O que é o Homem? – A pergunta pode ter um número infinito de respostas, todas elas válidas, mas dependentes da dimensão que se pretende analisar. Não sendo o Homem a soma das partes, é no entanto tão complexo o seu ser, que qualquer definição será sempre incapaz de o definir.
Como nascemos, crescemos e nos perpetuamos? Porque estamos integrados numa família? Todos nascemos numa família? Porque trabalhamos? Qual o valor do trabalho? Em que medida estamos disponíveis para contribuir para o Bem Comum? Porque é que uns são mais carenciados e outros mais afortunados? Qual o sentido da liberdade?
Para responder a estas perguntas conhecemos, desde os tempos pré-históricos, as mitologias, os pensamentos filosóficos, as ciências (cada vez mais especializadas e sectoriais), a ficção (como antevisão do futuro), as leis que definem o comportamento em sociedade, etc. Campos do saber que também “constroem” a identidade do Homem e da sua relação com o mundo.
Constatamos, no nosso dia a dia, nas nossas relações com os outros e com a vida, que o Homem é um ser profundamente relacional com um projeto de vida partilhado com a Humanidade passada, presente e futura. Tendo sempre a preocupação com aquele que vem depois de si.
Ninguém se faz a si próprio, todos provimos de outros. Aí nasce uma primeira relação – sou em primeiro lugar filha dos meus pais. Mas também sou neta, sobrinha, prima. E mãe, avó, etc.
Isto é, logo que nasço, a minha vida serve outras vidas, entra em relação com essas vidas, criando dependências. Mas também sou cidadão desde o nascimento. O Estado tem para comigo certos deveres e exige-me o cumprimento de obrigações.
Com o desenvolvimento da pessoa, a liberdade e responsabilidade crescem também e tece-se uma teia de relações e de opções de vida (profissional, familiar, e não só) que geram centenas de vínculos e até mesmo a entrega de si. Dependemos de muitos e muitos dependem de cada um de nós. Toda a Sociedade investe em nós (educação, saúde, assistência social, urbanismo, etc., etc.) porque também espera de nós.
E cada um de nós, dos mais humildes aos mais diferenciados, sente gosto, alegria e felicidade por dar de si (fazer uma camisola ou um programa informático). Trabalhamos, não pelo dinheiro que se ganha (e que rapidamente se gasta), mas pelo gosto de cumprir a nossa missão (de trabalhador, de pai/mãe que alimenta os filhos, de contribuinte, etc.).
Esta trama de relações e legítimos interesses faz com que cada pessoa tenha um valor para a Sociedade e para o Estado. O Estado, enquanto representante e defensor/regulador da Sociedade, deve ser o primeiro a reconhecer que precisa de todas as pessoas. Sem pessoas não há Estado.
Aliás, se remontarmos aos primórdios da humanidade, verificamos que os homens se organizaram em grupos (clãs, tribos, reinos, etc.) para terem um “chefe”. A este chefe (em geral o mais forte) era atribuído o poder de defender os mais fracos e carenciados (os fortes não precisam). Papel que foi sendo atribuído ao Estado. É no início e no fim da vida que o Humano é mais fraco e vulnerável.
Porém, confrontamo-nos hoje com um retrocesso civilizacional – o chamado direito/dever à Eutanásia. Àqueles que estão numa situação de vulnerabilidade e fraqueza o Estado daria a “injeção” da morte. O Estado deixaria de cumprir o seu dever. O Estado teria de dar o seu aval à distinção entre “vidas boas” e “vidas sem valor” ou “vidas descartáveis”.
Muitas vezes se argumenta que cada um tem direito a dispor da sua vida. A pessoa é pertença de uma história, Sociedade, família, etc. Dispor da minha vida é também dispor da vida daqueles com quem me relaciono.
Há, de facto, um limite civilizacional que se joga neste debate.
O Homem, cada homem, cada mulher, é o Mundo, é um Mundo.
Originalmente publicado no Boletim Salesiano n.º 561 de Março/Abril de 2017