Comentário ao Compêndio do Catecismo /29
Enzo Bianchi
A tradição cristã conservou três modos para expressar e viver a oração: a oração vocal, a meditação e a oração contemplativa. Têm em comum o recolhimento do coração.
(Compêndio do Catecismo nº 568)
A oração vocal associa o corpo à oração interior do coração. Mesmo a mais interior das orações não poderia prescindir da oração vocal. Em todo o caso, ela deve brotar duma fé pessoal. Com o Pai Nosso, Jesus ensinou-nos uma fórmula perfeita de oração vocal.
(Compêndio do Catecismo nº 569)
A essência e a motivação profunda da oração vocal estão bem expressas na versão mais alargada do Catecismo: “A necessidade de associar os sentidos à oração interior corresponde a uma exigência da natureza humana. Nós somos corpo e espírito e experimentamos a necessidade de traduzir exteriormente os nossos sentimentos. Devemos rezar com todo o nosso ser para dar à nossa súplica a maior força possível” (CIC 2702).
A nossa voz torna-se assim expressão de toda a nossa pessoa, que se esforça por entrar em comunhão com o Senhor, acolhendo a sua revelação. Se – como escreve o apóstolo Paulo – “a fé nasce da escuta” (Rm 10,17), a oração vocal é uma forma de diálogo que nasce dessa escuta e um testemunho sensível da fé. Evidentemente, como nos recorda o Compêndio, o Pai-Nosso que Jesus nos ensinou é a forma perfeita, a síntese mais eloquente de toda a oração vocal. Aqui, porém, não podemos comentar extensamente o Pai-Nosso, que será objeto específico de uma secção posterior.
Em vez disso, gostaria de me deter num princípio essencial para a prática inteligente da oração vocal, aquele que São Bento exprime na sua Regra: “Que a nossa mente esteja em sintonia com a nossa voz” (RB 19,7). Bento aplica este princípio ao canto monástico dos salmos, mas creio que se trata de uma lei fundamental na vida de oração, mesmo que tenhamos tendência, sobretudo hoje em dia, devido à cultura dominante, a subvertê-la, acreditando que a voz deve seguir os sentimentos do nosso coração. Pelo contrário, este princípio deve ser entendido em toda a sua centralidade: é a mente, é o coração que deve estar de acordo com o que a voz proclama, e não o contrário! Num sentido mais amplo, somos chamados a estabelecer uma unidade profunda entre o nosso corpo, o nosso pensamento e aquilo a que damos voz, ou seja, a palavra de Deus, fonte de toda a nossa resposta na oração: na oração vocal, todas as nossas faculdades físicas, psíquicas e espirituais devem ser disciplinadas e ordenadas para este fim.
Praticando esta unificação de todo o nosso ser, chegamos também gradualmente a aceitar a oração do Espírito Santo em nós (cf. Rm 8,26-27). E assim podemos chegar a uma oração contínua, que não nasce de nós: é um fluxo subterrâneo, uma lembrança constante de Deus que emerge de vez em quando e se torna oração explícita, mas que nunca nos abandona.
Deste modo, podemos fazer-nos voz de toda a criatura (cf. Oração Eucarística IV) e de toda a criação, porque o universo é um oceano de preces que se elevam a Deus: preces inarticuladas, gemidos dirigidos ao Criador, enquanto se espera a manifestação dos filhos de Deus (cf. Rm 8, 19).
(Família cristã, 10 de março de 2013)