Comentário ao Compêndio do Catecismo /2
Enzo Bianchi
Porque primeiramente Deus, através da criação, chama do nada todos os seres e ainda porque, mesmo depois da queda, o homem continua a ser capaz de reconhecer o seu Criador, conservando o desejo d’Aquele que o chamou à existência. Todas as religiões e, em especial, toda a história da salvação, testemunham este desejo de Deus por parte do homem, se bem que é sempre Deus que primeiro e incessantemente atrai cada uma das pessoas para o encontro misterioso da oração.
(Compêndio do Catecismo nº 535)
Quando se percorre as Sagradas Escrituras, o Deus que nelas se revela mostra uma singularidade em relação aos deuses da antiguidade: é um Deus que ama (cf. Dt 7, 7-8). Por amor, quis e criou o homem à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26-27); por amor, “vestiu” o homem e a mulher marcados pelo pecado (cf. Gn 3, 21); por amor, fez uma aliança com todos os seres vivos (cf. Gn 9, 1-17).
Este modo de agir de Deus manifesta-se também no que diz respeito à oração: o Deus da revelação bíblica não é o objeto da nossa procura, mas é Ele que toma a iniciativa, é Ele o sujeito; é Ele o Deus vivo, que não é o resultado dos nossos raciocínios, mas Aquele que se entrega na liberdade amorosa dos seus atos, os quais O mostram em constante procura do homem. É Ele que quer e estabelece um diálogo connosco; é Ele que, ao longo de toda a história da salvação, vem, procura, chama, interpela o homem, pedindo-lhe simplesmente para ser escutado e acolhido. Desde o Génesis, quando se dirige ao homem que acaba de cair no pecado, perguntando-lhe: “[Homem,] onde estás?” (Gn 3,9), até ao Apocalipse, onde parece implorar-nos: “Olha que Eu estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, Eu entrarei na sua casa e cearei com ele e ele comigo.” (Ap 3,20).
O Deus que “nos amou primeiro” (1 Jo 4, 19) fala, iniciando o diálogo; o homem, perante esta autorrevelação de Deus na história, reage na fé com a bênção, a adoração, o pedido, a intercessão, a ação de graças, o louvor… Numa palavra, reage com a oração, que é sempre uma resposta a Deus, orientada para o amor a Ele e aos irmãos. Por isso, o Catecismo afirma com razão: “o Deus vivo e verdadeiro chama incansavelmente cada pessoa ao misterioso encontro da oração. Na oração, é sempre o amor do Deus fiel a dar o primeiro passo; o passo do homem é sempre uma resposta” (CIC 2567). É uma verdade que muitas vezes esquecemos, ocupados que estamos a refletir sobre a nossa oração: Deus reza-nos muito mais do que nós lhe rezamos a ele!
E Deus age assim para com todos os homens da terra, sem excluir ninguém. Um belo texto do Concílio Vaticano II recorda-nos também este facto: “Nos corações de todos os homens de boa vontade a graça opera ocultamente. Com efeito, já que por todos morreu Cristo (cf. Rm 8,32) e a vocação última de todos os homens é realmente uma só, a saber, a divina, devemos manter que o Espírito Santo a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal por um modo só de Deus conhecido.” (Gaudium et Spes 22).
(Família Cristã, 2 de setembro de 2012)