Editorial do Boletim Salesiano n.º 581 de Julho/Agosto de 2020
Partilho uma história de vida, que aqui resumo, narrada por uma pessoa amiga que adotou uma menina há poucos anos:
“Esta tarde, depois de termos dado um pequeno passeio lá fora, de termos ido comprar fruta e legumes, de lhe ter dado o gelado que me pediu, chegou a casa e começou-me a levantar a voz.
– A mãe está a dizer para falares baixo.
– Não és minha mãe de verdade!
Remeti-me ao silêncio, fechei-me cá dentro, a sete chaves, e chorei no interior, no mais fundo de mim, fingindo continuar a trabalhar no computador. Virei costas à minha filha, que caminhava órfã pela casa e se agarrou ao som repetitivo e irritante do seu lama, para cortar o silêncio ou talvez para me fazer reagir. Mas eu coloquei os auscultadores e liguei música suave, fingindo não a ver. Volta e meia, vinha à minha beira, encostava a sua cabeça à minha, dizendo que gostava muito daquela música. Não a compartilhei com ela. Então, a minha filha, na sua lucidez e sensibilidade, começou a cantar uma música conhecida, com uma letra nova, que ela estava a reescrever para mim. Em poucos minutos resumiu a nossa história. E terminava assim: […] Hoje, disse uma coisa à minha mãe, disse-lhe que não era minha mãe de verdade. Tenho vergonha de lhe pedir desculpa.
Quando a canção acabou as lágrimas já deambulavam nos meus olhos, ela abraçou-se a mim, com a força dos seus abraços, e disse:
– Desculpa, mãe!
Expliquei-lhe:
– Não sou tua mãe biológica, mas não me voltes a dizer que não sou tua mãe de verdade. Mãe é quem cuida, protege, ama, está presente. E para o bem e o mal, eu sou tua mãe de verdade, eu amo-te de verdade.
Ela saltou para o meu colo e contou que não me queria ter dito aquilo. Abraçou-me, abracei-a. No instante em que a minha filha me soltou, para olhar para o meu rosto, viu as lágrimas e ficou à espera que uma caísse em cima do dorso da sua mão direita. Depois, contemplou a lágrima em cima da sua mão e afirmou:
– Quero que esta lágrima entre na minha pele, no meu corpo e vá até ao meu coração, para eu sentir o quanto me amas.
Aconcheguei-a, ainda mais nos meus braços. Ela afirmou:
– Queria que todas as crianças tivessem a oportunidade de viver isto, de ter uma lágrima das suas mães no coração, para saberem que a mãe as ama de verdade.” “Dom Bosco descobriu quem era aos olhos dos jovens presos; e aqueles jovens presos descobriram um novo rosto no olhar de Dom Bosco”. (Papa Francisco ao CG28)