Comentário ao Compêndio do Catecismo /50
Enzo Bianchi
Ao pedir a Deus Pai para nos perdoar, reconhecemo-nos pecadores diante d’Ele. E, ao mesmo tempo, confessamos a sua misericórdia, porque, no seu Filho e através dos sacramentos, «recebemos a redenção, o perdão dos pecados» (Col 1,14). Porém, o nosso pedido só será atendido se tivermos perdoado aos que nos ofenderam.
(Compêndio do Catecismo n.º 594)
A formulação desta pergunta difere em Mateus e em Lucas: Mateus fala de “dívidas” (Mt 6,12), enquanto Lucas usa o termo mais teológico “pecados” (Lc 11,4). O seu conteúdo, porém, permanece inalterado: um pedido de perdão a Deus. O crente tem consciência de que é devedor, sabe que a sua vida regista sempre dívidas para com Deus e para com os irmãos. À escuta da Palavra, compreende que esses erros são injustiça e, portanto, pecado. Não se pode deixar de recordar, a este propósito, a extraordinária palavra de Isaac de Nínive: “Aquele que reconhece o seu pecado é maior do que aquele que ressuscita os mortos”…
O cristão é um homem que “se converteu dos ídolos a Deus” (cf. 1Ts 1,9), mas no seu caminho de regresso ao Pai nunca chegou de uma vez por todas: todos os dias deve renovar a sua conversão, lutando contra o pecado, que é sempre uma contradição ao amor. Nesta labuta quotidiana, ele encontra-se devedor, responsável por pensamentos, palavras, ações ou omissões com que tirou aos irmãos o que lhes devia. É por isso que Jesus nos ensina a pedir a Deus que perdoe os nossos pecados: só com o perdão podemos recomeçar, só o perdão sempre preveniente de Deus nos induz à conversão (cf. Lc 15, 11-32)! Pedir o perdão de Deus é pedir-Lhe que crie em nós um coração puro (cf. Sal 51, 12), que torne novo o espírito que habita em nós (cf. Ez 36, 26): diante do seu amor, seremos assim incentivados a corar, a deixar de amar os nossos falsos ídolos (cf. Ez 16, 61-63), a voltar para Ele de todo o coração (cf. Gl 2, 12).
Mas o perdão que pedimos a Deus está condicionado pelo perdão que concedemos aos outros, aos nossos irmãos e irmãs. É certo que o perdão de Deus precede o nosso perdão recíproco, mas é precisamente o perdão dado ao outro que nos abre ao perdão de Deus. Jesus é muito claro a este respeito, como mostra o comentário que faz a seguir a este pedido dirigido unicamente ao nosso Pai: “Porque, se perdoardes aos outros as suas ofensas, também o vosso Pai que está nos céus vos perdoará a vós; mas, se não perdoardes aos outros, também o vosso Pai não perdoará as vossas ofensas” (Mt 6,14-15; cf. também Mt 18,35).
É isto que compete ao discípulo de Jesus Cristo: perdoar antes de rezar (cf. Mc 11, 25), antes de levar a oferta ao altar (cf. Mt 5, 23); perdoar “setenta vezes sete” (Mt 18, 22); perdoar até ao ponto de amar, fazer o bem e rezar por aqueles que fazem o mal e são seus inimigos (cf. Mt 5, 38-48; Lc 6, 27-36). Só assim nós, cristãos, seremos bem-aventurados, alcançando a misericórdia na medida em que formos misericordiosos (cf. Mt 5, 7), seremos “filhos do Altíssimo, que é bom para com os ingratos e os maus” (Lc 6, 35): então experimentaremos verdadeiramente a remissão dos pecados de Deus, única experiência de salvação que nos é concedida aqui na terra (cf. Lc 1, 77).
(Família Cristã, 4 de agosto de 2013)