Comentário ao Compêndio do Catecismo /38
Enzo Bianchi
Jesus ensinou-nos esta oração cristã insubstituível, o Pai Nosso, um dia quando um dos discípulos, vendo-O rezar, lhe pediu: «Ensina-nos a rezar» (Lc 11, 1). A tradição litúrgica da Igreja usou sempre o texto de S. Mateus (6, 9-13).
(Compêndio do Catecismo nº 578)
“Um dia, Jesus estava num lugar a rezar e, quando acabou, um dos discípulos disse-lhe: ‘Senhor, ensina-nos a rezar’ (Lc 11,1)… É contemplando e escutando o Filho em oração que os filhos aprendem a rezar ao Pai” (CIC 2601).
Foi a partir da sua experiência pessoal que Jesus instruiu a sua comunidade na arte da oração, e fê-lo de muitas maneiras e com várias parábolas. Mas quando quis deixar aos seus discípulos uma síntese eficaz da oração, deu-lhes uma oração muito breve, que não gasta palavras (cf. Mt 6,7): o Pai Nosso. A oração do Kýrios, do Senhor, é a única oração que Jesus nos deu. Ora, se é verdade que o Pai Nosso tende a ser uma oração universal, porque cada ser humano e toda a humanidade podem fazer suas as perguntas que ele contém, ele é, ao mesmo tempo, específico dos discípulos de Jesus, é a norma e o cânone da sua oração.
Os discípulos receberam esta oração de Jesus e conservaram-na com grande cuidado, mesmo se nas várias comunidades cristãs primitivas a meditação orante das palavras de Jesus produziu ligeiras modificações de expressão. Da única oração ensinada por Jesus, temos, de facto, duas versões diferentes: a de Mateus (cf. Mt 6, 9-13) – tradicionalmente usada na liturgia – e a de Lucas (cf. Lc 11, 2-4). Há ainda a que está contida na Didache, obra datável das últimas décadas do século I d.C., que retoma o texto de Mateus acrescentando-lhe uma aclamação final.
A presença de diferentes versões não deve, porém, constituir um obstáculo para uma compreensão profunda do Pai-Nosso: trata-se, de facto, de um ensinamento de Jesus que, tendo caído em diferentes solos, deu frutos absolutamente autênticos que, conforme o solo, apresentam tamanho, cor e sabor diferentes (cf. 1 Cor 15, 38). Em suma, as palavras pronunciadas por Jesus como oração ao Pai foram uma realidade viva que, ao serem traduzidas do aramaico para o grego e rezadas em novos contextos, foram ordenadas de forma diferente, enriquecidas ou simplificadas por cada uma das comunidades cristãs chamadas a recebê-las.
Preparemo-nos, pois, para explorar o Pai-Nosso em toda a sua profundidade e riqueza, na convicção de que “nesta oração que o Senhor nos ensinou estão resumidas todas as palavras das orações contidas na Sagrada Escritura” (Agostinho).
(Família cristã, 12 de maio de 2013)