Comentário ao Compêndio do Catecismo /9
Enzo Bianchi
A oração de Jesus durante a agonia no Jardim de Getsemani e nas últimas palavras sobre a cruz revelam a profundidade da sua oração filial: Jesus conduz à sua realização o desígnio de amor do Pai e toma sobre si todas as angústias da humanidade, todas as interrogações e intercessões da história da salvação. Ele apresenta-as ao Pai que as acolhe e escuta, para lá de toda a esperança, ressuscitando-O dos mortos.
(Compêndio do Catecismo nº 543)
“Pai, não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lc 22,42). Esta oração tão essencial, feita por Jesus durante a sua agonia no Jardim do Getsémani, resume o desejo profundo que deu sentido a toda a sua vida: o de viver animado pelo amor de Deus, que se traduz no amor concreto por todos os homens. Por isso, na iminência da sua paixão, Jesus entrega pontualmente a Deus a vida que recebeu como dom: é assim que “realiza o projeto de amor do Pai e deixa entrever a insondável profundidade da sua oração filial” (CIC 2605).
Jesus caminhou para a morte em plena liberdade e sabendo que, mesmo naquela hora extrema, podia viver e dar testemunho do amor: amor à verdade, amor à justiça, amor a toda a humanidade. Por isso, não se limitou a deixar a morte acontecer, mas fez dela um ato, um selo colocado na sua existência. Sim, mesmo diante de uma morte tão vergonhosa e injusta, mesmo no meio do desprezo e da violência dos seus inimigos, Jesus continuou a amar gratuitamente: isto é-nos testemunhado, em particular, por aquilo que a tradição cristã sempre conheceu e meditou como “as sete palavras de Jesus na cruz”.
Na cruz, Jesus continua a amar Deus, seu Pai. É para ele que se volta, gritando as palavras de um salmo: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” (Sl 22,2; Mc 15,34; Mt 27,46) e confiando na sua resposta (cf. Sl 22,22: “Tu respondeste-me”) para além da morte. É a Deus que ele dá o seu último suspiro: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Sal 31,6; Lc 23,46). E, depois de proclamar uma última vez a sua sede de ver o rosto de Deus (“Tenho sede!”: Jo 19,28), anuncia que cumpriu a sua missão na terra, pronunciando a palavra que só pode ressoar nos seus lábios: “Está consumado!” (Jo 19,30).
Mas, na cruz, Jesus ama também os seus irmãos e irmãs até ao fim. É por isso que dá o perdão aos seus algozes: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34) e promete o Reino a um malfeitor crucificado ao seu lado: “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). É por isso que ele confia um ao outro a sua mãe e o discípulo amado: “Mulher, eis o teu filho… Filho, eis a tua mãe” (Jo 19,26-27), revelando o rosto da Igreja na sua dupla polaridade de mãe e de grupo de discípulos amados por Jesus.
Como escreveu um espiritual do nosso tempo, “estas palavras são a força vital para todos nós”: são o sinal de uma vida que se tornou totalmente orante e, portanto, o prelúdio de uma morte que se abre à ressurreição e à vida eterna.
(Família cristã, 21 de outubro de 2012)