Caudal
Ergo a voz no silêncio hostil do mundo,
Como um galo que canta a horas mortas.
Nem me posso calar,
Nem posso amortecer
A força que faz dela um desafio.
A fonte brota, e tem logo ao nascer
O ímpeto dum rio.
E o rio não tem foz dentro de mim.
Some-se às vezes, não sei como e onde,
Mas reaparece.
E retoma de novo o curso desabrido,
Mais largo, mais barrento
E violento,
E sem que eu lhe descubra o íntimo sentido.
Miguel Torga, 1907-1995, In Diário X, Coimbra Editora, 1995
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