada seria em Lisboa, sentiu-se que a Igreja em Portugal direcionou o seu olhar de um modo particular para os jovens. Os Salesianos, peritos em juventude, dispuseram-se a partilhar a sua experiência e o seu saber. Esse conhecimento ajudou a construir a Jornada a vários níveis, mas acredito que a dinamização e o acolhimento de tantos jovens permitiram aprofundar ainda mais esse conhecimento. Depois deste caminho ninguém ficou igual.
Nos Salesianos do Estoril aconteceu um encontro inédito de mais de oito mil jovens, de origens multiculturais diversas, com o Reitor-Mor dos Salesianos e a Madre Geral das Filhas de Maria Auxiliadora. Estes encontros “imprimem caráter” ou são, apenas, fogachos juvenis?
A experiência do encontro e da festa é indispensável no crescimento espiritual dos jovens. A oportunidade de perceber que existem jovens em todas as partes do mundo que partilham a mesma fé em Jesus, ainda que de tantas formas e modos, faz com que muitas vidas encontrem um sentido. Depois, é indispensável, em cada realidade, cultivar essa semente. A responsabilidade primeira, para que não sejam fogachos, é de quem acompanha.
O BS propôs-se ser eco daquilo que se faz no ano decorrente após JMJ. Na sua paróquia, e outras que conheça, sente que a labareda da JMJ ainda ilumina ou o pavio já está fumegante?
Ao longo do último ano, foi visível uma realidade muito diversa naquilo que diz respeito à receção da Jornada. Quando fazemos uma festa ou quando vivemos um acontecimento marcante na nossa vida, ganhamos ânimo para o quotidiano, mas não é possível viver constantemente em “alta tensão”. A labareda da JMJ transformar-se-á numa pequena centelha que precisa de ser cuidada para continuar a iluminar.
É diretor da Pastoral Juvenil do Patriarcado. Como avalia a adesão dos jovens de Lisboa? Eram uma minoria, apesar de muitos, daqueles que habitam a cidade ou não?
Se olharmos para aqueles que participaram, seja como peregrinos seja como voluntários, no todo que é a diocese de Lisboa, podemos dizer que foram uma minoria. Contudo, a Jornada entrou na vida de todos de muitos modos. Esse contacto com a Jornada é insondável. Depois da Jornada foi comum ouvir muitos jovens partilharem a surpresa com o que tinha acontecido e que essa perceção era muito positiva. Tenho amigos que ainda não se encontraram com Cristo, que agradeceram todo o trabalho e realçaram o testemunho positivo.
Há estratégias atuais, na pastoral local e nacional, para que a semente lançada à terra na JMJ germine e se torne árvore frondosa?
Há acima de tudo um desejo que os jovens tenham um lugar na Igreja e que esse lugar seja edificante para os próprios. As atividades, os projetos, as iniciativas em prol dos jovens, devem pressupor um acompanhamento próximo. Os jovens querem ser protagonistas acompanhados.
Nas comunidades cristãs a presença dos jovens já é significativa nas estruturas locais dentro de uma dinâmica sinodal?
Há um caminho longo pela frente. A sinodalidade, para a qual o Papa Francisco nos tem convidado, é um modo que privilegia a fraternidade e a escuta do Espírito. Em muitas realidades eclesiais já é possível experimentar esta comunhão. Mais do que “quotas de participação” dos jovens nas instâncias de discernimento e decisão, é preciso que sejamos consequentes quando escutamos os jovens.
Falemos agora um pouco de si. É casado e pai de três filhos. Aos filhos, crianças com certeza, chegou o entusiasmo da JMJ?
Sim. Guardam com muito entusiasmo as suas t-shirts da Jornada e gostam de estar com os amigos dos pais que conheceram a propósito da Jornada. Foi possível que estivessem em alguns momentos e tenho a certeza de que não os esquecerão. Aprenderam o Hino e cantavam-no com frequência. Ainda hoje, quando lhes perguntam qual é o trabalho do pai, respondem que o pai trabalha na Jornada. Tentamos estar em família nos encontros que congregam os jovens. Por exemplo, na celebração do primeiro aniversário da Jornada, no dia 6 de agosto, estivemos em família e eles viveram esse momento com muita alegria.
E o João? Que legado perene guarda para si deste encontro com o Papa Francisco?
Foram quatro anos muito intensos na preparação da Jornada. Com muitas alegrias, mas também existiram muitos momentos de preocupação, tensão, angústia. Surpreendentemente, durante a Jornada estive muito tranquilo e pude experimentar duas circunstâncias: a Jornada é de Cristo e é Ele que a conduz e, em segundo lugar, confirmei que a diocese de Lisboa, na sua diversidade e extensão, foi a base para que a Jornada tivesse corrido bem. Do Papa Francisco guardo o seu ímpeto provocador. Quando reouço as suas palavras durante a Jornada sinto-me chamado a caminhar.
As famílias vivem grandes desafios, um dos quais é fazer chegar o anúncio cristão ao núcleo familiar, visto o ambiente e as redes sociais contrariarem propostas e valores cristãos. Como lida com esta realidade?
Não creio que o momento que vivemos seja mais adverso à proposta da fé do que muitos outros ao longo da história. Não absolutizo este tempo nem me parece que estejamos num clima de impossibilidade do anúncio. A dificuldade é perceber como podemos anunciar Jesus neste contexto concreto e para isso é necessário ter um olhar de esperança e lucidez não procurando “receitas” que conhecemos. Peçamos ao Espírito que nos conceda o dom da sabedoria e do discernimento. Ainda assim, preocupa-me a polarização que experimentamos na sociedade e da qual a Igreja não está imune.
Como jovem pai católico, que estratégias usa para que os seus três filhos “cresçam na fé mesmo
sem ver”?
Diria que hoje, e na fase em que estão, há três questões muito relevantes. Em primeiro lugar o nosso testemunho enquanto pais. Tentamos que vejam o quão importante é a amizade com Jesus. Em segundo lugar, proporcionamos-lhes uma experiência comunitária. Para que ao estarem em Igreja com os nossos amigos e com os filhos dos nossos amigos se sintam felizes e em casa. E, por fim, procuramos que a educação seja em ambientes cristãos. Contudo não deixamos de ouvir por vezes que não querem ir à Igreja. Acima de tudo procuramos um justo equilíbrio e procuramos não apresentar a fé como uma imposição.
Quer deixar aos leitores do BS uma mensagem de esperança cristã numa curta frase?
Estamos a caminho do Jubileu 2025 e o tema é precisamente a esperança. Cito uma passagem da Bula de Proclamação do Jubileu que nos ajuda a focar no acontecimento que somos chamados a viver. “Deste entrelaçamento de esperança e paciência, resulta claro que a vida cristã é um caminho, que precisa também de momentos fortes para nutrir e robustecer a esperança, insubstituível companheira que permite vislumbrar a meta: o encontro com Cristo”.
João Clemente
Licenciado em Administração Pública e em Ciências Religiosas pela Universidade Católica Portuguesa.
O seu percurso profissional passou pela gestão de projetos, ensino e intervenção social. Na JMJ Lisboa 2023 foi responsável por acompanhar a operação na Diocese de Lisboa, abrangendo 22 municípios, 18 comités vicariais e 205 comités paroquiais.
Publicado no Boletim Salesiano n.º 605 de setembro/outubro de 2024
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