Rosto
Rosto nu na luz directa.
Rosto suspenso, despido e permeável,
Osmose lenta.
Boca entreaberta como se bebesse,
Cabeça atenta.
Rosto desfeito,
Rosto sem recusa onde nada se defende,
Rosto que se dá na angústia do pedido,
Rosto que as vozes atravessam.
Rosto derivando lentamente,
Pressentindo que os laranjais segredam,
Rosto abandonado e transparente
Que as negras noites de amor em si recebem
Longos raios de frio correm sobre o mar
Em silêncio ergueram-se as paisagens
E eu toco a solidão como uma pedra.
Rosto perdido
Que amargos ventos de secura em si sepultam
E que as ondas do mar puríssimas lamentam..
Sophia de Mello Breyner Andresen, 1919-2004, in Coral, Livraria Simões, 1950
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