Cumpre o segundo mandato como Conselheiro do Reitor-Mor para a Formação. Numa das maiores Congregações Religiosas do mundo segundo o Anuário Católico, as novas vocações surgem a vários ritmos mas há princípios e normas gerais que são necessários. A fidelidade ao carisma, o investimento na formação, na pastoral juvenil e na animação vocacional são o caminho, acredita.
Foi dos poucos Conselheiros Gerais reeleitos. Que balanço faz do seu primeiro mandato como Conselheiro Geral para a Formação?
O serviço tem sido um privilégio, uma oportunidade de “imersão total” na salesianidade, um grande momento de formação permanente para mim! Visitar e interagir com confrades de todo o mundo tem sido muito enriquecedor. Fui também abençoado com uma equipa maravilhosa: podemos enriquecer-nos uns aos outros e fazer um grande trabalho. A experiência diz-nos que a mudança só se realiza através de relações. Uma forma sinodal de trabalho, que opta por caminhar com todos, ouvir e discernir em conjunto, é muitas vezes lenta e complexa, mas sempre frutuosa. Todavia, isto não é novidade para nós! É uma nova variação do “Procura fazer-te amar”. O Sistema Preventivo é um modo de vida para nós!
Imagino que visitou diversos países para conhecer, in loco, os centros salesianos de formação. Quantos países visitou? Qual lhe pareceu o mais preparado para formar “salesianos para os jovens de hoje”?
Visitámos um grande número de províncias, concentrando-nos principalmente nas casas de formação inicial, e ouvindo primeiro os jovens confrades e depois as equipas de formação.
Se há províncias que se destacam no serviço de formação, são aquelas que se deram ao trabalho de preparar os seus formadores, e que têm uma boa relação entre jovens e idosos. Quando os jovens se sentem confiantes e amados, assumem o risco de abrir os seus corações, e é aí que a formação começa realmente.
Como se pode conciliar a formação, num quadro de referência homogéneo, com tão diferentes culturas?
A Congregação é grande e caminha a várias velocidades, mas, dado que partilhamos um carisma comum, precisamos de princípios e normas gerais. Algumas coisas não são negociáveis! Não pode, por exemplo, haver um salesiano sem coração para os jovens pobres, tal como não pode haver um salesiano para quem Jesus Cristo não significa nada, ou alguém que não se preocupa com o “Procura fazer-te amar”.
A questão é poder distinguir o que é essencial do que é secundário. Esta é a grande arte do discernimento, e não há fórmula ou receita para produzir homens de mente perspicaz! Mas essa é a chave: aprender a discernir, e preparar confrades que são bons discernidores. Isto vem de uma profunda lealdade ao carisma combinada com o respeito pelas diferenças e a leitura inteligente de situações particulares.
Por falar em culturas, o Pe. Ivo é indiano. Quer falar-nos das suas origens, família, chamamento vocacional, percurso académico e salesiano?
Venho da província de Mumbai, nasci e fui educado na cidade de Mumbai. Os meus pais vieram de Goa, primeira geração de migrantes para a cidade. O meu pai trabalhava no Bombay Port Trust e a minha mãe era dona de casa. Vivíamos numa paróquia salesiana e eu frequentei a escola salesiana dirigida pela paróquia. Foi aí que encontrei a minha vocação salesiana – muito ajudada pela experiência do aspirante. Seguiram-se depois as fases de formação: pré-noviciado em Pune, noviciado em Yercaud no sul da Índia, quatro anos na jesuíta Jnana Deepa Vidyapeeth em Pune para obter uma licenciatura em filosofia, dois anos de formação prática com os pós-noviços e um ano com os garotos da rua em Mumbai; profissão perpétua e quatro anos de teologia em Bengaluru, também no sul. Após dois anos de serviço no pós-noviciado em Nashik, fui enviado para a Universidade Gregoriana em Roma para um doutoramento em filosofia. E depois oito anos como diretor e professor no pós-noviciado, seis anos como Provincial e, um pouco mais tarde, três anos como diretor em Jerusalém, antes de ser chamado, inesperadamente, para o serviço de Conselheiro para a Formação em Roma.
A Índia é dos países que mais cresce vocacionalmente. Quantos são hoje os salesianos indianos? Como explica esta adesão juvenil?
Temos atualmente cerca de 2.900 Salesianos na região da Ásia do Sul, com uma idade média de 44,1 anos. Penso que uma das principais razões para este crescimento fenomenal é a decisão de pioneiros como o amado José Luis Carreño de ir ativamente em busca de vocações locais.
Os números continuam a crescer, embora comecemos a ver um crescimento negativo em algumas províncias. É um momento de criatividade: precisamos de coragem para reexaminar as velhas soluções e encontrar novas soluções. Creio que o caminho a seguir consiste em melhorar a qualidade da pastoral juvenil e da animação vocacional. Temos de estar preparados para acompanhar os jovens e ajudá-los a discernir a sua vocação.
A Congregação Salesiana tem formadores capazes de preparar as novas gerações sem adulterar o carisma?
Temos bons confrades capazes de acompanhar os seus irmãos mais novos e de os preparar para levar avante o carisma de Dom Bosco. Ainda assim, é também verdade que somos melhores na preparação de professores do que de formadores. Investir na preparação de formadores é uma das chaves. O que é que tal preparação implica? Certamente, um bom conhecimento do carisma salesiano e uma sólida experiência pastoral. Também, uma vontade de trabalhar sobre si próprio e de aprender a ouvir e a acompanhar os confrades em grupo e como indivíduos. O curso de formação de formadores na Universidade Pontifícia Salesiana é muito útil, e estamos em vias de lhe acrescentar uma componente salesiana. A Escola de Acompanhamento Salesiano é outra iniciativa importante, que esperamos começar a oferecer este ano em Valdocco e no Colle. Mas há também muitas experiências úteis a nível local e regional.
Acha que os salesianos jovens estão a ser formados para liderar as futuras estruturas académicas, profissionais, sociais, culturais, missionárias e desportivas que a Congregação tem nos 134 países onde se estabeleceu?
Espero que sim! As províncias têm o cuidado de qualificar os confrades para tais serviços. Todos estes são meios para atingir um fim. São mediações da missão, que é revelar, como Jesus, a face misericordiosa do Pai – ser sinais e portadores do seu amor.
Dá a impressão que alguns desses jovens andam demasiado ataviados eclesiasticamente, esquecendo a célebre frase de Dom Bosco: salesianos em “mangas de camisa”. Que lhe parece?
Estou totalmente do lado dos Salesianos de Dom Bosco em mangas de camisa! Acredito que o nosso lugar na Igreja é estar com os últimos e os excluídos, os jovens à margem, e isto é central para o nosso carisma. Esses jovens são a razão da nossa existência, e por isso devemos ser flexíveis, lentos a julgar, pacientes, capazes de ouvir.
Por todo o mundo, neste ano pandémico, houve períodos longos do fecho das Escolas. Que reflexos negativos podem ter nos educadores?
Tenho a certeza que as aulas online são cansativas para alunos e professores. E muitos não têm as condições necessárias. As aulas online não são a panaceia para todos os problemas. Poderemos ver na crise atual uma oportunidade de reexaminar o nosso atual sistema de aprendizagem em sala de aula? Espero que sim!
Gostaria de perceber que estratégias vão ser reforçadas em relação à formação dos leigos para se passar do seu “envolvimento utilitarista à estratégia de corresponsabilidade”.
Embora o CG28 tenha terminado antes de discutir a “missão partilhada”, estão a ser feitos esforços nesta direção. Envolve ouvir e dialogar de modo a avançar para o pleno reconhecimento do lugar dos leigos na Igreja e na missão salesiana. Não se trata de ter um número suficiente de salesianos para fazer o que tem de ser feito; trata-se da convicção de que Deus chama muitas pessoas a partilhar a missão.
Atualmente é impensável a animação de uma obra apenas por Salesianos. A missão é hoje confiada a Salesianos e leigos. A experiência, a nível mundial, tem sido positiva?
A Congregação caminha a várias velocidades, por isso há grandes áreas onde esta convicção ainda não se enraizou, e há dificuldades genuínas sobre a forma como os não cristãos podem partilhar a missão. Ainda assim, estou convencido que mesmo em províncias com grande número de confrades, não só é correto mas também necessário permitir que os leigos tomem o seu lugar na missão.
Quais os critérios fundamentais para confiar setores primordiais a leigos?
Competência e capacidade de animar e governar, mas também amor pela missão salesiana e formação no carisma. Obviamente, encontraremos pessoas mesmo de diferentes credos com os dois primeiros requisitos. O desafio é investir na formação e encontrar maneiras de esta ser recíproca e “conjunta”, com os Salesianos e a Família Salesiana.
A formação é um “trabalho artesanal” não é uma “produção em série”. Como é que é possível em estruturas complexas e dispersas?
A minha resposta aqui é cuidar do povo. Se os membros, especialmente do núcleo animador, são pessoas verdadeiramente salesianas, com a arte de poder tocar o coração dos jovens, haverá coisas boas a acontecer mesmo em obras que são muito complexas. Se Dom Bosco foi capaz de dar atenção pessoal aos seus rapazes e aos seus salesianos apesar de estar envolvido em mil coisas, isso também deveria ser possível para nós!
Se fosse convidado a falar a uma assembleia de leigos empenhados na missão salesiana em Portugal, que mensagem gostaria de lhes deixar?
Caros amigos, cada um de nós foi tocado a dada altura por Dom Bosco. Para muitos de nós, Dom Bosco tem sido o nosso caminho para Jesus. Esta é a nossa experiência, o nosso tesouro. Convido-vos a olhar para essa experiência e a falar sobre ela entre vós. Ouvireis Deus falar convosco, e acima de tudo encontrareis a alegria que advém de fazer parte de algo de belo. Pensai nos muitos jovens cujas vidas tocastes. Tal como Dom Bosco, vós sois pais e mães de jovens, muito especialmente daqueles que têm experiências difíceis de paternidade e maternidade. Por isso, agradeço-vos e junto-me a vós para agradecer a Deus pela nossa vocação!
Pe. Ivo Coelho
Nasceu a 15 de outubro de 1958, em Mumbai na Índia. Ingressou no noviciado em 1976, fez os primeiros votos em 1977 e emitiu os votos perpétuos sete anos depois, em Mumbai. Foi ordenado sacerdote em Panjim, no dia 27 de dezembro de 1987. Entre outros cargos, foi Provincial da Índia-Mumbai (2002-2008). Foi eleito pelo CG27 Conselheiro Geral para a Formação em 2014. O CG28 confirmou-o para um segundo mandato.
Publicado no Boletim Salesiano n.º 586 de Maio/Junho de 2021