A interpelação surgiu num momento decisivo: “Decidi dizer sim ao Senhor”. Cresceu nos ambientes salesianos, fez quase toda a escolaridade nos Salesianos de Utrera, a primeira casa salesiana de Espanha. Foi responsável pela Pastoral Juvenil, Família Salesiana e foi Provincial. Foi também presidente da federação de Escolas Católicas de Espanha. É o novo Conselheiro do Reitor-Mor para a Região Mediterrânea.
É uma honra entrevistá-lo no início de uma série de conversas com os novos Conselheiros Gerais. É o atual Conselheiro para a Região Mediterrânea, que compreende Portugal, Espanha, Itália e Médio Oriente. É uma missão claramente desafiante.
Sim é, claramente. Em primeiro lugar porque é uma novidade para mim. Abre-se uma etapa diferente. E, em segundo lugar, pelos desafios que a nossa Região Mediterrânea apresenta. É uma Região jovem e devemos continuar a trabalhar pela sua consolidação percorrendo o caminho da sinergia de forças e de compartilhar projetos e experiências na realização da missão salesiana. Mas também é uma região que deve continuar a enfrentar o desafio vocacional, quer dizer, a fidelidade criativa e dinâmica ao dom da vocação, por um lado e, por outro, a fecundidade vocacional, que há de ser o fruto da nossa Pastoral Juvenil ajudando os jovens a descobrir e realizar o Projeto de Vida a que Deus os chama.
Quer falar-nos da sua família, infância, estudos e percurso feito enquanto jovem?
Nasci em Burguillos (Sevilha). Sou o mais velho de seis irmãos, três rapazes e três raparigas. O meu pai era carteiro rural e a minha mãe dona de casa. Uma família simples, alegre, muito unida. Os meus pais ensinaram-nos a ser respeitosos, a ajudar os outros, inculcaram-nos os valores cristãos para ser boas pessoas e o amor a Nossa Senhora do Rosário. Fiz a instrução primária nas escolas públicas da minha aldeia, e o segundo e terceiro ciclos, bem como o secundário, nos Salesianos de Utrera, primeira casa salesiana de Espanha.
Foi chamado por mais do que uma vez a desempenhar cargos relevantes nas Províncias salesianas de Espanha. Quer elencar alguns?
O primeiro e por duas vezes, que marcou toda a minha vida salesiana, foi o de Delegado Provincial de Pastoral Juvenil só com um ano de sacerdócio. Fui dois anos Delegado da Família Salesiana e depois Provincial por duas vezes, primeiro da Província de Sevilha quando havia sete províncias em Espanha e, depois, da Província de Madrid com a reestruturação das províncias de Espanha. Fui também por cinco anos diretor da Casa salesiana de Cádiz, uma experiência inolvidável.
É salesiano desde 1978. O que o levou a fazer-se salesiano?
Não conhecia os salesianos de lado nenhum. Graças a uma bolsa, fui estudar nos Salesianos de Utrera aos 10 anos. Ali estive sete anos como interno. A primeira coisa que me chamou a atenção foram os salesianos. Via-os diferentes, eram religiosos especiais, alegres, próximos, preocupavam-se connosco, jogavam connosco e ao mesmo tempo eram exigentes. Depois fui conhecendo a vida de Dom Bosco e fui entendendo porque é que os salesianos eram assim: quando era mais pequeno, chamavam-me a atenção tantas anedotas e façanhas, os milagres… Depois fui compreendendo um pouco mais a sua espiritualidade que era muito simples, a sua obra espalhada por todo o mundo, mas sobretudo o sentido da festa e a alegria. Diziam-nos que a santidade consistia em estar sempre alegres. Quando chegou o momento de decidir sobre o meu futuro, sentia no meu interior a inquietação do chamamento a ser salesiano. Num retiro deparei-me com esta frase: “Do teu sim ou do teu não depende a felicidade de muitos”. E decidi dizer SIM ao Senhor.
A Obra Salesiana, em Espanha, conheceu grande desenvolvimento nas décadas 50/90. Foram anos de ouro.
Sim, rotundamente sim. A geração de salesianos que deram vida a tantas iniciativas em favor dos jovens, e especialmente os mais pobres. Merece uma verdadeira homenagem. São estes que hoje andam à volta de 80, 90 anos. Que geração! Devemos hoje aprender deles a grande generosidade, a grande abnegação, o grande espírito de sacrifício por amor a Dom Bosco e aos rapazes. E com isso, um grande florescimento vocacional.
Hoje a situação é diferente. Diminuição de salesianos e encerramento de obras. O futuro é incerto?
Efetivamente, hoje a situação é diferente. Mudou a sociedade, mudou a Igreja, mudou a Congregação, mudaram os jovens, as suas famílias, a cultura dominante. E somos menos, bastante menos, mas, como disse o Papa Francisco, “o salesiano do século XXI não tem que ser pessimista, nem otimista, mas homem de esperança”. Há também sinais de esperança num regresso da Congregação aos mais pobres, na quantidade de Leigos comprometidos com quem compartilhamos a vocação salesiana, em tantas famílias e jovens que vibram com Dom Bosco, no florescimento da Família Salesiana… O futuro é incerto.
A propósito de diminuição de salesianos: discute-se o problema de saber se os Leigos são presença supletiva ou parte integrante do carisma do Fundador. Que lhe parece?
Que não há volta atrás. E não há, não principalmente porque seja uma realidade que se impõe, mas porque é questão de fidelidade carismática, de fidelidade a Dom Bosco. Sabemos bem que Dom Bosco, desde o início da sua missão em Valdocco contou com muitos leigos, amigos e colaboradores a fazer parte da sua missão entre os rapazes. Trata-se, de facto, apesar das nossas resistências, de um caminho sem ponto de retorno, porque o modelo operativo da missão compartilhada com os leigos tal como o propunha o CG24 é, de facto, “o único válido e viável nas condições atuais”. Havemos de assumir que o modelo do espírito e da missão compartilhada entre salesianos e leigos é o nosso modelo de ser e de viver a Igreja com os jovens.
O CG28 traçou orientações para a inserção efetiva dos leigos na missão?
Sim, o CG28, na reflexão pós-capitular, oferece orientações muito precisas sobre este ponto para toda a Congregação. Por um lado, pede-nos assumir com decisão que a missão compartilhada entre consagrados e leigos é o modo de ser Igreja que mais atrai os jovens. E, por outro lado, chama-nos a que asseguremos espaços e tempos de formação conjunta e de comunicação de vida entre consagrados e leigos, para compartilhar a paixão educativo-pastoral, o compromisso na CEP e a promoção do território.
Pode dizer-nos, em números, a situação da Região Mediterrânea?
Não disponho neste momento dos dados precisos. Constituem a Região 16 países. Somos mais de 2.800 salesianos em 343 casas e levamos por diante mais de 1600 obras entre escolas, oratórios, centros profissionais centro universitários, casas vocacionais, paróquias, centros para jovens em risco de exclusão, etc. e centenas de milhares de destinatários.
Há anos, o Arcebispo de Madrid afirmou que havia crianças madrilenas que nunca ouviram falar de Jesus. A Família Salesiana da nossa Região tem consciência desta realidade? Desta descristianização?
Certamente o processo de secularização avançou muito em Espanha. Infelizmente, nalgumas zonas chegou-se a um verdadeiro secularismo e à indiferença religiosa. Isto afeta, evidentemente, de um modo particular, os jovens. A Família Salesiana tem consciência desta realidade e procura avançar, não sem dificuldades, para enfrentar este desafio que vai à raiz da evangelização, ao primeiro anúncio. É este um dos pontos-chave da nossa programação como Região, pois não afeta só Espanha.
Permita-me, Pe. Juan Carlos, a franqueza: não lhe parece que os salesianos têm estruturas a mais e “anúncio” a menos?
Este é o grande perigo. E temos de estar atentos. Não podemos ficar na manutenção de grandes estruturas. Por isso todas as Províncias, seguindo as orientações dos últimos Capítulos Gerais, estão envolvidas em processos de “redesenho” de Obras e comunidades para responder ao desafio de anunciar o Evangelho, a boa notícia de Jesus, aos jovens, os mais pobres e em risco de exclusão.
Sejamos sinceros: não se convocam demasiadas reuniões, com pessoas qualificadíssimas, que podiam estar nas praças e nos “pátios do mundo” a anunciar o Evangelho?
Não, essas reuniões têm uma finalidade de motivar os salesianos e os leigos, sobretudo a converter e motivar o seu coração. O Evangelho só pode ser anunciado tendo-se deixado evangelizar. Precisamos de nos converter. Essa conversão pastoral de que nos fala o Papa Francisco. Isto não se faz por inércia. Necessitam-se estímulos que nos motivem. Para isso servem as reuniões. Se não servem para isto, são inúteis e é melhor suprimi-las.
O Reitor-Mor fala “da urgência da evangelização dos jovens com propostas explícitas”. As estratégias a adotar podem ser comuns na Região Mediterrânea?
Posso dizer com satisfação que a partir das delegações de Pastoral Juvenil das nossas Províncias e a partir dos Centros Nacionais de PJ se está a oferecer reflexão, orientações, instrumentos para enfrentar esta urgência. E sim, é algo que afeta toda a Região e que juntos como Região estamos a enfrentar.
Muitos jovens imploram a presença dos salesianos: “Tendes os nossos corações. Nunca vos esqueçais de nós”. Estamos a esquecer?
Este foi o grande “grito” dos jovens na preparação do CG28 e dos que participaram no próprio Capítulo. Corremos o grande perigo de o esquecer, de nos encerrarmos nos nossos espaços comunitários ou nos gabinetes e abandonar esta presença física no meio dos jovens. E todos podemos correr este perigo. Estou convencido disso. Cada um à sua maneira, de formas diversas. É tão importante que o nosso Reitor-Mor o assinalou como um dos pontos da sua carta programática. Chamou-lhe “o sacramento salesiano”.
Pe. Juan Carlos Pérez Godoy
Nasceu a 5 de novembro de 1959 em Burguillos, fez a Primeira Profissão a 8 de setembro de 1978 e foi ordenado sacerdote a 5 de junho de 1987. Foi Superior da Província São Tiago Maior, com sede em Madrid, Delegado da Pastoral Juvenil, Vigário e Provincial na antiga Província de Sevilha. Formado em Ciências Eclesiásticas, possui diplomas em Magistério, Catequética e Pastoral Juvenil.
Publicado no Boletim Salesiano n.º 584 de Janeiro/Fevereiro de 2021