Pe. Artur Pereira, provincial dos Salesianos, em entrevista ao programa “Princípio e Fim” da emissora católica portuguesa.
No bicentenário do nascimento de S. João Bosco, e por ocasião da celebração dos 81 anos da sua canonização, o Provincial dos salesianos foi entrevistado na Rádio Renascença sobre educação, vocações, e missão. Na entrevista, o padre Artur Pereira lamenta o desinvestimento atual do Estado no sector educativo, desdramatiza a falta de vocações, e diz que o Papa Francisco mais do que “uma nova esperança à Igreja” trouxe “uma Igreja Nova”. A entrevista, que pode escutar na íntegra no site da Renascença, foi transmitida no programa Principio e Fim do passado domingo.
Qual é a representatividade dos Salesianos na Província Portuguesa, que também inclui Cabo Verde?
Os salesianos têm 12 presenças na Província, uma em Cabo Verde. Destas, nove são escolas. É possível, por isso, que as pessoas facilmente liguem os Salesianos a escolas, mas também temos 13 paróquias e juntamente com as paróquias há centros juvenis. O importante é que a perspectiva pela qual precisamos de ler a dimensão educativa e evangelizadora é a partir dos jovens. Por exemplo, o reitor maior quando este ano, celebrando o bicentenário, coloca como lema “Como D. Bosco, com os jovens e para os jovens”, centra exactamente aquilo que deve ser a presença dos salesianos em contexto juvenil e social.
Nas escolas salesianas, andarão 10 mil alunos, mas há imensos jovens que estão nas paróquias. Aí, já é mais difícil contabilizar. Temos também uma realidade muito importante e significativa, que são os lares e o internato. São lares onde acolhemos jovens com falta de rectaguarda familiar e a quem procuramos assegurar aquilo que D. Bosco dizia: o espírito de família, o ambiente educativo. Andará pelos 113, 114 jovens.
S. João Bosco teve sempre essa preocupação particular pelos jovens em situação de pobreza e risco. Essa continua a ser uma preocupação vossa?
Há uma perspectiva que é importante nunca esquecer. Não seremos salesianos se não tivermos a preocupação pelos últimos, e os últimos são os que mais precisam. E a dimensão social, comunitária, material, fazem parte. Não podemos educar uma criança olhando apenas para partes dela. A educação tem de ser integral. O que os salesianos mais desejam é que nos seus ambientes as crianças e jovens possam sentir-se bem.
Mas há quem pense nos salesianos só como escolas de elite…
Já tive experiência suficiente nas escolas, já fui responsável por vários colégios e leccionei 12 anos na escola pública. A minha percepção é a de que, antes de mais, a educação deve ser inclusiva: numa comunidade educativa é necessário haver lugar para todos. Perceber com que cabeça e coração é que fazemos as coisas, os salesianos têm essa preocupação. Por exemplo: se numa escola são os pais que pagam a educação integral, há outras em que o Estado ajuda.
Têm alguns colégios com contrato de associação?
Sim. Manique, Poiares e Mogofores. Também o Porto, no que tem a ver com a dimensão vocacional. E estes colégios têm sofrido bastante, porque o Estado reduziu o que davam por cada turma. Estamos numa situação muito complicada.
E nos outros colégios, recebem pedidos de ajuda de famílias com dificuldades?
Temos situações muito complicadas. Acompanhamos as famílias, dificilmente uma família sai da escola porque não tem dinheiro, quando batem à nossa porta as pessoas são atendidas – aliás, não podia ser de outra maneira. Já tive um caso em que o pai ficou desempregado, depois a mãe, e os alunos ficaram até final do ano. Mas, destas coisas não se faz bandeira, chega-se ao coração da situação e ajudam-se as pessoas. Fazer contabilidade, pôr no jornal, não vamos por aí.
Muitas famílias procuram os vossos colégios pelo método educativo. Propõe formar “honestos cidadãos e bons cristãos”.
É preciso não esquecer que este tal sistema preventivo é fruto de uma vida. Foi escrito em 1877 e repare que D. Bosco começou a sua actividade com o primeiro jovem em 1841. Este método educativo tem apenas três ou quatro páginas, foi uma reflexão que D. Bosco foi fazendo e aperfeiçoando. E o que nos deixou foi aquilo que de mais essencial se pode ter, com alguns aspectos que se devem referir sempre: “presença”, “proximidade”, “espírito de família” e “confiança”.
Antes de mais, toda a gente entende que é melhor prevenir que remediar. O “prevenir” significa olhar a vida como projecto, perceber que caminhos é necessário a pessoa percorrer para ser verdadeiramente feliz. Nas nossas comunidades procuramos que haja um bom ambiente. É, antes de mais, o necessário para uma boa educação.
É a educação que pode fazer a diferença numa sociedade?
Pela educação mudamos a sociedade, porque no fim de contas o que está em jogo é a formação de cidadãos. A educação não tem na sociedade portuguesa, ou não lhe é dada, a importância que devia ter.
Falta olhar para a educação não como uma despesa mas como um investimento?
Exactamente. O que temos de melhor são os jovens. Se não somos capazes de investir naqueles que vão tornar melhor a sociedade em que vivemos, o que é que estamos a fazer?
Como é que vê a situação da educação em Portugal neste momento?
Mal. O desinvestimento tem consequências e o que é mais grave é que as consequências não são “eu faço hoje e vejo amanhã”; é mais “eu não faço hoje e vai haver um tempo em que eu não vou ver”.
Estamos a hipotecar uma ou duas gerações?
Exactamente. Por isso é que eu dizia que a educação devia ter uma outra leitura, outra visão, outro empenho. Quando a escola salesiana se preocupa em ter o desporto, a música, o teatro e as outras actividades, não é para encher o tempo, é porque são dimensões às quais é necessário fazer referência, para que a educação integral, inclusiva, seja capaz de chegar a cada miúdo na sua circunstância.
E a dimensão da fé também é importante no método educativo salesiano?
Há uma expressão cunhada entre nós, que é: “educar evangelizando e evangelizar educando”. Naquilo que os salesianos fazem, a educação e a evangelização são uma só realidade. Quando procuramos a dimensão educativa, a dimensão evangelizadora está presente, e vice-versa. O estar no pátio, o estar na igreja, o estar na aula são realidades idênticas. D. Bosco diz que o pátio “é o lugar teológico do encontro com Deus”. Porque é que se encontra Deus no pátio? Por causa dos miúdos. Os alunos, os jovens, não são senão presença de Deus.
E quem conhece os colégios salesianos sabe que o pátio é muito importante.
É determinante.
A dimensão missionária continua a ser muito importante para os salesianos que estão neste momento em 192 países.
Sim, e estamos também em países muçulmanos onde não há hipótese de falar no nome de Cristo. Porque partimos do jovem no centro do acto educativo. Falamos do ambiente, da pedagogia preventiva, não remediativa ou de conserto. Falamos do espírito de família, de protagonismo juvenil. E estes elementos cabem em qualquer cultura. Por isso, a missão e o empenho missionário para nós é determinante. Há cinco ou seis anos iniciámos uma nova comunidade salesiana no Bangladesh. É uma população paupérrima, que andará pelos 156 milhões. Estamos a tentar ajudá-los.
Fala-se muito em crise de vocações. Como é que estão os salesianos?
Estão em crise [risos]. Temos no Estoril o pré-noviciado e um jovem vai assumir formalmente este momento de pré-noviciado. E há outros jovens a caminho.
Hoje já não se arrebanha gente, mas penso que a Igreja tem gente mais esclarecida, os leigos são gente mais bem formada, mais capaz de levar por diante esta missão evangelizadora da Igreja. Estou convencido que a Igreja tem as vocações que precisa. É necessário é haver gente e nós temos. Olhando pelas paróquias, nas dioceses, nos diversos agrupamentos, movimentos, há tanta gente!. O que está em jogo é uma nova visão da Igreja, se calhar o Papa Francisco está a dizer alguma coisa…
A eleição de Francisco trouxe uma nova esperança à Igreja?
Trouxe. Eu quase poderia dizer que trouxe uma Igreja nova. Acho que o Papa é um grande sinal na Igreja, porque o Espírito conduz a história e conduz a Igreja.A pena é que nós, cristãos, por vezes, sejamos um pouco míopes, não vejamos efectivamente o caminho que Deus nos faz percorrer. E muitas vezes, e acho que tem acontecido isso, como somos muito inteligentes, muito estudiosos, muita teologia, sabemos a História da Igreja, achamos que ‘é por aqui’, mas se calhar não é. Se calhar Deus diz que é por outro lado.
Sobre as celebrações do bicentenário do nascimento de S. João Bosco, tem havido várias iniciativas. O ponto alto será em Agosto, em Turim, mas por cá, em Maio, haverá a peregrinação das escolas salesianas a Fátima.
Sim, para dar este tom de celebração do nascimento de um homem cuja generosidade é causa da nossa presença. E Nossa Senhora é determinante para a congregação salesiana.
Está também a ser preparado um Congresso sobre Pedagogia…
Será, em princípio, em Setembro. D. Bosco tem lugar na história da pedagogia mundial. D. Bosco não é uma coisa dos salesianos e não queremos ficar com ele na nossa sacristia, antes pelo contrário. É um Santo da Igreja, que tem um carisma que vai ao âmago da sociedade, aos jovens, ao sonho. Por isso a sua pedagogia, a sua forma de se aproximar-se dos jovens, a atenção, os recursos para que se chegue a tudo o que pode promover os jovens no dia de hoje, faz dele sempre actual.
Foi João Paulo II que o nomeou como “Pai e mestre da juventude”. Celebramos 200 anos de vida, não apenas de um homem, mas da acção do Espírito no mundo.