Ontem, dia 14 de janeiro de 2019, o Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, recebeu a cerimónia de apresentação de cumprimentos de Ano Novo do Corpo Diplomático ao Presidente da República da Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa. Na cerimónia usou da palavra, o Núncio Apostólico, D. Rino Passigato, Decano do Corpo Diplomático.
Cumprimentos de Ano Novo
do Corpo Diplomático
ao Senhor Presidente da República
14 de Janeiro de 2019
Senhor Presidente da República
1. Os Chefes das Missões Diplomáticas e os Representantes das Organizações Internacionais acreditadas em Portugal saúdam deferentemente Vossa Excelência, agradecendo muito sensibilizados o convite para esta cerimónia, na qual temos a honra de apresentar a Vossa Excelência – e, na sua pessoa, a toda a nobre Nação Portuguesa –, votos de um bom Ano Novo, repleto de bênçãos, saúde, prosperidade, serenidade e paz para todos.
Aproveitamos a ocasião para também agradecer a Vossa Excelência a sua proximidade para connosco, repetidamente manifestada ao longo do ano, partilhando momentos culturais e de convívio ou de solidariedade (em Marvão, em Belém, no Museu dos Coches, no Bazar Diplomático…).
Estamos aqui presentes 105 Chefes de Missão, vimos de 99 Países de diferentes áreas geográficas, pertencemos a variadas culturas, unidos na amizade a Portugal e no ideal de construir juntos um mundo cada vez mais justo, fraterno e solidário, na base de princípios e valores partilhados: a dignidade da pessoa humana e o respeito dos seus direitos, a promoção do bem comum e do desenvolvimento dos povos, a cooperação solidária para atingir estes objectivos na harmonia e na paz.
Somos os Embaixadores residentes em Lisboa e também alguns não residentes, vindos de várias capitais europeias, Encarregados de Negócios a. i. e Representantes de Organizações Internacionais. Há quem esteja a iniciar a sua missão em Portugal e há os veteranos: todos muito felizes pela sorte de viver e trabalhar neste sugestivo e acolhedor País.
2. Todo o mundo está enamorado de Portugal.
2018 registou o número record de Visitas de Chefes de Estado e de Governo estrangeiros. No decurso do ano chegaram a Portugal: 2 Reis, 6 Presidentes de Repúblicas, 1 Governador Geral, 16 Primeiros Ministros e Chefes de Organizações Internacionais, uma dúzia de Ministros de Negócios Estrangeiros.
São dezenas de milhares as pessoas, de diferentes proveniências, que nos últimos anos escolheram Portugal como lugar onde morar, atraídas por uma série de condições favoráveis – climáticas, económicas, sociais – que tornam agradável viver neste “jardim à beira-mar plantado”.
Muitíssima gente de toda a parte está a escolher Portugal como meta preferida onde desfrutar dias de férias, tanto assim que pela segunda vez consecutiva Portugal foi eleito o Melhor Destino Turístico do Mundo, o que representa um claro sinal da sua capacidade de afirmação internacional, capacidade confirmada pelo facto de a sua Capital se ter tornado anfitriã estável de um evento tão significativo e de importância mundial como é o WEB Summit.
3. Para nós, Senhor Presidente, estarmos cá é um enorme privilégio, uma honra e, diria, mesmo um prémio, pelo qual ficamos agradecidos aos nossos governantes por nos terem escolhido para esta missão e a Portugal por nos acolher tão carinhosamente.
Sentimo-nos em casa e partilhamos com o povo português cada evento e cada momento. Nada do que acontece em Portugal nos é alheio. Somos diplomatas, observadores por definição, mas nada do que aqui acontece nos deixa indiferentes: regozijamo-nos pelos sucessos e partilhamos os momentos de alegria (assim, por exemplo, em Junho passado, juntámo-nos ao júbilo do povo açoriano e acompanhámos Vossa Excelência nas celebrações do Dia de Portugal, na cidade da Ponta Delgada, na Região autónoma dos Açores); pelo contrário, entristecemo-nos pelos eventos funestos e as desgraças (como quando, há um mês, num trágico acidente de um helicóptero do INEM, em Valongo, morreram quatro pessoas, que acabavam de levar uma doente a um hospital do Porto).
4. Ao olhar para a situação internacional, ela aparece-nos “incerta e periclitante”, marcada por profundas incompreensões, incapacidade de diálogo e tensões perigosas entre Países e grupos de Países, quando não por assustadores cenários de guerras e penosos êxodos de pessoas de todas as idades a fugirem dos teatros bélicos, da miséria, da fome, da perseguição, para se verem rejeitadas e desesperadamente bloqueadas frente a muros e a portos fechados.
Nalgumas zonas a vida das pessoas é ameaçada pelo terrorismo; noutras a vida normal da cidade é gravemente perturbada por manifestações violentas de cidadãos encolerizados; noutras observam-se cenários inquietantes onde são violados os direitos básicos das pessoas, a liberdade religiosa, de consciência e de opinião; noutras ainda é negado o acesso aos meios indispensáveis para uma vida digna (alimentação, saúde, educação, trabalho, habitação)…; sem esquecer os cenários de luto provocados por calamidades naturais ou graves acidentes.
Talvez tenha esboçado um quadro demasiado sombrio. Mas as sombras, num quadro como na vida, ajudam a apreciar melhor as luzes. Nem tudo é negativo no nosso mundo. Há muito bem e há sinais de esperança escondidos. Compete aos homens e mulheres de boa vontade fazê-los sair à luz.
“Numa situação internacional incerta e periclitante” – como escreveu um analista político nacional (cf. Villaverde Cabral, em Público, 20.11.2018, p. 2s) – “Portugal, comparativamente, está bem, sobretudo quando tudo está como está”, mantêm-se unido e estável, mesmo se às vezes, por certos versos, – como ouvimos dizer – parece andar entre “nebulosas” e de “pernas para o ar”… (Ibid.).
2019, em Portugal, é “ano político” típico de eleições – europeias na Primavera e legislativas no Outono. Mantendo absoluta neutralidade, os Representantes dos Países amigos acompanham com interesse e confiam na maturidade da democracia portuguesa e dos seus cidadãos, que sabem escolher os legisladores e governantes de que o País precisa, para superar dificuldades, melhorar os seus standards, garantir ao povo bem-estar económico, saúde, educação, cultura, paz social e um lugar de prestígio no concerto das nações.
5. Senhor Presidente
Em 2018, foram comemorados no mundo inteiro dois eventos marcantes da história da humanidade no século XX: o Armistício que pôs fim à Primeira Guerra Mundial (4 de Novembro de 1918), e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de Dezembro de 1948).
Portugal destacou a grande importância das duas efemérides com múltiplas iniciativas. Lembro aqui apenas algumas.
A Academia Portuguesa da História assinalou o Centenário do Armistício da Grande Guerra com uma série de doutas Conferências. Numa delas, a que tive o prazer de assistir, no dia 10 de Outubro, depois do lançamento de uma série de selos comemorativos, dois brilhantes oradores discursaram sobre a correspondência epistolar entre os soldados portugueses e as suas famílias e sobre as canções populares da época que aludiam à guerra.
A comemoração principal, porém, e a mais solene, teve lugar no próprio dia do Centenário, no Domingo 4 de Novembro, presidida por Vossa Excelência, que proferiu um memorável discurso, ao qual se seguiu um grandioso desfile dos vários Corpos das Forças Armadas e de Segurança de Portugal, com a presença das mais altas Individualidades do Estado, de convidados especiais, do Corpo Diplomático e de uma multidão de cidadãos.
Entre as iniciativas destinadas à comemoração do Septuagésimo Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinalo três momentos levados a cabo no Palácio das Necessidades: os dois primeiros, presididos pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Augusto Santos Silva, tiveram lugar, respectivamente, no dia 7 de Setembro (quando foi apresentado o programa das Comemorações dos 70 Anos da Declaração Universal e dos 40 Anos da Adesão de Portugal à Convenção Europeia dos Direitos Humanos) e no dia 27 de Novembro; o terceiro momento, presidido pela Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Dra. Teresa Ribeiro, teve lugar no dia 20 de Dezembro, ocasião na qual foi apresentado ao público o livro “Portugal e a Protecção Internacional de Direitos Humanos” da autoria da Dra. Sofia Caseiro, com apresentação escrita do Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, e prefácio do Prof. Vital Moreira, Comissário das Comemorações dos 70 Anos da Declaração Universal, abrindo uma série de monografias editadas pela Imprensa Nacional sob o título “Portugal – Estado de Direitos Humanos”.
6. A Primeira Guerra Mundial foi uma tragédia de imensas proporções, definida pelo Papa da época, Bento XV, “uma inútil carnificina”, em que morreu uma dezena de milhões de pessoas, desapareceram impérios, mudou de forma radical o mapa da Europa e do Médio Oriente, nasceram novos Países e ressuscitaram Nações – uma tragédia imensa, que vinte anos depois se repetiu com outra Guerra de proporções ainda maiores, na qual foram usadas as primeiras bombas atómicas, perderam a vida mais de 54 milhões de pessoas, em grande parte civis, houve um número incalculável de feridos e mutilados, foram arrasadas cidades inteiras.
A Declaração Universal marca um momento fundamental na história dos direitos humanos. Escrita com o contributo de representantes de todas as regiões do mundo, com diferentes backgrounds legais e culturais, foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, a 10 de Dezembro de 1948 como “um estandarte comum de conquistas para todos os povos e todas as nações”.
7. Das comemorações destes dois eventos históricos, como em alta voz foi repetido em inúmeros contextos, derivam lições importantes para a vida das pessoas, dos nossos povos e da humanidade inteira.
A principal lição que se nos impõe é que “o passado não pode ser esquecido” – como bem disse o Presidente francês Emmanuel Macron – e que “qualquer ressentimento entre os povos deve ser superado” mediante o diálogo, a busca conjunta da paz, o respeito e a promoção dos direitos humanos.
Vital Moreira, porventura o maior especialista português em matéria de direitos humanos, escreveu: «Sete décadas passadas, a Declaração Universal de 1948 continua tão relevante quanto antes no combate pela universalização efectiva dos direitos humanos, ou seja pelo direito à vida, à integridade física e moral, à liberdade (pessoal, religiosa, politica), às condições de trabalho dignas e a um nível de vida decente e à “busca da felicidade” para toda a gente, em toda a parte» (Público, 2ª-feira, 10.12.2018, p.6).
8. Senhor Presidente
Antes de concluir, com sua licença, gostaria de citar dois textos de Sua Santidade o Papa Francisco, a quem tenho a subida honra de representar.
Ao receber as cartas credenciais de novos Embaixadores, a 13 de Dezembro último, o Pontífice formulava este voto: «As lições aprendidas das duas últimas grandes guerras do século XX possam continuar a convencer os povos do mundo e seus líderes da inutilidade dos conflitos armados e da necessidade de resolver as controvérsias através do paciente diálogo e negociação».
E no último número da Mensagem para a celebração do Dia Mundial da Paz de 2019, recordando uma sábia observação do Papa São João XXIII na Encíclica Pacem in terris, a propósito dos direitos humanos, em que dizia: «Quando numa pessoa surge a consciência dos próprios direitos, nela nascerá forçosamente a consciência do dever: no titular de direitos, o dever de reclamar esses direitos, como expressão da sua dignidade; nos demais, o dever de reconhecer e respeitar tais direitos” (Pacem in terris, 24), o Papa Francisco conclui:
«Com efeito, a paz é fruto de um grande projecto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária:
- a paz consigo mesmo…;
- a paz com o outro…;
- a paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste mundo, cidadão e actor do futuro».
«A paz esteja nesta casa!» – na casa que é Portugal.
«A paz esteja nesta casa!» – na “casa comum” que é o planeta Terra, «onde o Criador nos colocou a morar e do qual somos chamados a cuidar com solicitude».
9. Senhor Presidente
Recordando que Portugal foi membro do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU no biénio 2015-2017, reconhecemos o seu empenhamento neste importante campo e a sua firme vontade de construir pontes para alcançar a universalidade dos direitos humanos.
Para nós, empenhados em trabalhar sempre para que no mundo se dêem condições cada vez mais favoráveis ao pleno exercício dos direitos humanos e à paz, no início deste ano de 2019, constitui um enorme privilégio e uma subida honra apresentar a Vossa Excelência, juntamente com os nossos Povos e as Organizações Internacionais aqui representadas, votos sinceros de Bom Ano.
Desejamos-lhe boa saúde, serenidade e as maiores venturas, no apreço que todos lhe devotamos, bem como à sua Família, ao Governo de Portugal e ao nobre e muito querido povo português, de quem Vossa Excelência é o mais alto e muito amado Magistrado.
Muito obrigado!
+ Rino Passigato
Núncio Apostólico
Decano do Corpo Diplomático
Fotografias: Presidência da República