1. A linguagem da fé, a linguagem da razão, a linguagem da consciência, convergem através de duas dimensões: a dúvida e a busca, que, no seu conjunto, não se confundem com ceticismo, relativismo ou niilismo. Entre o dogma de fé, a convicção da razão e o sentimento da consciência, estamos diante de um teste à nossa fortaleza ou à nossa fragilidade. Saber porque somos, porque pensamos e porque sentimos leva-nos, ontologicamente, ao divino. Deus deu-nos a liberdade, sem a qual não seríamos irrepetíveis, diferentes e sujeitos de responsabilidades e sem a qual não seríamos sequer capazes de duvidar da certeza do Absoluto. O Criador deu-nos até a liberdade suprema de O negar.
2. Neste contexto, realço o baluarte intemporal da oração, porque tudo está na ligação com O que nos concedeu o dom da vida. Na oração, não se diz apenas. Dialoga-se. Ouve-se. Reflete-se. Na oração, mais do que ir ao encontro, o importante é saber receber o encontro. De portas abertas, sem as nossas circunstâncias, com graça e alegria. Até no silêncio, que é uma forma de respeito, uma expressão do amor, uma oportunidade para a plenitude do encontro. A oração no sofrimento, na súplica, na dor, no pedido de perdão é necessária, mas a oração na alegria, na ausência de nós e do nosso egoísmo, na felicidade, é a mais pura forma de nos darmos. A oração não é um “deve e haver”, uma espécie de registo contabilístico da nossa relação com Deus. A oração é uma entrega sem contrapartidas, a não ser a da ajuda na busca d’Ele.
Sem alarde, que essa não é a maneira de se ser em fé. Com alegria que a fé nos concede, com a dúvida que torna a fé mais livre e consistente.
A oração começa no mais singelo sinal: o da cruz. Uns segundos apenas para nos aproximarmos d’Ele, na pequenez da nossa insignificância. O sinal, no que ele representa de comunhão entre o que somos e o que procuramos ser, a ponte entre a nossa fraqueza e a nossa fé. Da cruz, como o maior símbolo de entrega e de resgate de Deus feito Homem.
3. Meu Deus! clamam, em situações de desespero, crentes, como até ateus e agnósticos.
Minha Mãe! dizem os filhos, novos ou velhos, como a primeira palavra na aflição, mesmo que da mãe só reste a presença da saudade.
Entre Meu Deus e Minha Mãe não há tempo, nem espaço. Há os encontros na intimidade natural e sobrenatural do alfa terreno com o ómega divino e do alfa divino com o ómega terreno. O princípio e o fim na expressão transcendente do mistério, o princípio e o fim na expressão uterina da nossa natureza.
Se Deus é a nossa intimidade absoluta, a Mãe é a nossa cumplicidade plena.
Por isso, não concebo Deus sem a Mãe, a nossa. Nem a Mãe, nosso anjo da guarda, sem a proteção de Deus de todos. Eis a síntese da vida, esse dom de Deus trazido ao mundo pela Mãe e certificado no mundo através do Senhor pela Graça de sua Mãe.
4. Tudo com o sentido do bem soberano da vida, perante a imortalidade da alma e a esperança da ressurreição. O porquê? O para quê? O para onde? O como? A esperança exige um nexo de causalidade. Dentro de nós para Ele, para nós mesmos e para o que nos é exterior. A esperança é generosa, mas não acomodada. Não se dá com a demissão, a indiferença, o ceticismo, o destino, o conto de fadas. Alimenta-se da busca. Da inquietude. Do inconformismo. Do combate. Da ansiedade. Do ânimo. Afinal, lutamos porque temos esperança! A esperança na ressurreição começa na vida cá, no nosso testemunho e nos nossos valores. A esperança é “iluminadora e encorajadora, mas também a mais misteriosa virtude” (Bento XVI, Spe Salvi). Ou como se pode ler (e sentir) na chamada oração da Paz de São Francisco, “onde houver desespero, que eu leve a esperança”.
(Por vontade do autor este texto não segue o Novo Acordo Ortográfico)
Originalmente publicado no Boletim Salesiano n.º 560 de Janeiro/Fevereiro de 2017