Susana Soares: “Ainda há tanta coisa que a Ciência desconhece e não sabe explicar”

Estudou nos Salesianos do Porto onde primeiro despertou o interesse pela ciência por influência de uma professora. Susana Soares é investigadora da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto na área da Bioquímica.

É um gosto entrevistar uma antiga aluna dos Salesianos do Porto, investigadora na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, distinguida com o Wartburg Excellence Award in Flavor Research 2019. Que representa para si esta distinção?

Esta distinção constitui um marco muito importante na minha carreira de investigadora por dois motivos. Primeiro, a instituição responsável pela sua atribuição foi a Nestlé (departamento de Investigação e Desenvolvimento), uma empresa de referência no setor alimentar. É uma honra ser distinguida por esta empresa, tendo em consideração que eu trabalho em Investigação e Ciência Alimentar. Portanto, foi um prémio prestigiante. Segundo, foi um prémio atribuído pelo trabalho desenvolvido nos últimos anos, sendo uma recompensa pelo empenho profissional e também pelo sacrifício pessoal dos últimos anos.

Regresso aos Salesianos do Porto: mãe, pai e as duas filhas são antigos alunos

No seu percurso escolar sempre sonhou dedicar a vida à investigação? Nas aulas de Ciências ou Biologia algo a fascinava? Algum professor lhe indicou o caminho?

É inegável que desde muito nova (13-14 anos) tive um fascínio pelas coisas de ciência. Confesso que uma fonte de inspiração foi uma professora que ainda leciona nos Salesianos do Porto, a professora Deolinda Alves. O empenho, o rigor e a motivação com que ensinava foram sem dúvida determinantes na escolha da formação superior. A primeira opção de curso superior foi Biologia, tendo, no entanto, mudado no ano a seguir para Bioquímica. No entanto, só quando terminei o curso é que me cruzei com a investigação.

Nos anos em que frequentou o Colégio, o carisma de Dom Bosco e os salesianos foram inspiração para o seu projeto de vida?

Sempre. O carisma de Dom Bosco e os salesianos têm sempre presente o espírito de família e de união. A forma de estar e ser da comunidade salesiana influenciaram tanto o meu desenvolvimento pessoal como profissional e, olhando para os meus amigos que frequentaram o Colégio, também revejo muito deste espírito neles e na sua vida. Daí ter escolhido esta educação também para as minhas filhas. No entanto, muito honestamente, acho que só tive essa consciência e dei o devido valor já em idade adulta.

Que recordações guarda dos Salesianos do Porto? Quantos anos frequentou o Colégio?

Muitas. Dado que frequentei o Colégio durante quase uma década (9 anos) tenho imensas (boas) memórias. Guardo com especial carinho e nostalgia a minha participação nos Jogos Nacionais Salesianos como membro da equipa de futebol feminino. O ano passado foi um orgulho ver a realização destes jogos no Porto. Os dias de festa, festa de Dom Bosco, festa de S. Domingos Sávio, sempre com imensas atividades e convívio. O ano de finalistas, em que trabalhámos todos juntos, alunos e professores, para fazer uma viagem de finalistas inesquecível. Do Colégio trouxe amigos para a vida!

Fotografia da turma do Colégio dos Salesianos do Porto e um momento de festa nos Jogos Nacionais Salesianos

“Tenho imensas boas memórias. Guardo com especial carinho e nostalgia a minha participação nos Jogos Nacionais Salesianos”

Quer falar-nos da sua família: marido, filhos, hobbies e projetos de futuro.

O marido, Ângelo Lucas, é, curiosamente, antigo aluno salesiano. E conheci-o no Colégio! Ele frequentou também o Colégio de Poiares da Régua e só depois veio para o Porto. Temos duas filhas gémeas, a Francisca e a Maria, que têm agora 7 anos.  Já frequentaram o Colégio do Porto, mas atualmente andam nas Salesianas. São uma dádiva de Deus. Não tenho muitos hobbies… como gosto muito de cantar pertenço a um coro de gospel, o Saint Dominics Gospel Choir. Quando tenho tempo faço exercício, e gosto muito de ler livros e ver séries. Os projetos de futuro assentam na evolução da minha carreira profissional, tentar obter mais e melhor financiamento, uma vez que já tenho uma equipe que depende de mim, e tentar conciliar melhor a parte profissional com a parte pessoal, o que tem sido muito difícil.

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Faz parte da comunidade cristã da paróquia do Bonfim. É católica assumida. Desenvolve alguma atividade especial na dinâmica paroquial?

Sim, sou responsável pelo (pequeno) coro da Eucaristia das 19 horas de sábado. Novamente, uma atividade governada pelo meu gosto pela música e canto. Pertenço a este coro desde os 10 anos e fui ficando, ficando… Há muitos anos, antes de começar a trabalhar e casar, fui catequista, acólita, leitora, tive sempre um papel muito ativo na paróquia. Agora, o tempo disponível é pouco e sinto que faço mais falta no coro da Eucaristia.

“O carisma de Dom Bosco e os salesianos têm sempre presente o espírito de família e de união. Influenciaram tanto o meu desenvolvimento pessoal como profissional. No entanto, acho que só tive essa consciência e dei o devido valor já em idade adulta”

Trabalhando num meio aparentemente afastado da vivência religiosa, o seu testemunho cristão é apreciado?

“Uma má pessoa não pode ser um excelente profissional”, diz o Psicólogo Howard Gardner da Universidade de Harvard. Cada vez mais acredito nesta frase! Apesar de às vezes alguns acontecimentos porem isto à prova, a vida tem vindo a mostrar-me que isto pode ser mesmo verdade. Esta frase não foi proferida num contexto religioso, no entanto no meu entendimento está intrinsecamente ligada a uma frase bem salesiana: “Bons Cristãos e Honestos Cidadãos”. Acredito que a minha forma de ser e estar contribui em parte para o meu sucesso profissional, para a equipe fantástica que tenho e também para a relação que tenho com os meus superiores, também eles excelentes profissionais e pessoas.

Nos meios científicos há uma certa propensão para olhar a ciência e a técnica como a chave de todos os problemas. Ciência e fé têm espaço para coabitar?

Naturalmente. Ainda há tanta coisa que a Ciência desconhece e não sabe explicar. Para mim não existe ou um ou outro, mas sim uma ligação. Nós no laboratório até costumamos brincar e dizer: “tem fé que vai funcionar”.

Doutorou-se em Bioquímica e atualmente trabalha como investigadora especializada na compreensão dos “mistérios” escondidos nos sabores dos alimentos. Quer dizer-nos sucintamente que mistérios são esses?

Atualmente já se sabe muito sobre o sabor dos alimentos, mas ainda há muitos aspetos por descobrir. Isto sobretudo quando se considera gosto e saúde. A maioria dos alimentos promotores de saúde são de origem vegetal, vegetais propriamente ditos, legumes e produtos derivados (e.g. chás, cafés, sumos de frutas, cervejas, etc.). A maioria destes alimentos são ricos em compostos saudáveis (i.e. polifenóis) mas que são tipicamente amargos e adstringentes (i.e. sensação de secura na boca, por exemplo, como quando se come uma banana ou diospiro verdes). A perceção do gosto amargo já é muito estudada, faltam é abordagens saudáveis para diminuir esta perceção. Em relação à adstringência, a situação é um pouco diferente, uma vez que ainda não há consenso de como é percebida. No entanto, o objetivo é o mesmo, diminuir esta perceção usando abordagens saudáveis.

Em 2019 Susana Soares foi distinguida com o Wartburg Excellence Award in Flavor Research

Como podem ser apetecíveis os alimentos cujo sabor não é agradável?

Atualmente já fazemos coisas no nosso dia-a-dia para contornar esse problema: adoçar bebidas amargas (e.g. pôr açúcar no café), condimentar os legumes e saladas (e.g. molhos, azeite, etc). A questão é que estas opções introduzem outros malefícios associados ao uso de açúcar refinado ou adoçantes, de molhos com gorduras, etc. A minha investigação procura encontrar outras alternativas, compostos (saudáveis) que interajam com os compostos cujo sabor não é agradável e os impeçam de ter esse sabor.

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É possível criar matéria alimentar em laboratório com sabores apelativos?

Não diria em laboratório, mas já está bem desenvolvida a designada “gastronomia molecular”. Nesta vertente são aplicados princípios científicos à preparação de alimentos e pratos, tanto para conferir sabores apelativos como aliar texturas diferentes a esses sabores.

Uma pergunta fora da caixa, se me permite: como se pode dar sabor à vida nos momentos amargos?

Esta é uma excelente pergunta! Não há uma receita mágica. Na minha vida, os momentos amargos têm sido condimentados com fé, oração, esperança e acreditar. Para mim, tem sido uma boa receita. As adversidades fazem-nos dar valor ao que temos. A vida e Deus têm sido muito generosos comigo e eu sou muito grata pelo que tenho.

“Acredito que a minha forma de ser e estar contribui em parte para o meu sucesso profissional, para a equipe fantástica que tenho e também para a relação que tenho com os meus superiores, também eles excelentes profissionais e pessoas”

Celebrámos há pouco o 5.º aniversário da encíclica do Papa Francisco Laudato Si’. O Papa sustenta que a exploração ilimitada de recursos finitos da terra já não é possível. O que tem a acrescentar uma investigadora em Bioquímica a esta afirmação?

É muito importante que a Igreja, na pessoa do Papa Francisco, alerte e discuta temas basilares da sociedade. Este é um deles! É uma verdade perturbadora e que precisa ser endereçada quanto antes. A nível profissional, temos este tópico bem presente pois todos os projetos e diretrizes (nacionais e europeus) impõem a existência de sustentabilidade e valorização de subprodutos. Mas este tema não pode ser resolvido só em soluções à escala mundial! Em pequenas coisas do nosso dia-a-dia, nós contribuímos para o problema ou para a solução, dependendo das nossas atitudes… o fechar uma torneira enquanto tomamos banho, o não desperdiçar restos alimentares e reaproveitar, a partilha responsável de uma boleia de carro, o consumo responsável, etc.

Se fosse convidada a falar aos alunos e professores da sua antiga escola, que mensagem gostaria de lhes deixar?

A minha mensagem para os professores é de motivação, coragem e esperança. Motivação, pois não sei se eles têm bem presente a influência que exercem no desenvolvimento pessoal e profissional de um aluno. Mas eles, em conjunto com a família, são um modelo para os alunos. Coragem, pois ser professor não é fácil! E esperança, pois o trabalho árduo deles muitas vezes só mais tarde é que dá frutos. Eu guardo muito carinho pela maioria dos professores que tive no Colégio. Tive a sorte de ter professores que eram bons profissionais e boas pessoas. A minha mensagem aos alunos é de motivação e ânimo, apreciar o rigor e exigência, e coragem. Motivação e ânimo, porque o trabalho árduo é recompensado ainda que mais tarde, mas é recompensado! O rigor e exigência são ferramentas para a vida. Quando se atinge um objetivo difícil, a satisfação é muito maior. Coragem! Hoje em dia os alunos têm milhares de opções, que na minha altura não havia. Podem iniciar o 1.º ciclo de estudos numa área e fazer o 2.º ciclo noutra área totalmente diferente! Tenham coragem para experimentar, arriscar e mudar até encontrarem o vosso caminho: a única forma de fazer um ótimo trabalho é amar o que se faz!

Em frente ao Departamento de Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

Susana Soares
Idade:
38 anos
Família: Casada, duas filhas
Antiga Aluna: Salesianos do Porto 1993-2001
Formação: Licenciada em Bioquímica pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto; Mestre em Bioquímica pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto; Doutorada em Química pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

Publicado no Boletim Salesiano n.º 582 de Setembro/Outubro de 2020

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