Comentário ao Compêndio do Catecismo /7
Enzo Bianchi
Os Salmos são o vértice da oração no Antigo Testamento: a Palavra de Deus torna-se oração do homem. Inseparavelmente pessoal e comunitária, esta oração, inspirada pelo Espírito Santo, canta as maravilhas de Deus na criação e na história da salvação. Cristo rezou os Salmos, e deu-lhes pleno cumprimento. E é por isso que eles permanecem um elemento essencial e permanente da oração da Igreja, adaptados aos homens de todas as condições e de todos os tempos.
(Compêndio do Catecismo nº 540)
Estas palavras constituem uma síntese admirável, que nos permite compreender a singularidade dos Salmos, “espelho do coração humano” (Atanásio de Alexandria) e escola inesgotável de oração colocada no coração das Escrituras.
Depois de terem sido cantados durante muito tempo na liturgia de Israel, estas 150 composições poéticas (que a tradição judaica coloca sob a autoria de David) foram transmitidas como um tesouro precioso, registadas por escrito e depois utilizadas ininterruptamente pelos judeus no culto sinagogal.
Desde o início, a Igreja rezou os Salmos principalmente porque eram a oração de Cristo, que os proclamava na assembleia litúrgica do seu povo e os meditava no diálogo pessoal com o Pai. Jesus estava tão familiarizado com os Salmos que os citou mais do que qualquer outro texto da Escritura. Não foi o Ressuscitado que disse aos onze: “É preciso que se cumpra tudo o que está escrito a meu respeito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (Lc 24,44)? Os Salmos são, portanto, uma oração de Cristo, mas do “Cristo total”, pois neles rezam a cabeça e os membros, a cabeça que é Cristo e o corpo que é a Igreja (cf. Ef 1,22-23; Col 1,18). O cristão que reza os Salmos por Cristo, com Cristo e em Cristo vê, assim, a oração de Cristo tornar-se cada vez mais sua; aprende a ter em si o mesmo sentimento que tinha em Cristo Jesus (cf. Fil 2,5), crescendo até à estatura de Cristo (cf. Ef 4,13), daquele que é o cantor dos Salmos por excelência.
A Igreja reza os Salmos também porque eles foram a oração quotidiana dos apóstolos e dos autores do Novo Testamento, que neles reconheceram a profecia dos acontecimentos da paixão, morte e ressurreição do Messias Jesus. Rapidamente, estes textos foram utilizados nas assembleias litúrgicas cristãs como profecia do mistério de Cristo. E assim, ao longo dos séculos, o uso dos Salmos na liturgia chegou até nós. Tendo em conta esta tradição ininterrupta, quem reza os Salmos com consciência – seja na oração comunitária ou pessoal – deve sentir-se em comunhão com todos aqueles que os repetiram com amor. Os Salmos são a oração de Israel, de Jesus e da Igreja, aliás de todas as Igrejas; são a oração ecuménica por excelência, unindo a raiz (Israel) e os ramos (as Igrejas).
É por isso que a grande tradição cristã testemunha que o Saltério é uma componente indispensável da oração da Igreja: compreende-se, assim, por que razão ainda hoje os Salmos constituem a espinha dorsal da liturgia das horas e são utilizados em forma responsorial na liturgia eucarística, realizando a transição entre o Antigo e o Novo Testamento.
(Família cristã, 7 de outubro de 2012)