O que é a oração contemplativa?

Comentário ao Compêndio do Catecismo /31
Enzo Bianchi

A oração contemplativa é um simples olhar sobre Deus no silêncio e no amor. É um dom de Deus, um momento de fé pura durante o qual o orante procura Cristo, se entrega à vontade amorosa do Pai e concentra o seu ser sob a acção do Espírito. Santa Teresa de Ávila define-a como uma íntima relação de amizade, «em que muitas vezes dialogamos a sós com Deus, por Quem sabemos ser amados».
(Compêndio do Catecismo nº 571)

“Contemplação” é uma palavra clássica no vocabulário cristão. Mas é também uma palavra abusada, frequentemente utilizada para indicar uma especialização particularmente elevada da experiência cristã, a contrastar com a “vida ativa”: isto cria um esquematismo que dilacera a unidade e a simplicidade fundamentais da experiência cristã.
Biblicamente, a contemplação não é uma visão de Deus – porque “quem vê Deus morre” (cf. Ex 33,20) – mas é um olhar novo sobre tudo e todos. “Caminhamos na fé e não na visão” (2 Cor 5,7), diz Paulo; isto significa que, na fé, Deus não se torna visível para nós e, no entanto, manifesta-se, segundo a promessa de Jesus: “Aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e manifestar-me-ei a ele” (Jo 14,21).
Esta manifestação, porém, não se dá através de uma visão, nem de um conhecimento teórico ou intelectual, mas de uma comunicação interior do poder divino: Deus revela o seu projeto de salvação, o seu amor por todos os homens. Eis então a autêntica contemplação cristã: fixar o olhar no amor de Deus a ponto de ver, pela graça, toda a realidade com os seus olhos. Então Deus brilha no nosso coração e nós partilhamos o seu olhar sobre toda a história e sobre todas as criaturas: o nosso olhar torna-se um olhar contemplativo, cheio de amor e de misericórdia…
E assim nos é dada a magnanimidade de Deus (cf. Rm 2,4; 9,22; 1Pd 3,20; 2Pd 3,15), a capacidade de ver, de sentir, de pensar grande sobre tudo, sobre cada criatura, mesmo a mais miserável, mesmo a mais marcada pelo pecado e mais ferida na sua semelhança com Deus: este é o verdadeiro discernimento, que tem como fruto o “apocalipse”, isto é, a revelação do sentido profundo de todas as coisas. Quem reza assim torna-se capaz de ver mais além, de ver tudo com um olhar transfigurado: vê que tudo é dom de Deus e, por isso, adquire as suas entranhas de misericórdia (cf. Lc 1, 78), mesmo diante do mal e do pecado que contradizem o amor.
No final da sua vida de oração, São Bento, estando à janela e olhando para a escuridão da noite, viu uma luz que descia do alto e dissipava as trevas. Nessa visão, escreve o seu biógrafo, “o mundo inteiro foi colocado diante dos seus olhos como se estivesse reunido num único raio de sol”. É assim que o contemplativo vê o mundo: com grande misericórdia, com profunda compaixão. Numa palavra, com o olhar de Deus.
(Família cristã, 24 de março de 2013)

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