Corações em Construção: A Família como Porto Seguro na Adolescência

Corações em Construção: A Família como Porto Seguro na Adolescência

Na emocionante viagem da adolescência, as transformações não acontecem apenas nos jovens. Também as famílias se transformam e toda a dinâmica familiar se ajusta – os afetos precisam de ser redesenhados, os silêncios traduzidos e as rotinas reaprendidas. Crescer, nesta etapa da vida, exige muito – de quem está a crescer por dentro e de quem caminha ao lado.

A série Adolescência, da Netflix, coloca em destaque estas vivências – tão intensas, quanto exigentes. A forma como retrata os desafios internos dos jovens, mas também os dilemas das famílias, fez ecoar, em muitos de nós, perguntas que nos são familiares: “Estou a fazer o suficiente?”, “Como posso chegar até ele?”, “Ela já não me conta nada… e agora?”. São perguntas legítimas que nem sempre têm respostas claras e imediatas. Nos olhos dos pais do Jamie, personagens da série, vemos o reflexo do nosso próprio olhar: aquele que vacila, que se sente perdido, inseguro, cheio de dúvidas – mas que não deixa de amar e não desiste de tentar.

Há um traço comum que observo em muitas famílias que acompanho enquanto psicóloga: amam profundamente os seus filhos, mas chegam, por vezes, com o coração apertado e a perguntar-se se estarão a falhar. Na verdade, a maioria não está. Estão apenas a dar o seu melhor, no meio das exigências do dia-a-dia, das incertezas e do amor, porque neste caminho também os adultos estão em (re)construção.

Durante a adolescência, é natural que surja um aparente afastamento. Os jovens fecham-se mais no quarto, pedem espaço e criam-se distâncias que antes não existiam. Da procura constante por colo, passam ao desafio, à contradição, à sede de autonomia. Este movimento, tantas vezes desconcertante, é sinal de crescimento e é importante que não o interpretemos, necessariamente, como rejeição. O adolescente precisa de se afastar, sim – mas precisa, ao mesmo tempo e mais ainda, de saber que pode voltar. É aqui, neste retorno, que entra o papel da família como porto seguro.

Nem sempre é fácil ser esse porto seguro. Todos os pais, mães e cuidadores conhecem dias em que as certezas escorregam, em que cada escolha se torna um ponto de interrogação, em que se tenta fazer o melhor… sem saber se está a resultar. E está tudo bem. Não há famílias perfeitas – só famílias reais, que se vão construindo com amor, tropeços e recomeços. Como ponto de apoio para quem educa, partilho uma sigla que pode funcionar como um guia simples do que é ser, verdadeiramente, um PORTO SEGURO:

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P de Presença real e disponível –Estar verdadeiramente presente, mesmo quando o adolescente parece não precisar. Não é preciso estar sempre, mas é preciso que, quando se está, se esteja por inteiro. Os adolescentes sentem a nossa presença mais do que as nossas palavras.

O de Ouvir com empatia – Escutar com abertura, sem pressa para corrigir, sem julgamentos ou interrupções. A escuta é, muitas vezes, a forma mais profunda de amar. Quando os jovens sentem que são ouvidos, arriscam dizer o que sentem de verdade.

R de Regras com sentido e coerência – Os limites são fundamentais, mas precisam de fazer sentido, ser explicados, revistos e ajustados. Regras firmes, comunicadas com calma e aplicadas com coerência ajudam o adolescente a sentir-se seguro, mesmo quando resiste.

T de Tempo de qualidade – Os momentos partilhados alimentam a relação: um jantar em família, um passeio, uma conversa antes de dormir. Mais do que a quantidade, importa a qualidade e a intenção com que o tempo é vivido.

O de Olhar com esperança – Mesmo quando erram, os adolescentes precisam de sentir que acreditamos neles. O nosso olhar pode ser o espelho onde aprendem a ver-se com mais confiança.

S de Silêncios que acolhem – Nem tudo se diz com palavras. Estar ao lado, em silêncio, com presença e serenidade, pode ser mais transformador do que muitos discursos.

E de Expressar afeto de forma visível – Mesmo que digam que não precisam ou já não peçam, o afeto continua a ser essencial. Um gesto, uma palavra ou um olhar com ternura podem ser âncoras nos dias difíceis.

G de Guiar com firmeza e ternura – Educar é orientar com clareza, assumindo o lugar de adulto com amor, paciência e empatia. É manter o farol aceso, mesmo quando o caminho é turbulento.

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U de Unidade na parentalidade – Quando os cuidadores conseguem alinhar-se nas suas práticas parentais, transmitem estabilidade emocional. Divergências existem, claro – mas o diálogo e o respeito entre os adultos são também formas de proteger o adolescente.

R de Reconhecer os próprios limites – Cuidar de um jovem exige energia emocional. Reconhecer quando estamos cansados, procurar apoio e dar atenção às nossas próprias emoções é um ato de responsabilidade. Pais equilibrados educam com mais serenidade.

O de Ousar recomeçar – Nem sempre acertamos, mas educar também é errar e recomeçar. Quando os pais têm coragem para pedir desculpa, ajustar rotas e voltar a tentar, ensinam, com o exemplo, que o amor se constrói no compromisso diário de permanecer.

Nesta viagem intensa que é a adolescência, a espiritualidade salesiana pode ser uma âncora preciosa para as famílias. Dom Bosco lembrava-nos: “Não basta amar, é preciso que o jovem sinta que é amado” – esse é, talvez, o verdadeiro sentido de sermos um porto seguro. Mais do que uma lista de estratégias, ser porto seguro é uma atitude interior, um compromisso de presença e de cuidado com quem ainda está a aprender a ser, pois o que mais transforma um adolescente não é aquilo que lhe explicamos, mas quem somos ao seu lado quando ele mais precisa.

Quando o mundo à volta se torna mais confuso ou exigente, é na relação familiar que o adolescente pode encontrar o porto seguro onde o seu coração se constrói.


Na próxima semana: Corações em Construção: A Escola como Farol na Travessia da Adolescência

Diana Almeida
Mãe de uma menina cheia de vida
Filha de um pai e de uma mãe que serão sempre porto seguro
Psicóloga especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e em Psicologia Comunitária

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